Arlindo Júnior: A saga do maior de todos os canoeiros

Arlindo Jr. em sua última performance pelo Boi Bumbá Caprichoso na arena do Bumbódromo em 2019. Foto: Daniel Brandão

Por Diego Araújo

“Já vai canoeiro… num porto distante o teu descansar!”
(Saga de Um Canoeiro / Ronaldo Barbosa)

Permitam-me dizer que existem em mim lágrimas para chorar o Rio Amazonas inúmeras vezes por um ser humano tão gigante quanto o rio que banha a cidade de Parintins. Se vocês não conheceram este ser humano, eu apresento: Arlindo Pedro da Silva Júnior, ou simplesmente, Arlindo Jr.

Arlindo foi canoeiro, vagalume, pássaro sonhador, o ancião Pacamão e tantos outros personagens dentro da arena dos sonhos onde Caprichoso e Garantido travam um duelo de luz, encantos e pajelanças. O Arlindo que eu conheci em junho de 2003 era o apresentador do Boi Bumbá Caprichoso, depois eu conheci o Arlindo levantador de toadas nas gravações dos anos 90 e 2000. Para descobrir o universo do boi bumbá e das toadas, felizmente, Arlindo Jr. será eternamente parada obrigatória para todos.

O Arlindo fez como o velho canoeiro da toada que abriu este texto e navegou no murmúrio do rio, no silêncio da mata. Nas curvas que o remo dá, com a fé do ribeirinho e seu terço caboclo, no remanso da travessia, enfrentou o banzeiro das ondas do rio da vida. Nas correntezas venceu incontáveis desafios. Venceu sim, e de tão vencedor, o seu corpo cansado das grandes viagens foi descansar num porto distante, sem pesadelo algum.

Machifaro te espera, Arlindo! O sol vai beijar o teu rosto, o vento os teus cabelos e cada fogueira do São João vai te esperar, assim como a selva espera o filho que partiu. Tenho certeza que o Vento Norte vai te trazer de volta sempre que puder, acompanhado de vagalumes que dançam e valsam na noite. Por enquanto, se você encontrou a solitária catedral verde, emane dela luz para nós. Peça a Deus Tupã que ilumine teu povo para que arcos e flechas se unam de novo em cada dança tribal na arena sagrada.

Esse texto é o abraço que eu nunca consegui dar no Arlindo em vida, é a minha declaração de amor e admiração ao Pop da Selva, é a forma de dizer que as lágrimas de emoção que eu derramei em junho de 2019 na arena do Bumbódromo são as mesmas que derramei nesses minutos pensando no que eu falaria sobre ele. Faltam tantos outros sucessos, mas, isso se torna pequeno, pois, faltam você e os muitos que você foi para me contar isso pessoalmente.

Por algum tempo, um símbolo sagrado verdadeiramente teve o poder de atear as guerras. Não houve cores rivais, não houve contrário, tudo foi apenas carregado de simbologia, respeito, gratidão e grandeza. Foi tudo tão lindo que a chuva que sempre acompanhou o Boi Caprichoso, seu boi amado, também esteve presente, dissipando-se apenas na sua saída da Catedral de Nossa Senhora do Carmo, foi aí que você se fez luz em comunhão com todos. Chora meu povo, chora minha terra, chora minha nação. Chora até mesmo a Yara que um dia te enfeitiçou como pescador.

Desta forma alçou suas asas ao infinito o pássaro sonhador, se tornou eterno como sempre será eterno o criador dos que foram donos das terras e antigos donos das penas. Foi-se embora o maior de todos os canoeiros… Descansa teus braços cansados de tantas remadas, Arlindo! Daqui a gente vai seguindo o curso caudaloso do rio da vida repleto desse “amor que me balança e não me deixa esmorecer, me restaura a confiança, o meu ego faz crescer, vai muito além de um prazer…” como você bem nos ensinou através da poesia azulada.

Viaja caboclo, viaja para tua sina feliz!
Alma tranquila e serena, você cumpriu o ritual da vida!

Toadas citadas

+ Ouça a playlist criada especialmente para a reportagem

Saga de um Canoeiro (1994)
Ronaldo Barbosa

Pesadelo dos Navegantes (1996)
Ronaldo Barbosa

Vale do Javari (1996)
Ronaldo Barbosa, João Melo Faria

Vento Norte (1996)
Ariosto Braga, José Augusto Cardoso

Nações Valentes (1996)
Silvio Camaleão, Babá e Pezão

Réquiem (Prece aos Espíritos)
Ronaldo Barbosa

Pássaro Sonhador (1996)
Sidney Rezende, José Augusto Cardoso

Amazonas Ayakamaé (1997)
Ronaldo Barbosa, Simão Assayag

Amazônia, Catedral Verde (1997)
Ronaldo Barbosa, Simão Assayag

Canto da Yara (1998)
Ronaldo Barbosa

Ritual da Vida (1998)
Ronaldo Barbosa, Simão Assayag

Candelabros Azuis (1999)
Ronaldo Barbosa

Luz da Comunhão (2000)
Ronaldo Barbosa

Odisseia Tupinambá (2001)
Hugo Levy, Silvio Camaleão, Neil Armstrong

Terço Caboclo (2001)
Ronaldo Barbosa

Meu Amor é Caprichoso (2002)
Chico da Silva, Silvana Silva, Andréa Silva

Sobre o autor

Diego Araújo, 30, é bacharel em museologia pela UNIRIO e atual enredista da Acadêmicos do Sossego, escola de samba da Série A do Rio de Janeiro. Torcedor do Boi-Bumbá Caprichoso, ele acompanha o Festival de Parintins dede 2003 e em 2019 foi repórter enviado pelo SRzd à Ilha Tupinambarana.

*Contribuiu Roberto Senna, jornalista, assessor de imprensa e gerente de plataformas digitais do Boi Bumbá Caprichoso.

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