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O que nós sambistas desejamos ver desfilar pela Avenida?

Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Foto: Cezar Loureiro - Riotur

Sambódromo da Marquês de Sapucaí. Foto: Cezar Loureiro – Riotur

Eu gosto de ouvir e de contar histórias, pois elas movimentam a minha memória. Conhecer, cada vez mais, a história deste maravilhoso quesito, tem fundamental importância para compreender o que estamos vivenciando e nos fortalecer na salvaguarda e na manutenção do bailado do mestre-sala e da porta-bandeira.

Vamos rememorar então. No final da década de 20, no município do Rio de Janeiro, quando surgiram as primeiras agremiações de samba, o baliza e a porta-estandarte, saídos dos ranchos, passaram a dançar. Em 1935, os desfiles se tornaram oficiais, e o que estava em julgamento era o pavilhão. Em 1938, a fantasia do casal começou a ser julgada. Em 1958, a dança foi incluída na avaliação do quesito (a performance do casal se impôs diante do mundo do samba, basta verificar as orientações contidas no Manual do Julgador).

Em 24 de novembro de 1991, aconteceu uma grande homenagem, feita pelo grupo da Calçada de Madureira, ao casal portelense Benício e Vilma. Em 1992, através da Lei 1.904/92, ficou determinado que, a data – 24 de novembro – seria no município do Rio de Janeiro, o dia comemorativo deste par. No ano de 1993, de acordo com Waldir Gallo, da Associação Cultural Madureira Toca, Canta e Dança (que buscou a confirmação da mesma com Bernardo Nascimento, neto de Vilma Nascimento), o quesito não foi julgado, fato que provocou um protesto solitário da legendária porta-bandeira portelense. Em 1996, o jornalista José Carlos Rego escreveu um livro sobre as danças do samba, no qual apresenta as coreografias do mestre-sala e da porta-bandeira, com detalhes de suas performances.

Em 2020, o Sindicato dos Profissionais de Dança do Rio de Janeiro passou a considerar mestre-sala e porta-bandeira, uma categoria entre aquelas dos profissionais de dança, tendo o dançarino de se submeter a avaliação prática e teórica, para obtenção do registro profissional; e nesse mesmo ano, Selminha Sorriso iniciou uma série de lives, nas quais vários sambistas e pesquisadores sobre cultura do samba e Carnaval apresentaram argumentos e questões direcionadas à manutenção e salvaguarda do bailado do mestre-sala e porta-bandeira.

Em janeiro de 2021, pela Lei 9.558/21, o casal passou a ser considerado Patrimônio Imaterial do Estado do Rio de Janeiro, com destaque para seus trajes e sua dança (mais um grande reconhecimento da performance do par como fator importante para o engrandecimento da dupla). E, em 20 de fevereiro de 2022, foi criada a Associação Brasileira de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta-Estandarte do Brasil, na cidade do Rio de Janeiro.

A história ratifica a importância do casal, cuja presença é obrigatória nos desfiles das agremiações de samba. E, o quesito, por diversas vezes, possibilitou o desempate, no momento da apuração e revelação da escola campeã do ano. Tamanha é a responsabilidade que recai sobre a dupla que, os Manuais dos Julgadores apresentam regras e normas em relação ao quesito, sendo a maior parte de punições direcionadas a performance do par em relação ao seu entrosamento, seu estilo, sua postura, e sua indumentária, sendo obrigatório, aos julgadores, a apresentação de justificativa para as punições impostas.

Então, me ocorre uma questão: as justificativas das notas atribuídas ao casal de mestre-sala e porta-bandeira têm colaborado para a preservação e manutenção do bailado do mestre-sala e da porta-bandeira?

Considerando as justificativas apresentadas pelos julgadores do quesito nos desfiles de 2022 no Rio de Janeiro, tanto no grupo Ouro quanto no grupo Especial, pude observar que os casais foram bastante penalizados durante suas performances por questões relativas ao entrosamento do par: falta de sincronismo, quebra de movimento, movimentação errada, descaracterização da dança, coreografia pouco elaborada, excesso de encenação, estilização dos movimentos, inclusão de movimentos não característicos e, apresentação de coreografia que não era do bailado.

Ao mestre-sala coube a responsabilidade de boa parcela dos pontos perdidos. De acordo com as justificativas, ele causou perda de pontos por falhas em sua movimentação, pela maneira pouco gentil de tocar no pavilhão, por excesso de encenação, exibição demasiada, gestual exagerado e agitação. Também, foi acusado de falta de leveza, por realizar movimentos bruscos, por falhas na sintonia prejudicando a comunicação e o entrosamento com sua parceira, causando quebra no sincronismo dos movimentos coordenados.

O dançarino, além disso, foi penalizado por questões relativas a sua indumentária, um ato previsto no Manual do Julgador.

Cabine de jurados. Foto: Reprodução da TV

Em relação a dançarina, os julgadores a responsabilizaram por falhas em seus movimentos e giros e, por não desfraldar, com destreza, o pavilhão. A indumentária da porta-bandeira, igualmente, foi motivo para perda de pontos de pontos, uma vez que, pareceu aos julgadores, pesada impedindo sua movimentação plena.

Refletindo sobre o que escreveram os julgadores do quesito, percebo que novamente pontuam detalhes importantes para que os dançarinos possam corrigir os erros cometidos, se aperfeiçoando para um melhor desempenho durante sua apresentação.

Observando as justificativas sobre as falhas destacadas na execução da movimentação coreográfica dos casais, fiquei pensando sobre qual performance recai a avaliação do julgador. Seria sobre aquela que modernizada e enriquecida, nos emociona por possibilitar a leitura da poesia da mensagem primeira escrita pelo sambista e contida no velho Bailado ou, a novíssima, vista nos desfiles contemporâneos, demasiadamente atravessada por passos, gestos e movimentos diversos, que muito bem ensaiados, encantam pela virtuosidade de sua execução?

Pareceu, para mim, que esta questão se encontra camuflada, inviabilizando o entendimento da mensagem que o julgador envia, pois alguns casais, a tanto tempo buscam gabaritar o quesito, seguindo a orientação das justificativas apresentadas em outros carnavais, todavia, ainda não conseguiram alcançar este objetivo.

E então, como devemos interpretar as justificativas dos julgadores? O que será que está faltando para a boa compreensão destas justificativas? Ponto intrigante sobre o qual que iremos nos debruçar…

Mas, antes de responder a esta questão, não podemos esquecer que a porta-bandeira existe por causa do pavilhão; que o mestre-sala existe por causa desta dama que conduz o pavilhão; que o mestre-sala é o dançarino que foi escolhido para tutelar, com sua performance sensacional, o pavilhão e a dama. E, que o bailado é uma dança plena de significados e simbolismos, construída pelo entrosamento perfeito de duas coreografias: a do mestre-sala e a da porta-bandeira. Significados e simbolismos que marcam uma história ancestral, do caminhar do samba.

E então, eu pergunto: qual é a coreografia do casal de mestre-sala e porta-bandeira que deve se perpetuar?

O que o casal deverá apresentar no dia do desfile, diante da cabine julgadora: uma espetacular “dança com a bandeira” ou o ancestral bailado do mestre-sala e porta-bandeira (com a coreografia completa de cada um dos dançarinos, aquela que José Carlos Rego recolheu dos dançarinos da década de 60 e está descrita em seu livro Dança do Samba, exercício do prazer)?

Fica a pergunta: O que nós sambistas desejamos ver desfilar pela Avenida?

Eliane Santos de Souza é professora e pesquisadora do tema: dança, dança do samba, bailado do mestre-sala e porta-bandeira. Lecionou, como substituta, no curso de Bacharelado em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ. É Doutora em Arte pelo PPARTES-UERJ com a tese: Daqui de onde te vejo: reflexões de uma porta-bandeira sobre o mestre-sala, com publicação em formato de livro com o mesmo título. É Mestre em Ciência da Arte- UFF com a dissertação: Uma semiologia do samba: O bailado do mestre-sala e da porta-bandeira. Ainda é especialista em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Docente do Ensino Fundamental e especializada em Educação Infantil. Porta-bandeira aposentada, é apoio, orientadora e apresentadora de casais. Foi membro de comissões julgadoras do quesito mestre-sala e porta-bandeira, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, São Paulo e Uruguaiana.

Crédito das fotos: portal SRzd
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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