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No ritual da porta-bandeira: preparar o corpo!

No ritual da porta-bandeira: preparar o corpo!

Em 2023, num sábado, dia 16 de dezembro, às 8h, um calor de 32 graus, fui apreciar em uma quadra da Praia do Flamengo, Rio de Janeiro, o TREINÃO das porta-bandeiras: Rute Alves (Viradouro), Taciane Couto (Grande Rio), Thaynara Matias (Portela), Jessica Ferreira (Unidos de Padre Miguel) e Graciela Araújo (Caprichosos).

Na rede de apoio, Marinalva na função avó de Gael, na captação de imagens, Gabriela Germano, e eu, apreciando a bela cena no cenário incrível da orla carioca. Um ritual, um momento quase que feminino, que foi quebrado pelas presenças de Bruno e Gael!

Aliás, Gael filho da Jessica Ferreira, porta-bandeira que tem vinte sete anos de dança do samba, que nos disse que ser porta-bandeira “é um prazer, me faz feliz” e que na UPM é cortejada por Vinícius Antunes. A poderosa Jessica, da superação! Para ela, o motivo desta preparação física é ganhar força e resistência, tendo em vista que suas fantasias podem pesar até trinta quilos. Seus trajes são confeccionados pelo Ateliê Aquarela Carioca, e ela gosta de calçar botas no dia do desfile.

Este convite para assistir este novo ritual da porta-bandeira, me chegou por Bruno Germano que “utiliza os ‘Princípios do Treinamento Desportivo’ aplicados a dança do casal de mestre-sala e porta bandeira”.

Germano considera que cada “indivíduo é único no que se refere a questões de força, resistência muscular, equilíbrio, coordenação motora, velocidade, além da capacidade técnica, em si” e por isso, identifica “o que de fato precisa ser explorado (sejam pontos para serem potencializados ou desenvolvidos) para que esse mestre-sala ou porta-bandeira consiga realizar aqueles movimentos específicos de sua coreografia daquele ano”.

Observando de perto a ação proposta pelo preparador físico e a forma da ação de cada sambista no momento do treino, pudemos confirmar a sua declaração – “não trabalhamos músculos. Treinamos movimentos!”- , pela livre movimentação das dançarinas, baseada em suas escritas coreográficas, sendo as intervenções aplicadas apenas de orientação na postura e execução.

Para Graci Araujo, que dança com Feliciano Junior na Caprichosos de Pilares, “ com a preparação física específica, me sinto segura de que nos 35 minutos de intensidade de desfile terei condições de sorrir, demonstrar leveza e executar os movimentos com qualidade. Apesar do cansaço. Um ponto muito importante para mim é que exploramos a nossa capacidade de concentração e continuidade de execução após a fadiga. Concluir um desfile com ânimo de “faria de novo” é indescritível”.

Ela nos contou que geralmente sua fantasia pesa em torno de 15kg a 20kg e calça no dia do desfile bota de cano médio com meia pata.

O treino que fui assistir, um evento em grupo, no qual, de acordo com Germano se “perdemos na individualidade do treino, mas ganhamos em energia, motivação, solidariedade de sofrimento e troca figurinhas, experiências, causos, etc”. E foi assim que verificamos. Cada dançarina concentrada em suas ações, todavia atentas e respeitosas as ações, atividades e falas da outras.

Conversamos também com a Thainara Matias, segunda porta-bandeira da Portela e primeira porta-bandeira da Unidos da Ponte, que dança com o Emanuel Lima. Ela nos falou que é envolvida por um “sentimento de honra e gratidão por ter a missão de empunhar os pavilhões das minhas escolas, representando suas histórias, suas cores, seus feitos, suas comunidades! É sempre muito emocionante dançar e receber olhares de admiração a nós e ao nosso pavilhão. A ele toda honra e todo respeito”.

Dançando há treze anos, afirma que, geralmente, o peso de sua fantasia varia entre 15 a 20kg, e que gosta de desfilar calçada com botas de salto baixo. Suas fantasias serão feitas no Ateliê Alex Cunha para desfile no GRES Unidos da Ponte e, no barracão da escola por João Vitor Ferreira, para o da GRES Portela. Ela confidenciou que o motivo desta preparação física é “condicionar o corpo a dança intensa, entretanto sem perder a leveza e suavidade. Se sentir bem ao finalizar uma sequência de dança e evitar lesões futuras”.

Fiquei bastante satisfeita com o que pude apreciar: o exercício do samba apontando espaços e possibilidades para, aquelas que tem a responsabilidade de conduzir o sagrado pavilhão de uma agremiação de samba, preparar melhor o corpo para fluir em sua dança.

E, ao término do “treinão”, Rute Alves, primeira porta-bandeira do GRES Unidos do Viradouro, que dança há vinte e sete carnavais, usa nos desfiles botas com frente aberta e salto masculino, veste uma fantasia que pesa em torno de 35 kg e é confeccionada no Ateliê Fernando Magalhães, me confidenciou que o motivo desta preparação física é: “ para que eu possa realizar o mais próximo possível a minha dança de quadra com fantasia, que o peso da mesma não me impossibilite, que eu tenha um bom condicionamento físico para dançar da mesma forma por toda avenida” e fechando o nosso descontraído papo, ela descreveu seu sentimento em ser uma porta-bandeira: “ Gratidão, respeito aos ancestrais da minha escola, ao chão que piso e amor pela minha arte”!

O que pude concluir depois de assistir esse novo ritual das porta-bandeiras: muito bonito de ver as técnicas corporais serem aplicadas para benefício do excelente desempenho da dançarina e favorecer a naturalidade de seu bailar!!! Axé!

Eliane Santos de Souza. Foto: Divulgação

Eliane Santos de Souza é professora e pesquisadora do tema: dança, dança do samba, bailado do mestre-sala e porta-bandeira. Lecionou, como substituta, no curso de Bacharelado em Dança da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a UFRJ. É Doutora em Arte pelo PPARTES-UERJ com a tese: Daqui de onde te vejo: reflexões de uma porta-bandeira sobre o mestre-sala, com publicação em formato de livro com o mesmo título. É Mestre em Ciência da Arte- UFF com a dissertação: Uma semiologia do samba: O bailado do mestre-sala e da porta-bandeira. Ainda é especialista em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Docente do Ensino Fundamental e especializada em Educação Infantil. Porta-bandeira aposentada, é apoio, orientadora e apresentadora de casais. Foi membro de comissões julgadoras do quesito mestre-sala e porta-bandeira, no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, São Paulo e Uruguaiana.

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