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Rachel Valença para Arlindo Cruz: ‘Nosso canto chegará até você, poeta’

Arlindo Cruz. Foto: Reprodução de vídeo

Arlindo Cruz. Foto: Reprodução de vídeo

Quem esteve na quadra do Império Serrano no último sábado, dia 18, não teve como driblar a emoção. Ou, melhor dizendo, as emoções. Foram muitas. A primeira: tornar a ver a quadra da Edgar Romero lotada, como há muito tempo não se via. Além dessa, a emoção de ver a escola anunciar contratações de peso, que atestam a intenção de competir pra valer no carnaval de 2023.

Dentre essas, todas muito valiosas, peço permissão para destacar dois nomes: o da porta-bandeira Daniele Nascimento, que já passara pela escola entre 2008 e 2010, e o do intérprete Ito Melodia, até o carnaval passado cantor exclusivo da União da Ilha do Governador.

Os dois nomes destacados têm em comum o trunfo do DNA. Danielle é filha de Vilma, o Cisne da Passarela, que dispensa qualquer apresentação. Inigualável, ainda hoje é possível admirá-la, cruzando a Avenida, sem botox nem silicone, só com graça e elegância. Filho de Haroldo Melodia, Ito tem a força e o carisma do ídolo inesquecível. Mais do que cantor, é um puxador performático. Seu canto tem algo de contagiante e eletrizante que justifica esse termo “puxador”, que exprime bem mais do que simplesmente entoar melodias.

Mas a emoção maior esteve, é claro, por conta do anúncio do enredo de 2023. Que seria sobre Arlindo Cruz já se sabia, era notícia que corria desde o fim do último carnaval. Mas “Lugares de Arlindo” foi anunciado de forma tocante em um lindo vídeo, talvez um pouco longo demais para a ocasião, mas rico em depoimentos emocionados sobre a trajetória do homenageado, dando conta da pessoa querida e adorável que ele é e que dá alma ao grande compositor de tantos sucessos inesquecíveis.

Arlindo Cruz surgiu no Império Serrano como parceiro do samba-enredo do carnaval de 1989. Não era um desconhecido, já tinha uma bonita carreira com passagem pelo grupo Fundo de Quintal e inúmeras composições gravadas. Com voz de timbre meio rouco e pouco alcance, era adorável ouvi-lo cantar. Simpático, alegre e comunicativo, chegou no Império Serrano para ficar. Depois desse “Jorge Amado Axé Brasil”, teve mais 11 sambas seus cantados na Avenida. Compunha também às vezes para outras escolas, o que lhe valia a reprimenda de Tia Eulália, que considerava isso alta traição. Bem-humorado, garantia a ela que seu coração era verde e branco e ganhava o perdão. Como resistir à sua simpatia? Nem a intransigente matriarca conseguia…

Muitos foram os lugares por onde seu talento passou, até imortalizar, na linda parceria com Mauro Diniz, aquele que é também o lugar do Império Serrano, de Tia Eulália, de Vovó Maria Joana Rezadeira, do jongo, dos pagodes em cada esquina. O doce lugar de cada um de nós, seus eternos fãs, que esperamos com o coração aos saltos a divulgação da sinopse, a apresentação dos sambas-enredo, a disputa e o desfile, na certeza de que, de alguma forma, misteriosa para a triste ciência dos humanos ignora, nosso canto chegará até você, poeta. Nosso coração, Arlindo Cruz, é e sempre será o seu lugar.

Rachel Valença. Foto: SRzd

Rachel Valença tem formação em Letras, com graduação na Universidade de Brasília e mestrado em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense, com dissertação intitulada Palavras de Purpurina, sobre a retórica do samba-enredo. Formou-se também em Jornalismo pela Faculdade Hélio Alonso.

Publicou vários livros sobre Carnaval e participa ativamente do Carnaval carioca, tendo sido por oito anos membro do Conselho do Carnaval da Cidade do Rio de Janeiro. Integrou a equipe de elaboração do dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro: partido-alto, samba de terreiro, samba de enredo, para registro, junto ao IPHAN, do samba do Rio de Janeiro como patrimônio cultural imaterial, em 2007. É colunista do SRzd desde 2011. A partir de 2014 passou a fazer parte do júri do prêmio Estandarte de Ouro, do jornal O Globo.

Crédito das fotos: portal SRzd
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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