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Notícias atualizadas sobre o Carnaval do Rio de Janeiro.

Série enredos, parte 4: O que esperar das festas de Vila e Mangueira?

Arte: SRzd

Arte: SRzd

O SRzd segue com a série Enredos. Desenvolvidos pelo carnavalesco Jaime Cezário, os textos analisam os temas das 12 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro em 2023. No primeiro episódio, Cezario avaliou as apostas de Portela e Beija-Flor de Nilópolis (clique aqui para ler).

Na segunda parte, o artista avaliou os projetos da Imperatriz Leopoldinense e da atual campeã do Carnaval carioca, a Acadêmicos do Grande Rio (clique aqui para ler). Unidos do Viradouro e Acadêmicos do Salgueiro, foram abordadas na última publicação (clique aqui para ler).

Saudações ao povo do samba e do Carnaval! Vamos continuar nosso passeio no universo dos enredos das escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Vamos falar de duas escolas vizinhas e que esse ano querem celebrar na Sapucaí.

A primeira vai render homenagem ao Carnaval de rua baiano, onde a “Bahia é mais Bahia e ser preto é sinônimo de alegria”. Essa é a ideia do enredo da Estação Primeira de Mangueira. A segunda fará uma viagem pelo mundo, capitaneado pelo deus greco-romano Baco, visitando as principais festas religiosas que se eternizaram no imaginário popular, esse será a proposta da Unidos de Vila Isabel. Duas escolas que têm em seus DNAs, o brilho de uma galeria de poetas compositores extraordinários, como por exemplo, Noel Rosa e Martinho da Vila de um lado, e Cartola e Carlos Cachaça do outro.

E isso significa tradição de grandes sambas-enredos. Só um esclarecimento quanto ao Poeta Noel Rosa, grande compositor que morreu dez anos antes da escola de samba ser fundada, quando cito aqui, é por ser um artista de referência do bairro e da agremiação.

Esta energia festiva dos enredos escolhidos para o Carnaval 2023, chega ser uma surpresa no atual momento questionador do samba, que tem exaltado em grande parte das histórias trazidas, fatos e acontecimentos com grandes cargas de sofrimento em suas narrativas.

Segundo alguns “pensadores do samba”, estamos no momento de se falar tudo que a história oficial escondeu embaixo do tapete. Chega de exaltar o colonizador branco opressor e suas sociedades machistas, repressoras e escravocratas, o momento agora, é de falar da história do povo preto, dos povos indígenas e de heróis renegados que sofreram com a opressão, falta de liberdade pela escravidão e com os preconceitos e proibições causados pela cor da pele de uma sociedade branca dominadora.

Neste sentido, a sinopse da verde rosa não deixa de citar palavras como sofrimento, opressão, marginalidade e proibição, mas exalta que ser preto na Bahia é sinônimo de alegria. Já a Vila Isabel celebra a diversidade, sendo assim, põe como anfitrião do enredo e fio condutor o deus greco-romano: Baco. Toca num ponto dos mais interessantes, pois não tem um olhar formatado pela cultura cristã romana em sua narrativa, tem uma visão mais abrangente e, por isso, o uso da palavra diversidade.

Vamos começar com aquela escola que não quer abafar ninguém, só quer mostrar que faz samba também; a Vila Isabel. Para o Carnaval 2023 a Vila trouxe para o comando artístico o carnavalesco Paulo Barros. O interessante dessa contratação é a série de críticas à diretoria pela escolha do artista.

Citam o insucesso do Carnaval de 2018, que falava de futuro na escola. Bom, é verdade que não foi feliz com a escolha do tema, pois não era compatível com a personalidade da agremiação e a química no desfile foi realmente pífia, mas aos críticos, é necessário lembrar que falam de um carnavalesco três vezes campeão no Grupo Especial e que na sua última passagem na Viradouro foi vice-campeão com muita gente criticando o resultado, pois achavam que a escola deveria ter sido a grande vencedora.

Aos torcedores da Vila, muita calma nessa hora, pois mais maduro e com visão aguçada, escolheu um enredo que tem o seu estilo e que também conversa com a personalidade da escola, tendo apoio da diretoria no sentido de investimento, pois suas criações dependem de muita tecnologia para o movimento, e isso é caro. Pode dar aquilo que a música de Noel, “Feitiço da Vila”, diz em sua letra: São Paulo dá café, Minas dá leite e a Vila Isabel dá samba, ou melhor, dá festa!

O enredo escolhido tem o título Nessa festa, eu levo fé! A sinopse é clara e bem direta, você consegue ler e entender o que vai ser mostrado nas fantasias e alegorias e, ainda para facilitar, foi setorizada. Aparecem cinco setores nominados, mas têm o início que fala do deus grego Dionísio que em Roma se transforma em Baco e deve ser o primeiro momento da escola, que poderá ser assunto da comissão de frente ou mais um setor dedicado às festas dos deuses da cultura greco-romana. Cita que todas as festas têm como motivo o culto ou a celebração de um deus, sendo assim, são todas religiosas. O importante é celebrar a fé com diversidade, respeitando todas as crenças e credos, pois o caminho é único, a felicidade.

O primeiro momento do enredo deve começar quente pois, na mitologia greco-romana, Baco é o deus do vinho, e também da agricultura, da fertilidade e da folia. Em sua honra realizavam-se grandes festivais, os famosos bacanais, regados a muito vinho e sexo. A festa vai ser boa. Cita que esse Carnaval fará a Vila Isabel renascer das cinzas, inaugurando uma nova fase com este desfile, que quer exorcizar as tristezas passadas, esquentar os corações e semear muita felicidade.

O segundo momento vai mostrar as festividades que direcionam a devoção de seus fiéis a divindades e santos protetores em diferentes lugares do mundo. Vai começar pela antiguidade e, é claro, que vamos ter os egípcios na passarela com sua cultura, celebrando a deusa Bastet, representada por uma mulher cabeça de gato. Essa deusa seria a versão feminina do deus greco-romano Baco. Afirma que a cultura egípcia foi responsável por nos deixar esse legado de querer celebrar o ano inteiro, com suas festas cultuando seu panteon de deuses, quase um para cada dia, e claro, regadas com muita cerveja. Conta a lenda que a cerveja pode ter sido criada lá pelas bandas do Nilo.

Dai a festa segue para a vizinha Mesopotâmia, na Babilônia encontramos as festas do seu deus maior de nome Marduk, aquele que via e ouvia tudo, o todo poderoso de lá. Outro deus citado é Aktitu, que era um deus mais amistoso, seu festival era comemorado no primeiro mês do ano novo babilônico para celebrar as boas colheitas da cevada, em outras palavras, muita cerveja. Num paralelo seria uma espécie de réveillon da antiguidade.

A caravana festiva Vila segue para Índia, vamos participar do colorido Holi Festival, originalmente chamado de Holika, e com início muitos séculos antes de Cristo. Uma celebração para a paz, inclusão e felicidade, este festival marca a chegada da primavera.

Aqui a viagem dá uma guinada bem radical, sai da Índia e vem à América do Sul, mas precisamente na Bolívia para celebrar a Festa do Sol com a civilização pré-colombiana chamada Tiwanaco. Bom, curioso falar dessa civilização, a qual se tem poucos registros, com sua Festa do Sol e não envolver os Incas que até hoje em Cuzco no Peru, celebram de forma magnifica essa festa que é a maior do país, uma espécie de Carnaval peruano.

Da América do Sul, voltamos de novo para Ásia, mais precisamente para a China para celebrar o Ano Novo Chinês, que em 2023 será dedicado ao Coelho, e ao que tudo indica, será um ano-bom para todos, pois é considerado um dos signos mais afortunados do horóscopo chinês. E vamos aproveitar para soltar nossas lanternas com a Vila no Festival de Lanterna chinês. O significado desse festival é que quando você solta a lanterna, segundo o Budismo, você deixa todos os males, azar e desgraças do ano anterior para trás. Que assim seja” Dessa forma será encerrado este setor no enredo.

O próximo momento do enredo trás o título “Tem padroeiro no mundo inteiro”, e vai mostrar festividades do Japão, Filipinas, Irlanda e Espanha. No primeiro momento este setor mostrará os Festivais “Matsuri” do Japão, que é uma celebração que acontece em todas as localidades do país celebrando divindades regionais.

A segunda festividade vem das Filipinas e tem o nome de Festival Sinulog ou Festival Santo Niño. É um festival religioso e cultural que celebra a conversão dos filipinos ao catolicismo romano, em outras palavras, é a festa em homenagem ao menino Jesus.

A terceira festividade vem da Irlanda do Norte e vai homenagear o dia de São Patrício, padroeiro dos irlandeses e dos cervejeiros. Essa festividade seria uma espécie de carnaval dos irlandeses. A população veste-se de verde, pintam trevos no rosto, preparam adereços extravagantes e assistem os desfiles organizados pelas ruas da capital Dublim.

Finaliza o setor com uma festividade na Espanha, na cidade de Valência, em homenagem a santa protetora, a Virgem dos Desamparados. Um festival de oferendas de flores, com desfile de trajes típicos, tudo muito colorido. Neste período acontece a apresentação da “Fallas” que são lindas estruturas alegóricas montadas em pontos da cidade que são criados com um tema e que tem eleição da melhor.

O próximo setor tem como título “Festa nossa de cada dia”, e será todo em cima da nossa cultura folclórica e suas festas organizadas em várias cidades do país, mostrando a diversidade das tradições e o sincretismo dos elementos cristãos, afro-brasileiros e indígenas. Começamos em Salvador com a Festa do Bonfim e a lavagem de sua famosa escadaria. Depois o destaque são as festas Juninas que acontecem em diversas cidades do país em homenagem a Santo Antônio, São Pedro e São João. Vai mostrar as Cavalhadas, esse folguedo que veio de Portugal que mostra a luta dos cristãos contra os mouros, onde a maior festa fica em Pirenópolis, cidade do estado de Goiás.

Outro destaque desse setor é a festa do Círio de Nazaré, em Belém do Pará. Finaliza em Parintins, no Amazonas, com o seu Festival folclórico que atrai atenção do mundo inteiro mostrando a força da cultura do “Bumba meu boi”.

O penúltimo setor do enredo é intitulado: “A morte é uma festa!”, e de forma inteligente para não ficar só em cima das festas internacionais mundialmente conhecidas, ele começa com a cerimônia do Kuarup, que é o ritual das nações indígenas do Alto Xingu em Mato Grosso, para celebrar a memória dos mortos e liberar suas almas para o mundo espiritual.

Parte para África Ocidental, planalto central de Mali, onde vive o povo conhecido como Dogon. O culto dos mortos nesta sociedade é um elemento essencial na cultura dogon: a morte se situa numa perspectiva de ressurreição, e no enredo será mostrada a cerimônia conhecida como Dança das Máscaras, que segundo a sinopse, diz ser “para que os falecidos descansem no mundo espiritual”.

Da África partimos para a Escócia, para mostrar o Festival do Fogo, que acontece nas Ilhas de Shetland, no qual, os antigos vikings, celebravam o renascimento do sol após o inverno. No enredo criaram uma licença poética, pelo navio viking queimado na festa, e a sinopse diz: “a apoteótica cena que encerra o festival remonta às antigas celebrações funerárias dos guerreiros vikings”.

Depois seguimos para América do Norte com o mágico dia dos mortos, comemorado no México, uma incrível celebração onde os mexicanos cultuam a alma dos entes que partiram com festa, fantasias, música e muita comida. Depois sobe para os USA e em Nova Orleans vai mostrar os cortejos do Jazz Funeral, que é uma tradição religiosa importante da cultura afro-americana local.

Termina o setor com a tradicional festa do Dia das Bruxas, conhecida como Halloween, que nos USA é muito popular e que Hollywood ajudou a divulgar pelo mundo inteiro com suas produções cinematográficas.

O último setor é dedicado a festa do carnaval pelo mundo, e tem como título: “Carnaval: Nessa festa eu levo fé!”. Uma festa das mais preferidas e conhecidas do amigo leitor, e que o enredo vai explorar mostrando o Carnaval de Veneza, O Carnaval das Ilhas Canárias, O Carnaval de Nova Orleans e claro, finaliza com o maior espetáculo popular do planeta que são os desfiles das escolas de samba em plena Marques de Sapucaí, com o Rei Momo afirmando: Evoé! Nessa festa, eu levo fé!” O verdadeiro triunfo do prazer.

Amigos, já li inúmeras críticas e ouvi comentários que considero maldosos ao enredo. O estilo Paulo Barros com seus enredos onde elege um tema, e faz uma colagem de assuntos referentes a ele, desenvolvendo a história que vai ser mostrada, já deu três títulos para o curriculum e três vice-campeonatos do Especial. Vocês querem mais alguma coisa?

Este enredo da Vila Isabel para o Carnaval de 2023, segue essa mesma receita. Sei que vão dizer que tem algumas escolhas de enredos feita por ele que são duvidosas, mas também digo a vocês, que essas foram bem penalizadas nos resultados.

Falar de festa em um período tão sombrio como esse que estamos vivendo é tudo que o mundo do Carnaval anda querendo e precisando. Sei que o universo acadêmico está torcendo o nariz, os famosos “intelectuais de plantão” que o mestre João Trinta já homenageou em sua celebre frase, estão tendo ataques de pelanca. Querem que sigam o modelo da moda, que são enredos com temática carregada em assuntos que questionam nossa história oficial, e isso este enredo não tem.

Em minha opinião, digo a vocês, se o presidente da escola não tiver nenhum escorpião adormecido no bolso e deixar ele fazer sua Hollywood Tupiniquim na passarela, com a Vila Isabel na segunda-feira, desfilando na terceira posição, contrariando a tudo e a todos, a quarta-feira pode ser dia de Festa no Boulevard 28 de setembro… Segura a Vila!

Vamos agora deixa o Boulevard e subir esse “morro encantado” onde foi plantada a árvore mais preciosa do universo do samba e do Carnaval do Brasil, a Estação Primeira de Mangueira.

Falar de verde e rosa é falar de emoção, onde o samba é mais samba, onde um palácio foi construído para abrigar a história viva do nosso Carnaval. Já dizia o poeta: “Não há, nem pode haver/Como Mangueira não há/O samba vem de lá/A alegria também/Morena faceira, só Mangueira tem”.

Poderia escrever páginas exaltando esse patrimônio da nossa cultura popular, mas o real motivo desse texto é viajar no universo do enredo para o Carnaval de 2023 que tem como título: “As Áfricas que a Bahia canta”.

Este enredo terá no comando artístico uma dupla de carnavalescos novos que assumem pela primeira vez uma escola do Especial, são eles Guilherme Estevão e Annik Salmon.

A sinopse, como já havia comentado em outra coluna, é bem redigida, transitando pela clareza e a poesia, foi construída de forma narrativa com um texto único, onde os assuntos que serão transformados em fantasias e alegorias nos setores, ficam por conta dos parágrafos, e assim, vamos viajar para trazer um pouco mais de clareza em algo que já está bem resolvido em sua construção.

O primeiro momento da sinopse fala dos povos africanos que vieram para o Brasil, mas precisamente para Salvador, na Bahia, como escravos, são eles: os Bantus, os Haussás, os Gegês e os Iorubás. E cita a luta contra esse terrível sofrimento da perda da liberdade. Mas esses guerreiros trazem na alma a memória dos seus ancestrais para essa terra, que vai germinar pelo poder de suas lágrimas, a cultura afro-brasileira. A música, o ritmo e os cortejos, se tornam uma bandeira de resistência e de luta por liberdade e respeito, onde vão conquistar às ruas da capital baiana, numa construção do dia a dia incansável, tornando esse, um solo sagrado, onde a Bahia é mais Bahia.

Esse início mostrará a ramificação das raízes dos povos africanos trazidos para cá como escravos com suas ancestralidades e a transformação da dor em cultura, quando afirma na sinopse: “onde o povo preto se torna sinônimo de alegria”.

Aproveitavam as festas religiosas, onde os rigores dessa sociedade escravocrata eram afrouxados, permitindo o povo preto de acessar o espaço urbano branco em suas manifestações festivas, assim, nas ruas se ouvia o cantar entoado pelos filhos da África, lembrando histórias de sagas vividas por seus ancestrais. Esta será a célula inicial do Carnaval baiano de rua.

Dessa forma foram nascendo as diversas manifestações folclóricas. Na sinopse aparece uma delas de nome “cucumbis”, que é uma espécie de folguedo que, através de canto e dança, apresentava diversos rituais de celebração do Reino do Congo. Trata-se de uma apresentação de corte, um ritual festivo que também comporta elementos dramáticos e tem na figura da Rainha um papel de destaque.

O próximo setor fala do surgimento dos “clubes uniformizados negros” no carnaval de Salvador. Esses clubes não são considerados uma ameaça ao espaço urbano branco, pois se apresenta em forma de procissão, conseguindo a permissão das autoridades para desfilar pelas ruas da cidade. Nas suas apresentações desfilam com alegorias exuberantes e volumosas, os mais conhecidos eram a Embaixada Africana, os Pândegos de África, Nagôs em Folia, Filhos da África e os Diabos Africanos. Pelo seu estilo de dança, indumentárias e sonoridade ficaram conhecidos também, como “candomblé de rua”. Traziam enredos onde eram focados na exuberância da Mãe África.

Outro setor mostrará o surgimento dos “Batuques ou Afoxés”. Veremos nascimento do Afoxé Filhos de Gandhy, inspirado nos princípios de não violência e paz do líder indiano Mahatma Ghandi. O bloco traz a tradição da religião de matriz africana ritmada pelo agogô nos seus cânticos de ijexá na língua iorubá. Utilizaram lençóis e toalhas brancas como fantasia, para simbolizar as vestes indianas. Veremos também neste setor, referências a outros grandes afoxés do Carnaval baiano. Os afoxés representam o momento em que a tradição dos Orixás saem dos terreiros para às ruas, encantando a cidade e com as bênçãos das matriarcas da religião.

Diz a sinopse: “Do terreiro do Engenho Velho, o céu dos orixás intervia ao unir a arte, a religiosidade e a fantasia, levando os livres toques de ijexá pelas ladeiras e avenidas. Preparava-se o padê para que Exu mensageiro fosse ligeiro abrir os caminhos para passar o Afoxé.”

O setor final faz uma festa em plena Sapucaí, homenageando os blocos afros do Olodum, Banda Didá; Ilê Aiyê, e Muzenza, Araketu e tantos outros. A sinopse afirma que os blocos afros reconstruíram a identidade do povo baiano, que passa a ter ainda mais orgulho de sair na folia a cantar, de fazer a terra tremer no toque do agogô, nas quebradas com a pele pintada, nas estampas de faraós, na pipoca do trio, nos tambores do Pelô, na mistura da Timbalada, dos sambas de roda, reggae e tantos sons que dão o tom à baianidade, fazendo o negro respirar felicidade.

O estilo musical “Axé” criado para embalar os cortejos dos Trios Elétricos baianos, foi lembrado na sinopse ou não se incluiu neste levantamento como parte da criação das muitas Áfricas que a Bahia canta?

Fiquei na dúvida se a palavra “axé” que aparece na sinopse no último parágrafo é utilizada em forma de saudação e fé ou num duplo sentido, abrangendo também o “axé music”. Diz a sinopse: “O amor do povo que se lava com a força do axé, na fé do Bonfim, nos cantos do candomblé. Axé que canta e amarra em seus fios de conta a importância de ser chão africano. Axé da negrada que passa o astral da avenida todo ano. Axé que mostra que a cor dessa cidade é a mesma de Mangueira, com a força do vento, expressão da liberdade, fazendo o negro respirar felicidade”.

Pode ser que as mentes criadoras do enredo não tenham considerado esse estilo musical um filho legítimo dessa África homenageada, por sua origem ser bastarda, ou seja, uma grande mistura do ijexá, samba reggae, frevo, reggae, merengue, forró, samba duro, ritmos do candomblé, pop rock, bem como outros ritmos afro-brasileiros e afro latinos. Será que esse pecado discriminatório foi cometido? Essa dúvida não saberei responder a vocês.

O enredo da Estação Primeira é pura energia e alegria, trazendo a história da construção do Carnaval de rua baiano, como se pode observar naqueles que tiveram a curiosidade de ler a sinopse, ou mesmo, essa coluna. Foi muito comentado em algumas matérias jornalísticas antes da liberação da sinopse oficial, que o enredo tem como objetivo destacar o protagonismo feminino nesse processo de construção da identidade do carnaval popular baiano.

Sinceramente, não consigo perceber esse protagonismo traduzido na sinopse oficial publicada pela escola. No texto encontrei duas frases que citam a presença feminina, mas não posso dizer que elas traduzem esse protagonismo, pois uma delas faz referência a Banda Didá: “São as mais belas das belas deusas do ébano girando e reinando pela avenida, ao toque da batida que vira sinônimo da própria vida” ou a frase “Nas vozes das pérolas negras que conduzem os cortejos sem submissão de raça”.

Tenho absoluta consciência que as vozes femininas baianas são gigantescas, basta citar os nomes de Margareth Menezes, Daniela Mercury e Ivete Sangalo, dentre outras, ou mesmo pela Banda Didá que é exclusivamente feminina. O comentário é que esse protagonismo não aparece claro no texto apresentado, uma observação que não desmerece o enredo, de maneira alguma. Trata-se de algo para refletir e tornar esse detalhe mais sensível quando forem fazer a defesa do mesmo para o livro abre-alas, afinal, isso também pode ser sentido pelos julgadores se, por acaso, essa for realmente a proposta.

A Mangueira fechará o domingo de Carnaval, e não tenham dúvidas que a poeira vai subir com essa mistura bombástica entre a Bateria Surdo 1 e os tambores do carnaval baiano, um verdadeiro rolo compressor de alegria. Veremos o “Axé da negrada” energizando o astral da avenida, fazendo o povo do carnaval respirar a mais pura felicidade. Salve o Carnaval! Salve a Mangueira! Salve a Vila Isabel!

Jaime Cezário é arquiteto urbanista, carnavalesco, professor e pesquisador de Carnaval.

Começou sua carreira como carnavalesco no ano de 1993, no Engenho da Rainha. Atuou em diversas escolas de samba do Rio de Janeiro, entre elas, a Estação Primeira de Mangueira, São Clemente, Caprichosos de Pilares, Paraíso do Tuiuti, Acadêmicos do Cubango, Leão de Nova Iguaçu e Unidos do Porto da Pedra. Fora do Rio, foi carnavalesco da Rouxinóis, da cidade de Uruguaiana, e União da Ilha da Magia, de Florianópolis.

Em 2007 e 2008 elaborou o trabalho de pesquisa que permitiu a declaração das escolas de samba que desfilam na cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Carioca, junto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IRPH, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Em 2013, a fantasia da ala das baianas – criada por Jaime para o Carnaval de 2012 para a Acadêmicos do Cubango –, entrou para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Iowa, no EUA.

Essa fantasia está exposta no setor dedicado as festas folclóricas da América Latina e representa o Carnaval das escolas de samba do Brasil. Esse feito fez de Jaime o primeiro carnavalesco a ter uma obra exposta em acervo permanente num museu internacional.

Crédito das fotos: divulgação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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