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O Pior Processo Eletrônico do Mundo

Depois de tentar por mais de seis horas enviar uma petição no portal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) na Internet, a conclusão não poderia ser outra: trata-se do pior processo eletrônico do mundo. Mas, não só em razão do ocorrido hoje. Vem de anos de contato diário, depois de dezenas de tentativas, erros, instabilidades, de falta de atendimento adequado. Este título é concedido com todo mérito, depois de muitas reclamações aos setores envolvidos com o seu mal funcionamento, até à OAB. De qualquer forma, para sermos mais justos, vamos dar alguns exemplos e ao final abrir para você eleger os piores sistemas.

Um vez passei um dia e quase a noite toda juntando anexos no protocolo eletrônico do TJRJ, sem saber que o site estava com problemas, porque não tinha nem aviso. Meu cliente tinha urgência e me contratou para eu entrar com uma ação pedindo uma liminar. Juntava a cada vez mais de 200 anexos, de provas, mas caia tudo e tinha que começar de novo. No final da noite eu já estava literalmente chorando, depois de xingar o pai do sistema, que nem sei se tem.

O processo eletrônico em questão não é amigável, não utiliza linguagem comum a qualquer um e dá mensagens como essa “org.hibernate.excception.JDBCConnectionException: could not prepare statement”. Você não sabe o que significa? Não te ensinaram na graduação, nem na pós e nem no mestrado? Pois você pode saber tudo de direito, mas se não conseguir “passar no joguinho” do TJRJ, não protocola a ação e seu cliente não tem o direito garantido, por melhor e mais qualificado que você seja*. Esqueceram que advogado não tenha que ser especialista em informática e muito menos é obrigado a falar inglês, e técnico ainda, para atuar em Direito.

Como sou persistente, tento aqui, tento ali, mas nada, clico em enviar e nada, volta com outra mensagem de erro e a cada hora é uma diferente. Depois de muito insistir, parece que o sistema quer o processo de referência. Mas não é só isto, ele quer saber em que sistema vive o dito cujo, Pje ou SEEU? Você não sabe? Problema é seu, se não entender não protocola o seu recurso. Aí você fuça aqui, fuça ali até que descobre que não é nem um e nem outro, mas não tem opção de nenhum, era só deixar os dois desmarcados! Agora vai? Não! Ele está pedindo o extrato da GRERJ. Ué, paguei R$ 1.000,00 em uma ação de R$ 15.000,00, depois de ter pago quase R$ 1.000,00 inicialmente para o Juiz se recusar a analisar o dano moral – já está indignada em ter que recorrer – e o sistema quer mais que a guia e o comprovante de pagamento das custas de recurso? O sistema recusa os dois.

Google, manuais do TJRJ, site e nada. Como que imprimo o tal extrato da guia? E lá sabia eu que guia tinha extrato? Depois de horas, descubro que o problema era outro, uma simples, recusa porque a guia estava em dois lugares. Agora vai? Não, dá erro porque o sistema não está validando o tal processo de referência, problema de sistema. Agora é mesmo instabilidade de novo, o normal.

Tento por horas, até que, superadas estas e outras questões, consegui mandar o recurso, que tive que fazer porque o tal juiz, que não era o titular, estava acumulando varas e saiu, mas antes resolveu mandar o processo para outro, de um tal grupo de sentença, julgar, indicando, no entanto, que o novo não deveria sequer julgar o dano moral, porque o valor da causa era global. Parece que o crime compensa mesmo neste país. Só pode ser erro do Juiz porque errar é humano, embora o sistema esteja errando e muito (alguém alimenta os monstros).

Por aí se vê também que não estão mais lendo estes processos eletrônicos, que o direito está sendo posto em último plano. Antes se tinha a máxima que o processo não podia se sobrepor ao direito, agora se sobrepõe, ele e o sistema, acima de todos.

Os humanos não estão preparados para esta nova cultura, assim como os sistemas não estão preparados para os humanos (não estes que usamos em vários serviços públicos). Não adianta digitalizar tudo e criar a “e-burocracia”. É preciso inovar, mas criando novas soluções e não novos problemas, agora eletrônicos.

Os sistemas precisam ser amigáveis, fáceis de acessar, de qualquer um utilizar, como é o eProc da Justiça Federal, que é gratuito, não tem custos, é simples, mas que a justiça estadual não quis usar, sabe-se lá porquê. Aliás, bom seria explicar porque a Justiça Federal é barata e funciona bem e a estadual é cara e não funciona direito.

Existe ainda um tal de Pje, que também é complicado de usar, não é intuitivo, mas o TJRJ, optou pelo seu sistema, que é o pior de todos. Por que? Qual o critério para eleger um sistema e porque não há consulta pública aos usuários sobre a sua eficiência. Pesquisas constantes sobre a facilidade de utilizar? Até melhores explicações do porquê um sistema tão caro e tão problemático foi o escolhido, o prêmio de pior processo eletrônico do mundo vai mesmo para esse do TJRJ, até porque é difícil superar tantos problemas, quase que diários.

O acesso à justiça, garantido na Constituição Federal, deve passar pelo acesso simples, inclusive eletrônico, e por cobrar custas mínimas, justas, para os usuários poderem entrar com ações visando a preservação dos direitos. As custas cobradas no Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, são caras e os serviços ruins. É uma via crucis para obter a proteção de um direito e trabalhar desta forma.

Acredita-se que isto possa ser melhorado pela justiça, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com a participação ampla dos advogados que trabalham no dia a dia neste caos e antes que um infarte tentando protocolar um pedido no prazo e a solução não é o PJe, acredite. Inovar é ter sistemas fáceis de qualquer um usar! A primeira inteligência deve ser a humana. Os usuários precisam de novas tecnologias, que garantam seus os direitos, até de usar os sistemas exigidos. Mas, para não sermos injustos com a Justiça, abrimos a votação, para que você eleja os melhores e os piores sistemas do mundo (comentários abaixo).

*Para que não reste dúvidas de que o problema não é a usuária: foi uma das primeiras a ter certificação digital, a utilizar estes programas, ajudou na criação da nota fiscal eletrônica, do eSocial e a aperfeiçoar outros sistemas eletrônicos dos governos federal, estadual e municipal. Trabalha diariamente de todas as formas com tudo pela Internet, nestes sites, apps e com processos digitais de órgãos de todas as esferas. Pós-graduada e Mestre em Direito Econômico e Social, consultora em tecnologia, inovação e startups. Imagine quem não sabe mexer direito neste mundo digita, é excluído de qualquer direito.

#opiorprocessoeletronicodomundo

 

Cheryl Berno

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Cheryl Berno
Tags: appeburocraciaeprocInovaçãopjeprocesso eletrônicoprocessos digitaisseeusistema judicialTJRJ

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