Álbum ‘Caravanas’, de Chico Buarque, é tão bom que já nasceu ‘clássico’

Chico Buarque Caravanas. Foto: Divulgação

Chico Buarque Caravanas. Foto: Divulgação

Quando universitário, do alto da minha arrogância típica da idade, eu discuti com minha professora que insistia em dizer que Chico Buarque era um compositor de obras de estilo lírico. Eu não concordava. Registre-se que este meu arroubo juvenil se deu antes dos livros e peças escritas por ele.

Não aceitava de jeito nenhum que houvesse lirismo nas suas poesias. Para mim, o guerreiro contra a ditadura era a melhor expressão libertária, revolucionária, subversiva e não um romântico. Ser romântico seria perder tempo de luta, pensava. Meu Deus, como eu estava errado!

Nunca esqueci uma das frases de Jorge Amado – um dos nomes mais cintilantes da literatura baiana e brasileira – sobre como o ego do artista se expressa na juventude: “Quando a gente tem 18 anos se acha o melhor escritor do mundo”. Nesta idade, pensava entender a obra de Chico Buarque. Ledo engano. Ele está sempre alguns furos acima do seu tempo.

Neste sábado, olhei-me no espelho e vi o quanto meus cabelos estão grisalhos. Os do Chico, também. Mas ele tem 73 anos, ainda arranca suspiros e ao lançar esta semana seu álbum “Caravanas” se mostra um artista único. Original. Eternamente será lembrado como uma das joias da nossa música. Não sei o quanto ele é um artista compreendido pelos jovens de hoje.

As letras do seu último trabalho são espetaculares. Lá você encontra o Chico lírico, como dizia minha professora. É romântico, como eu não queria que fosse. E hoje agradeço que ele e sua obra sejam.

“Dueto”, em que Chico e a neta Clara Buarque dividem a gravação, me remeteu a “Águas de Março”, nas vozes de Tom Jobim e Elis Regina, é uma canção deliciosa. Atual, mesmo não sendo inédita. A regravação ficou um charme. Uma criação para ser sentida por todos, mas talvez compreendida por quem tenha fios brancos na cabeça.

E “Caravanas”, que dá título ao álbum, é o retrato perfeito dos pobres e suburbanos preteridos pela sociedade mais bem aquinhoada quando resolvem dividir o palmo de terra da zona sul dos ricos.

É um presente de Natal antecipado ganharmos em agosto um disco desta estirpe (expressão antiga, né?). Álbum alfa. Não crie o seu juízo na primeira audição. Ouça mais vezes. A segunda será melhor que a primeira; a terceira, melhor do que a segunda; a quarta, melhor que a terceira…

“Caravanas” nasceu clássico. Pouco importa se o Chico desafina e não é o melhor intérprete de suas próprias criações, o que importa é que ele pariu uma obra clássica.

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