‘Elo’: o divisor de águas na carreira de Jorge Vercillo

A carreira de Jorge Vercillo pode ser perfeitamente dividida em antes e depois do lançamento do cd “Elo”, em 2002 (pela gravadora EMI Music). Antes, a visibilidade para seu trabalho era adquirida de forma pontual. Ele já tinha obtido algum destaque quando “Encontro das águas” foi incluída na trilha sonora da novela “Mulheres de areia”, em 1993 na “Rede Globo”. Mais adiante, o público que ainda confundia a sua voz com a de Djavan (os dois têm timbre parecido) passou a reparar mais no novato quando ambos cantaram juntos em “Final feliz”, sucesso bastante tocado nas rádios de música adulta contemporânea em 2000. Naquele ano, o cantor lançou o cd “Leve”. Na época, usava “Vercilo” sem seu sobrenome artístico, sem os dois eles do batismo original.

O marco divisório para a notoriedade completa veio quando a dançante “Que nem maré” alçou Jorge Vercillo à condição de “hit maker” da MPB (situação semelhante vivida por Guilherme Arantes na década de 1980), com investimento bem-sucedido no pop romântico com refrões agita-galera. Exatamente o caso da música citada, com uma descrição bem peculiar de paixão à distância: “A saudade bateu, foi que nem maré / Quando vem de repente de tarde, invade, transborda esse bem-me-quer / A saudade é que nem maré…”. Depois de “Elo”, a improvisação vocal do compositor na introdução de “Que nem maré” virou a primeira lembrança que surge na cabeça de alguém quando seu nome é citado.

A julgar pela curta descrição da palavra “elo” que faz no encarte do cd, Vercilo teve a intenção de evidenciar a força de sua ligação com cada uma das músicas gravadas: “Círculo sem começo e sem fim em que os universos crescem e declinam, crescem e morrem”.

No meio de tanto suingue e influências latinas, calhou do compositor emplacar um tema de amor com letra e música altamente densas, algo incomum no atual gosto do ouvinte médio, mais afeitos aos arranjos que tenham algum balanço. A canção “Fênix”, parceria com Flávio Venturini, foi incluída na trilha sonora da minissérie “A casa das sete mulheres” (“Rede Globo”) e conquistou espaço nas programações de rádio, graças à letra com alto grau de romantismo e com respaldo do belo arranjo de Paulo Calasans: “O amor / Quando o frio vem nos aquecer o coração / Quando a noite faz nascer a luz da escuridão / E a dor revela a mais esplêndida emoção”. E voltando aos temas balançantes, “Homem-aranha” também mereceu ampla divulgação na mídia, quando inseriu o ídolo das histórias em quadrinhos no cotidiano dos cidadãos comuns.: “Hoje o herói aguenta o peso das contas do mês / No telhado, ajeitando a antena da tevê / Acordado a noite inteira para ninar bebê”. E Jorge Vercillo prosseguia nos refrões agita-galera que não alçaram tanta divulgação em “Do jeito que for”, parceria com Marcelo Miranda: “Flor, minha vida tá despetalada sem teu amor…”; em “Suspense” (parceria com Zeppa): “Pensando em besteira / Meu queira não queira / Te quero demais e mais e mais…”; e ainda em “Quase”: “Se você não vem / Nada chega ao fim / Se eu te quero bem / Nasce e morre em mim”.

O sucesso com “Fênix” não se repetiu com “Amanheceu”, defendida pelo próprio Vercillo no lamentavelmente fracassadíssimo Festival da Música Brasileira, promovido pela “Rede Globo”. Com aparência de ter sido feita às pressas, o tema de conteúdo fraco e apelativa à repetição exaustiva do título não passou da eliminatória: “Amanheceu / Como num segundo / Amanheceu / Apesar de tudo / Amanheceu / Um raio no escuro / Amanheceu / Simples e absurdo”. Continuando no assunto televisão, ele inseriu sua contribuição para a segunda versão do “Sítio do pica-pau amarelo” (também exibida durante a década de 2000 pela “Rede Globo”), com “O Reino das Águas Claras”. Tristemente, os ouvidos infantis da geração atual não reparam tanto na MPB feita para crianças (salvo exceções, como Adriana Partimpim) quanto nos badalados anos 1980.

O encarte de “Elo” trazia a foto do filho então recém-nascido do compositor, Vinícius, para ilustrar a homenagem paterna feita em “Suave”, cujo lirismo ousado da letra poderia soar estranha para ouvintes desavisados e até preconceituosos: “Você está dentro de mim / Nesse momento eu me sinto engravidar”. Outro detalhe é que Jorge Vercilo apresenta habilidade chico-buarqueana de produzir temas femininos: foi o que aconteceu em “Raiou”, uma descrição de encontros e desencontros da paixão onde o cantor não titubeia em elevar a voz para tons mais agudos quando interpreta a parte que seria da mulher na música: “Quando ele vem, ele desarma um coração / Eu fico zen, perco o chão / Raiou, raiou / Mas voltar atrás não vou / Não vou, não vou / Decidida estou”.

Para encerrar, a parceria com Jota Maranhão resultou em “Celacanto”, cujo trecho final é uma das belas e criativas poesias já feitas na música brasileira romântica, uma joia: “Precioso e tão rara de se achar / Esse amor é um acalanto / Celacanto solitário no mar / Animal que vem do fundo do oceano / E só de vez em quando / Se deixa avistar”.

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