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Em busca de uma saída, por Rachel Valença

Espetáculo Matrizes, da Mangueira. Foto: Rachel Valença

Espetáculo Matrizes, da Mangueira. Foto: Rachel Valença

Não é novidade que as escolas de samba passam por um momento de intensa crise. Para alguns, a maior que já atravessaram. Não sei se concordo. Lembro do momento em que a Liesa foi fundada, como resultado do total descrédito a que chegara a Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, no fundo do poço de corrupção e de falta de representatividade. Nem todo mundo acreditou que a Liesa seria a solução. Dentro de cada escola de samba o debate foi acirrado e teve escola importante que não aderiu desde logo.

As escolas de samba fazem o que querem, como se donas fossem de algo que é de todos nós, cidadãos do Rio.

A crise de agora, como a anterior, tem, na minha avaliação, um vilão: o poder público, que se exime de suas responsabilidades de fiscalizar a concessão para que a entidade representativa gerencie a seu bel-prazer o desfile das escolas de samba. Não caberia à Riotur, órgão responsável pela promoção do Carnaval na cidade, essa tarefa? Claro que sim. Mas não é o que se tem visto. As escolas de samba fazem o que querem, como se donas fossem de algo que é de todos nós, cidadãos do Rio. Essa omissão, quase histórica, ficou patente agora, quando o Ministério Público tomou a si a tarefa de fiscalizar a imoralidade dos acertos de compadrio verificados dentro de uma entidade representativa de todas as escolas, não de apenas algumas.

Simples assim: um Termo de Ajustamento de Conduta, assinado no ano passado entre as escolas de samba e o Ministério Público, é agora utilizado para multar a Liesa em caso de novo desrespeito ao regulamento. O desrespeito já estava aprovado pela maioria das associadas, mais uma vez agindo de maneira arbitrária e autoritária, como se só dependesse de sua vontade soberana o destino do desfile das escolas de samba. Aí entra o poder público, no caso representado pelo Ministério Público, e faz valer o TAC assinado um ano atrás: multa para o não cumprimento do que fora acordado. Multa alta. Diante disso, tudo se encaminha para o que está sendo chamado de “desvirada de mesa”.

Não sei o que acontecerá no dia 10 de julho, data marcada para a reunião em que as escolas baterão o martelo sobre o Carnaval de 2020. Mas esse lamentável episódio já serviu para mostrar a importância de uma atitude de acompanhamento e cobrança do poder público, ao invés do deixar correr frouxo da Riotur de muitos anos para cá. Se outra tivesse sido a postura da empresa municipal de turismo, sem promiscuidade e com rigor na defesa dos interesses do público, estou certa de que nosso desfile das escolas de samba não teria chegado ao ponto que chegou.

Os problemas são apontados e estamos todos em busca de soluções. Ninguém entrega os pontos.

Mas o fato é que a crise aí está e fico feliz que as escolas de samba tomem consciência dela antes que seja tarde. Os problemas são apontados e estamos todos em busca de soluções. Ninguém entrega os pontos. O que se vê é que as escolas buscam corajosamente alternativas para sair da crise em que estão mergulhadas. Estratégias de sobrevivência sempre fizeram parte dessa cultura. Salve ela!

A Grande Rio, uma das beneficiárias da vergonhosa virada de mesa de 2018, apara as arestas, introduzindo mudanças na disputa do samba-enredo. Despertando para o fato de que ter um bom samba é mais importante do que gastar rios de dinheiro, minimizou os efeitos do poder econômico nas eliminatórias. Boa!

E a Mangueira aciona a prata da casa, sua “reserva moral”, buscando uma alternativa para sobreviver dignamente em tempo de recursos escassos. “Matrizes” é o projeto inaugurado na última sexta-feira, dia 28 de julho, que oferece ao público um show dentro do espaço do barracão da escola. Se o público alvo é o turista, acertou em cheio. Tem algo muito semelhante ao que era outrora apresentado em espaços nobres da cidade, como os shows de Sargentelli no Oba Oba, mas várias diferenças, todas positivas. Em primeiro lugar, atrai público à Cidade do Samba, mais uma morta-viva gerada pela ineficácia da Liesa. Além disso, democratiza o espaço do barracão. Quem não gosta de estar no espaço em que o Carnaval é produzido, podendo ver de perto as alegorias que deslumbram e emocionam? Se perto do Carnaval essa dessacralização pode atrapalhar os trabalhos, no resto do ano ela é tremendamente simpática e cativante.

E mais: o espetáculo tem simplicidade e despojamento. Nada dos figurinos luxuosos daqueles espetáculos tradicionais. As estrelas são os sambistas da casa, ritmistas, passistas, baianas, e o roteiro vai do choro ao jongo e às danças afro, chegando ao samba (salve Geraldo Pereira) e finalizando com o samba-enredo, que a casa tem de sobra. Tudo num cenário simples, com iluminação e efeitos especiais caprichados. O carnavalesco Leandro Vieira, que parece ser a alma de tudo aquilo, resume em uma frase, ao justificar o título do projeto, o sentimento que deveria ser nosso mantra, nesse momento de crise: “Não existe futuro sem louvar a matriz”.

Com a autoridade de seus 95 anos (a serem completados este mês), Nelson Sargento abençoava com sua presença aquela maneira bonita de celebrar a vida, a cidade e nossa origem. Quem tem tanto à disposição nada tem a temer.

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