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O que acontece com os ianomâmis é problema nosso também, por Sidney Rezende

Ianomâmi. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

Ianomâmi. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

A chacina policial na penitenciária Carandiru, em 1992, resultou em 111 mortes. Um ano depois, no Rio de Janeiro, 91 pessoas morreram em Vigário Geral após o ataque de 36 homens encapuzados e armados, que arrombaram casas e executaram os moradores. Sobre ambos os crimes, ainda se encontram brasileiros que veem inocência dos atiradores. Quais as razões para não se ter empatia com vítimas da violência, que desconsidera os ritos da lei?

O universo dos presos e dos pobres favelados é distante das preocupações da classe média. E da própria mídia constituída. Por isso, os crimes se repetem e a impunidade não aflige o sono de quem está no andar de cima. Quando morrem 30 pessoas na Baixada Fluminense ou na periferia de São Paulo, o impacto é menor do que a morte de uma pessoa em situação brutal nos Jardins ou no Leblon.

Os socialmente desprotegidos se assemelham aos náufragos que querem subir no navio, só que não há escadas de acesso para eles.

Apenas para ilustrar o argumento, incluímos neste grupo os povos indígenas. Eles estão tão distantes das capitais mais poderosas do Brasil que o que lá acontece não nos cala fundo nas nossas cidades abastecidas e protegidas por aparelhos de segurança do Estado. A distância física talvez explique nossa frieza com a desnutrição de povos do norte do país.

Espera-se que a Justiça faça sua parte e identifique aquelas autoridades que por negligência ou, quem sabe, por consciência, permitiram o estágio de degradação humana dos ianomâmis.

A situação atual dos ianomâmis é uma humilhação humana planetária. Como deixamos que habitantes da floresta tropical do Norte da Amazônia, distribuídos entre Brasil e Venezuela, chegassem a este nível de sofrimento? Pouco menos de 800 deles vivem em casas de apoio e em estado grave de desnutrição. Os desnutridos de hoje não devem nada aos de Biafra que chocou o mundo nas décadas de 60 e 70.

O povo ianomâmi dispersou-se depois que garimpeiros mataram homens e crianças, estupraram mulheres, invadiram terras e contaminaram com mercúrio rios que serviam de bacias de alimentação para os indígenas. Sem acesso aos peixes, a fome se agrava diariamente. Os chamados “homens brancos”, garimpeiros e desmatadores, retiram riquezas minerais e ocupam com suas máquinas grandes extensões de terras. Tudo isso piorou com o beneplácito do Governo Jair Bolsonaro.

Crianças ianomâmis desnutridas. Foto: Divulgação/Urihi Associação Yanomami
Crianças ianomâmis desnutridas. Foto: Divulgação/Urihi Associação Yanomami

A situação chegou a um nível que a 1ª suplente a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL) entrou com uma representação no Ministério Público Federal contra o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional, o general Augusto Heleno, acusando-o junto à Procuradoria-Geral da República (PGR), de ter autorizado a exploração de área vizinha à Terra Indígena Yanomami , em Roraima. E, com isso, abrindo espaço para ações criminosas e genocidas na região.

O general, aproveitando-se do apagar das luzes, segundo a deputada, deu uma autorização, em 14 de dezembro do ano passado, para empreendimentos como mineração na faixa de fronteira. Segundo os documentos que embasaram a liberação, a área fica em Iracema (RR), a 7,8 km do território indígena. À colunista Mônica Bergamo, da Folha de São Paulo, o general foi econômico nas palavras: “É um absurdo tão grande que não merece comentário”.

Espera-se que a Justiça faça sua parte e identifique aquelas autoridades que por negligência ou, quem sabe, por consciência, permitiram o estágio de degradação humana dos ianomâmis e também alcance os garimpeiros que agiram como bandidos e que eles paguem por isso. Aos brasileiros, o alerta de que não é porque barbaridades acontecem longe da nossa casa que elas não precisam ser alcançadas pela Lei.

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