Nyldo Moreira

Jornalista, especializado em cultura e economia. Ator e autor de peças de teatro. Apresentou-se cantando ao lado de artistas, mas não leva isso muito a sério. Pratica a paixão pela música em forma de textos e críticas. Como diretor, esteve a frente de dois curtas, um deles que conta a vida no teatro.

Clodovil é eternizado em espetáculo de Eduardo Martini

Simplesmente Clô | Créditos: Claudia Martini

Seja no teatro ou no cinema, uma biografia precisa começar pelo cartaz. É ele que, logo de cara, vai impactar o espectador para os traços que recordam o biografado. Se eu não tivesse ido ao Shopping da Gávea exclusivamente para assistir ao espetáculo de Eduardo Martini, o cartaz que estampa “Simplesmente Clô”, gigante em frente ao Teatro das Artes, neste shopping carioca, teria mudado o meu roteiro de qualquer jeito. Impossível olhar o anúncio e não querer saber o desenrolar da história. Aliás, a fotografia foi tirada pela irmã do ator, Claudia Martini, que retrata exatamente a atmosfera que envolvia o estilista.

 

Eduardo Martini traz Clodovil Hernandes de volta à vida, exatamente como ele era, em voz, gesto e exclamações. Já ao ver o cartaz, você sabe que no palco estará algo muito, mas muito parecido com o próprio Clô, como era chamado por muitos. Polêmico e extremamente inteligente, ele faleceu em 2009, aos 71 anos. O texto é de Bruno Cavalcanti e a direção é de Viviane Alfano, que aliás adoro como atriz e destaco a super atuação conduzindo um espetáculo dificílimo como esse.

 

A atuação poderia beirar o caricato facilmente, pelas tiradas ácidas do próprio Clodovil e sua gesticulação marcante. Mas, Martini imprime uma ponderação exata de movimentos, de olhares, texto e arrisca descer à plateia e trocar com o público. Aliás, essa é a marca do ator em inúmeros de seus espetáculos, e com ele sempre dá certo.

 

Martini, ao praticamente incorporar o estilista, em seu impecável trabalho físico de texto, consegue posicionar as mãos exatamente como Clodovil, ao ficar estático e teso para soltar rapidamente suas opiniões. O gesto é doloroso ao punho, caso qualquer leitor queira reimprimir – é preciso dobrar a mão para trás, forçando o punho para cima – além disso, Clodovil praticamente não tinha vírgulas em sua fala, o que torna o trabalho de qualquer ator, que vai reconduzir seu texto, muito mais desafiador. Neste caso, é um monólogo, e não escapa uma só palavra de Martini, tampouco o rápido desenrolar do discurso, além da similaridade de tom de voz, acentuações e o olhar tomando o lugar das vírgulas.

 

Foto do Cartaz de “Simplesmente Clô” | Créditos: Claudia Martini

Expressões acachapantes, como o humor ácido e muitas vezes preciso e pontual de Clodovil, estão em “Simplesmente Clô”, onde também é possível, sutilmente, observar o outro lado do estilista, as paixões. Com muito respeito, o autor Bruno Cavalcanti e a direção de Viviane Alfano, encontram cortes para salpicar ao olhar do público momentos íntimos do paulista e político. Aliás, sobre sua passagem política, há um trecho com alusão à polêmica frase em que chamava uma deputada de feia, no plenário em Brasília. Também a avalanche causada por Ibrahim Sued, em seu texto no jornal O Globo, na década de 80, em que dizia que Clodovil estava com Aids. Notícia desmentida pelo estilista.

 

Clodovil era uma figura em uma linha tênue entre o amor e o ódio das pessoas, por seu posicionamento direto e respostas rápidas a qualquer coisa que o incomodava. Como foi apresentador de televisão, lá mesmo emitia seus recados.

 

No palco do teatro, onde é possível recordar todas essas características de Clodovil, há também elementos que imediatamente são ligados a ele, como vestidos em manequins e flores, além do branco que envolve o cenário, já que Hernandes foi um dos principais estilistas para noivas do Brasil. A iluminação recorta o texto como capítulos e, certamente, não seria criticada por Clô.

 

Ele adorava música e cantava também. Eduardo não é cantor, mas o desafio de biografar Clodovil Hernandes colocou isso de forma afinada na voz do ator. Assim como, certamente diria o estilista, que não se arrependeria de nada em sua vida, a peça reconta a vida da Clô entre trechos de “Non, Je Ne Regrette Rien”, de Édith Piaf. Martini canta em francês, e neste momento, sutilmente é possível notar o distanciamento da voz de Clodovil – também pudera, é um malabarismo muito difícil – e com o mesmo caminhar valsado que ele fazia ao terminar alguns de seus programas na televisão, ou mesmo quando concedia alguma entrevista.

 

Os cabelos platinados ocupam o lugar do que poderia ser uma peruca (e não é – o cabelo é o do próprio ator). Uma peruca poderia trazer um tom caricato ao biografado. Eduardo tem uma infinidade de perucas, entende mais do que ninguém a respeito, e certamente a escolha em tingir os cabelos, ao invés do lace, tem esse propósito. A coloração já não é mais a mesma da estreia, é possível que a dificuldade em abrir os fios novamente para a cor esteja atrapalhando. Mas, como sentei bem na frente, pude perceber o truque – há um pouco de maquiagem branca nas raízes que despontam preto – e isso já dá um bom jeito na coisa.

“Simplesmente Clô”, em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro

 

“Simplesmente Clô” passa rápido, como o gatilho de suas frases. É como se estivéssemos assistindo a uma entrevista de Clodovil com o próprio Clodovil. Foi emocionante, até porque eu estava voltando a uma plateia de teatro, que eu não pisava desde o início da pandemia. Fiz uma enquete no meu Instagram, com o cartaz de Eduardo Martini como Clodovil Hernades, e mais de 90% das pessoas responderam que, num primeiro olhar, acharam que era o próprio estilista.

 

É importante dizer que além do trabalho impecável do ator, há distanciamento, cuidado e respeito com o público.

 

“Simplesmente Clô” está encerrando sua temporada em São Paulo, no Teatro União Cultural, nos dias 7 e 8 de Agosto, sábado e domingo às 18h. O período também marcou a presença de tradutores para a Língua Brasileira de Sinais (Libras), o que é fenomenal, além de devidamente inclusivo. No Rio de Janeiro, a peça segue em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, toda quinta-feira às 20h. O preço é promocional para todos, com o valor de meia-entrada (R$ 50,00). 

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