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‘O Rio de Janeiro custa a se enxergar como cidade negra’, por Rachel Valença

Rachel Valença. Foto: Nicholas Barbosa

Rachel Valença. Foto: Nicholas Barbosa

Neste dia 2 de dezembro é comemorado o Dia Nacional do Samba. A data, instituída em 1963, foi escolhida por um vereador baiano que pensou em homenagear o grande compositor Ary Barroso, e tem como objetivo enaltecer a cultura mais popular do país, trazida pelos africanos.

A professora, escritora e pesquisadora Rachel Valença, comentou a data em sua coluna no SRzd destacando a importância da celebração desta manifestação cultural.

+ Leia o texto de Rachel Valença:

“O surgimento das escolas do samba aqui no Rio de Janeiro se enquadra no contexto do cruel período pós-abolição. Em vez de tentar integrar os recentes cidadãos, foram adotadas políticas públicas para atrair imigrantes europeus para o Brasil, disputando como os negros recém-libertos o escasso mercado de trabalho da época.

O Rio de Janeiro custa a se enxergar como cidade negra, de maioria negra. Pretende-se apagar a escravidão pela via equivocada do embranquecimento. Por isso o negro precisou buscar com muita determinação sua sobrevivência e o fez seguindo o modelo de sua cultura ancestral: a convivência.

O modelo de sobrevivência em que as tias baianas na região conhecida como Pequena África criaram um colchão de acolhimento, solidariedade, sobrevivência e resistência, foi aos poucos se espalhando pela cidade.

Com a chegada do trem, o samba e suas práticas não apenas musicais e rítmicas, mas também religiosas, mas também ligadas à culinária e à indumentária, vão chegando a lugares distantes, onde a população alijada do Centro acaba por se estabelecer.

É só observar que a primeiro grupo de sambistas a usar o nome escola de samba, a “Deixa Falar”, surge tão próximo à Pequena África, no bairro do Estácio, continuação desse grande território de negritude, importantíssimo nas primeiras décadas do século XX e até hoje.

Parece que foi exatamente esse nome escola de samba, tão emblemático por estabelecer paralelo entre seus fazeres e saberes, oralmente transmitidos, com a forma de transmissão de conhecimento característica da cultura erudita, que passou a ter um tal valor que muitas outras agremiações que já existiam com seus nomes característicos adotam o pomposo nome grêmio recreativo escola de samba.

Isso mostra que as escolas tinham o dever e a necessidade de conquistar o seu espaço de cidadania. Não é por mero acaso que Paulo da Portela, um dos grandes defensores do samba em sua origem, recomendava aos seus pares que “ocupassem pé e pescoço” que usassem na prática do samba a indumentária que imitava a das classes privilegiadas.

E também não é à toa que Elói Antero Dias, o grande baluarte da cultura negra, afirma que o samba era o caminho para tirar o negro da informalidade. O samba representava a oportunidade de inserção do negro na sociedade.

O fantástico é que esses primeiros desfiles de escola, embora não tivessem nenhuma influência de cabeças pensantes com formação acadêmica, embora fossem feitos exclusivamente pela comunidade, conquistam a sociedade de forma rápida e contundente.

Do preconceito inicial, das tentativas de repressão e controle, emergiu o potente fenômeno das escolas de samba atuais, tão bem descrito num único verso do samba-enredo da Portela em 1994, de Cláudio Russo, Wilson Cruz e Zé Luiz: “Resistência que a força não calou”.

O samba, “moleque mestiço”, foi o grande herói do século XX, como manifestação cultural que prosperou, que se impôs e ganhou terreno.

Se as escolas de samba, depois de terem por tanto tempo louvado princesas, generais, príncipes e reis, se permitem hoje falar de si, de suas crenças, de sua cultura, como se observa na safra de enredos de 2022, o fato é digno de comemoração: fizeram por merecer e devem ser ouvidas e festejadas”.

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