Samba solidário
O último fim de semana foi de alívio e alegria para Leandro Santos de Oliveira. Um habeas corpus restituiu para ele a volta à liberdade.
Leandro foi preso no dia 27 de maio, acusado de um crime ocorrido em 2017, que não cometeu. É vítima de mais uma dessas terríveis injustiças que se perpetuam a todo momento contra gente pobre e negra. Dizem que a justiça é cega. Pode ser. Mas a injustiça enxerga bem e escolhe a dedo suas vítimas.
O assunto se tornou quase banal, por sua recorrência. Mas o caso de Leandro nos toca de perto, porque deu oportunidade de se ver a beleza que existe ainda nessa comunidade que costumamos chamar de mundo do samba. O chamado mundo do samba tem suas fragilidades, seu lado negativo e às vezes mesquinho e podre. Mas mostrou que sabe ser solidário quando é preciso.
Leandro, morador de São Cristóvão, era apenas um garoto quando conheceu o barracão do Paraíso do Tuiuti e se encantou pelo que lá se fazia. Já não queria mais ser apenas passista, queria fazer parte de tudo aquilo, daquele mundo mágico e cativante. O carnavalesco Paulo Menezes, que começava sua carreira na época, fim dos anos 1990, foi capaz de ver no garoto o talento e a paixão pelo trabalho de aderecista de escola de samba. Como tantos meninos e meninas de nossas comunidades de samba, Leandro teve no barracão o aprendizado profissional que nenhum estabelecimento de ensino formal lhe oferecia.
Ao longo dos anos, trabalhou para diversas escolas, sob orientação de carnavalescos diversos. É alegre, simpático, brincalhão, mas deixou claro em tudo que fez, em todos os lugares onde esteve, que nele se pode confiar. Leandro é um cara do bem.
O que se viu, quando a notícia de sua prisão se tornou pública, foi a formação de uma rede espontânea de solidariedade. Paulo Menezes divulgou um vídeo sobre a idoneidade de seu ex-aprendiz. Chiquinho, do Babado da Folia, um dos mais bem-sucedidos empreendedores do carnaval carioca, fez o mesmo. Conhece Leandro há anos, sabe de sua correção e de sua sólida estrutura familiar, de sua formação.
O carnavalesco Edson Pereira amealhou recursos dos amigos para contratar advogado e acompanhou de perto o desenrolar do processo. E Milton Cunha ajudou com boa vontade para que o assunto chegasse ao noticiário televisivo, o que ajuda muito a informar a opinião pública sobre essas injustiças contundentes.
Leandro é inocente, vários fatos o comprovam. Mas nós, que o conhecemos, nem precisamos de fatos para ter essa certeza. Leandro continua a ser, para mim, o garoto animado que depois de dar duro no barracão dia e noite ainda encontrava forças para se acabar de sambar na quadra, como passista.
Os quase 90 dias que passou na prisão, sem dever nada à justiça, são um total absurdo. O que consola um pouco é que não foram em vão: serviram para mostrar que no samba, onde não faltam disputas, rivalidades e baixarias, há também solidariedade e fraternidade. Obrigada, Chiquinho, Paulo Menezes, Edson Pereira, Milton Cunha, e mais quem tenha ajudado a restituir ao Leandro a liberdade.
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