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Lula e militares não podem viver às turras, por Sidney Rezende

José Múcio e Lula. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

José Múcio e Lula. Foto: Ricardo Stuckert/Divulgação

É mais que oportuna a reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o ministro da Defesa, José Múcio, e os comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Ainda que o tema possa ser modernização das Forças Armadas e não as consequências dos atos golpistas do dia 8 de janeiro. Mais do que para as partes envolvidas, o encontro é saudável para o país.

Há um curto-circuito e já tem gente tentando se beneficiar de algum fio que possa estar desencapado.

Entrevistado do programa de TV gaúcho Pampa Debates, o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) durante o governo Michel Temer, general Sérgio Etchegoyen, errou na mão ao dizer que foi um ato de “profunda covardia” do presidente Lula dizer que perdeu a confiança em parte das Forças Armadas.

Há um problema insuflado por Bolsonaro e que precisa ser enfrentado dentro de uma instituição de Estado e não de Governo.

A declaração de Etchegoyen pode até ser bem recebida por militares simpáticos a Bolsonaro, e chegados a extremismos, mas não ajuda na necessidade urgente de despolitização na caserna. E muito menos no sentido de desarmar espíritos. O general quis lacrar, e não conseguiu.

Há um problema insuflado por Bolsonaro e que precisa ser enfrentado dentro de uma instituição de Estado e não de Governo. O ex-presidente cansou de dizer “meu, Exército”, e ficou por isso mesmo. Quando se cunhou a expressão “o exército do Stédile” (Referência ao ativista João Pedro Stédile, do MST) foi um bafafá, lembram?

Ainda se preparando para ser o ministro da Defesa do atual Governo, José Múcio disse em 9 de dezembro do ano passado acreditar que as Forças Armadas têm “suas preferências” entre o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o derrotado nas urnas Jair Bolsonaro (PL). Para Múcio existem “6 Forças Armadas” no Brasil. “Se você me disser que temos 3 Forças, sou capaz de dizer que temos 6 Forças: O Exército, a Marinha e a Aeronáutica que gostam de Bolsonaro, e o Exército, a Marinha e a Aeronáutica que gostam de Lula”.

Na entrevista de Etchegoyen, o general explicou seu ponto de vista assim: “Lula sabe que os generais não vão convocar a imprensa para responder à ofensa. Ele sabe que ninguém vai contestar o que ele está dizendo. Ou seja, é a velha técnica de procurar culpados”. E segue: “Passado o triste episódio do dia 8 de janeiro, o presidente Lula, comandante supremo das Forças Armadas, dá uma declaração à imprensa de que não confia nas Forças Armadas”, lembrou o general Etchegoyen. “Como é que se pacifica o país a partir daí? Como é que se pacificam as Forças Armadas, que são uma instituição de Estado com a qual os governos do PT conviveram por 16 anos?”.

Sabemos que não é aconselhável colocar o dedo na tomada, porque um dia tomamos choque. O histórico dos militares durante o Governo Bolsonaro não é exatamente exemplar.

A reunião de Lula com os comandantes das Forças Armadas é uma oportunidade de se redesenhar uma relação transparente e clara como se exige numa democracia

Vários comandantes explicitaram suas preferências pendendo para a direita conservadora. E muitos deles nunca esconderam isso. Em abril de 2022, a imprensa deu larga divulgação ao entusiasmo de autoridades do primeiro escalão a favor da reeleição do então chefe de Governo. O comandante da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Baptista Jr., não fez rodeios em apoio a Bolsonaro (PL) e a deputados da base aliada do presidente em publicações curtidas no Twitter. Os militares sabem que esta atitude contrasta com o que determina o regulamento disciplinar das Forças Armadas que veta manifestação sobre assuntos de natureza político-partidária por militares da ativa, inclusive podem ser consideradas uma transgressão. Baptista chegou a “curtir” a postagem que dizia “Top demais. Bolsonaro 2022”.

Após a vitória de Lula nas urnas, também noticiou-se o constrangimento de comandantes em ter que bater “continência” para o novo chefe. Por eles, se faziam cerimônias internas antes da posse do ex-metalúrgico para não experimentarem o “dissabor” de “referendar” o presidente eleito.

Em 2021, outro episódio hoje esquecido demonstra submissão perigosa dos militares. O Exército impôs sigilo de 100 anos ao processo administrativo aberto, e já arquivado, sobre a participação do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, em ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro. Houve uma passada de pano. Resultado, Pazuello foi eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro.

A reunião de Lula com os comandantes das Forças Armadas é uma oportunidade de se redesenhar uma relação transparente e clara como se exige numa democracia, e não estopim para se querer voltar ao passado do que um dia se conheceu como ditadura militar.

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