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Acusação contra Daniel Alves serve de alerta para nós, por Sidney Rezende

Daniel Alves. Foto: Reprodução/Instagram @danialves

Daniel Alves. Foto: Reprodução/Instagram @danialves

Não existe empresário brasileiro que não reclame das dificuldades de empreender num país reconhecido pelo peso da carga tributária, incontáveis taxas extras, custo alto para a manutenção dos contratos trabalhistas e sobressaltos inimagináveis. Mas isto não pode ser impedimento para se fazer a coisa certa.

Eu conto nas minhas palestras que há alguns anos uma farmácia da periferia do Rio recebeu a visita de agentes da fiscalização da Secretaria de Fazenda do Governo estadual.

O proprietário, o senhorzinho responsável pela gestão do lugar, administrava o seu negócio com um rigor inigualável. Ele cumpria todas as leis, seguia todas as normas vigentes, não atrasava os pagamentos, justamente com o propósito de não ter problemas no futuro.

Pensando na melhor maneira de não ficar na mão do Estado é que grupos sociais criam, sem ferir as leis, formas de antecipação de problemas.

No fatídico dia do monitoramento dos boletos, ele estava tranquilo que nada correria de errado no seu estabelecimento. E, de fato, após analisar os documentos da empresa, o fiscal virou-se para o gerente:
– Olha, eu não achei nada de errado, disse o homem da lei.
– Ufa, graças a Deus!, sorriu o farmacêutico.
O homem do Estado não parou por aí e saiu-se com uma pérola:
– E eu, como eu fico?
– Como assim?, arregalou os olhos o dono da farmácia.
– Sim, eu não achei nada, mas se eu ficar aqui 5 anos mexendo nos seus papéis eu vou encontrar algo de errado.

Resultado, o dono da farmácia teve que pagar a propina exigida pelo fiscal. Moral da história, o inferno pode ficar ainda pior do que já é.

Pano rápido.

O que fazer?

Pensando na melhor maneira de não ficar na mão do Estado é que grupos sociais criam, sem ferir as leis, formas de antecipação de problemas. É a prevenção no enfrentamento de intercorrências indesejáveis.

Foi assim que nasceu o Conar, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, organização da sociedade civil não-governamental que tornou-se referência na condução de situações polêmicas que esbarram em situações éticas mais delicadas.

A organização criada no final dos anos 70 se antecipou a um eterno desejo da ditadura de estabelecer uma legislação que criaria mecanismos de controle e censura prévia às propagandas, assim como ocorria em outros setores culturais.

O que fizeram as agências de propaganda?

Elas articularam a criação do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. E escaparam das garras do Estado e suas múltiplas faces corruptas. Deram um tranco na fiscalização criminosa como a que achacou o velhinho da farmácia.

O Conar recebe denúncias de seus associados, consumidores e autoridades e analisa, determina mudanças na peça publicitária se a acusação for pertinente e delibera sobre acusações de violação ou desobediência contra o Código previamente assinado por todos os envolvidos na produção das peças publicitárias.

Existem casos em que o Conar solicita até a suspensão de anúncios com liminares que avisam aos veículos de comunicação que devem retirar a peça de circulação. Tudo muito rápido e sem compadrio.

É uma forma adulta de resolver problemas reais que ocorrem em qualquer segmento empresarial.

Caso Daniel Alves

No jornalismo, uma introdução longa como a que o leitor encontrou acima chama-se “nariz de cera”. O autor aqui percorreu este caminho para dizer que os setores de bares, restaurantes, boates, alimentação e entretenimento precisam espelhar-se no Conar e no modelo que funciona na Espanha. Lá, a denúncia da vítima é tratada com respeito. E foi com base nele que o jogador Daniel Alves está sendo alvo de investigação policial e judicial daquele país.

Um cliente endinheirado não pode estar acima das normas de boa conduta entre todos e muito menos acima da lei.

Um cliente endinheirado, por exemplo, que reserva mesas, espaço vip, camarote ou área demarcada para si e seus convidados não pode estar acima das normas de boa conduta entre todos e muito menos acima da lei. Ter poder, fama ou dinheiro não dá direito a ninguém estuprar, abusar, assediar ou impor cárcere privado e nem terror a outra pessoa.

É comum uma celebridade ir a um local, olhar o ambiente e pedir ao seu assessor, ao garçom ou a alguém próximo, que vá até uma pessoa que ele tenha interesse em conhecê-la e convidá-la para integrar o grupo com “tudo pago”.

Quando é jogador de futebol existe até a expressão “maria chuteira”, muitas delas ambicionam ser alpinistas sociais, ter fama e ascensão e “a ajuda de padrinho”.

Ninguém nega que muitas chegam no ambiente em grupo e chamam a atenção com seus decotes, saias justas, calças apertadas, perfumes e acessórios de grife. E daí?

Outras estão ali para se divertirem e ponto final. Isto dá margem para abusos?

Para este ou aquele tipo de pessoa, diante deste ou daquele comportamento – se mais expansivo ou reservado -, não cabe tratamento violento, agressivo, desrespeitoso ou ilegal.

Os que acusam Daniel Alves listam vários desvios de conduta do jogador e é justamente isso que seus advogados terão que desmontar na peça de defesa que será dada entrada na Justiça.

A diferença do que aconteceu na Espanha e o gancho que o jogador da seleção verde e amarela pegou até o momento é que existe um protocolo de rápida identificação quando existe alguma suspeita de assédio ou outro tipo de crime.

Os setores empresariais brasileiros que lidam com este segmento de público podem se antecipar antes das Assembleias Legislativas e o Congresso Nacional e já fixarem protocolos. A não ser que os empresários prefiram fechar com os assediadores ricos e não com os consumidores suscetíveis a abusos. Passou da hora.

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