Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Minha história de amor com a educação

Eu amo educação, amo livros, ensinar, aprender e essa história começou muito cedo. Eu era de uma família humilde, mas a minha mãe emprestava os livros da Biblioteca Pública do Paraná e os lia para os filhos. O primeiro livro que eu me lembro é “O Menino do Dedo Verde”, que para mim ficou como uma história de alguém que pode fazer a diferença, mesmo em uma cidade cinzenta pelo domínio das armas. A primeira lição ficou mesmo, leio para os meus filhos desde que eram bebês e virei alguém que acha que pode fazer a diferença no mundo. Aprendi a ler na Escola Pública Amâncio Moro, com a professora Maria Helena, e os livros continuaram sendo emprestados, porque não tínhamos dinheiro para comprar, o que até não foi tão ruim porque líamos tudo o que tínhamos, coisas que normalmente não interessariam a uma criança de nove anos, como os romances de Heinz G. Konsaliky, com mais de 400 páginas, ou Capitu, de Machado de Assis (um autor que só estourou agora nos Estados Unidos). Depois eu tive um luxo, porque meu pai começou a trabalhar para a indústria e passamos a ter acesso ao SESI de Curitiba, aonde a biblioteca tinha livros novos, diferentes e para a minha idade. Lembro como se fosse hoje, como fiquei encantada com uma figura na capa, que conforme você mexia, se transformava em outra imagem. A bibliotecária do SESI, cujas feições lembro até hoje, fez toda a diferença em minha vida porque me ensinou a fazer pesquisa de forma correta,  ela que disse que eu tinha que ler e escrever o que eu entendesse, que não deveria copiar. Mal sabe ela que até hoje lembro deste dia e se tenho facilidade para pesquisar é porque ela me ensinou nas tardes em que eu passava na biblioteca estudando. Depois de terminar o então chamado primeiro grau eu tinha que escolher um curso profissionalizante e escolhi magistério, ou normal – um curso para dar aulas, afinal, desde pequena eu já brincava mesmo de ser professora. O primeiro ano, fiz em uma escola pública, mas nesse caso não deu muito certo porque havia professores que faltavam muito e um de matemática chegou ao cúmulo de dizer para as alunas (só tinha um homem na sala), que não ia ensinar porque elas iam casar e virar donas de casa (ouvi isto também de uma vizinha). Mas, como os livros nos abrem mundos novos e nos impulsionam aos desafios, não os ouvi. Sai daquele colégio e fui para um particular. Eu trabalhava de dia para pagar os estudos que fazia à noite. Era muito difícil, mas eu não faltava uma aula e até o estágio eu dava um jeito de fazer (dei aula até de alfabetização para adultos). Além das aulas normais, eu ainda fazia cursos extras, como datilografia, que fiz em uma instituição espírita, porque era gratuito.

Certa vez, eu pedi ao diretor da Remington, que não pagava mais os salários porque tinha decretado falência, uma máquina de escrever, que ele me deu com uma mensagem de incentivo. Depois tive que vender a máquina para pagar o meu curso de inglês. Continuei estudando. Podia ter escolhido uma carreira ligada à educação, mas eu sabia que professor ganhava muito pouco e eu precisava trabalhar para continuar estudando. Então, eu, que desde pequena queria mesmo era fazer justiça, escolhi o Direito e fiz bem feito, sem faltar aulas, prestando a atenção, mesmo cansada do trabalho. Com a base que eu tinha e com a grande concorrência que existia naquela época, passei para a PUC, não na universidade pública como eu queria. Mas, ainda assim foi bem disputado. O tema da redação era sobre um poema de Fernando Pessoa, “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena”. Eu passei e de novo eu trabalhava de dia para pagar os estudos à noite. Os livros eram usados, porque eram caros eu ainda não tinha dinheiro para comprar. Lia o que tinha nas liquidações. Uma vez li um livro sobre um caso penal inteiro, que nunca teria escolhido se tivesse dinheiro para comprar o que quisesse. Lembro que as dificuldades eram tantas que quando recebi uma proposta para sair do banco, no qual eu havia entrado por concurso, falei na entrevista se podiam aumentar um pouco a bolsa do estágio porque eu tinha que ganhar ao menos para pagar o ônibus e a faculdade. Eu saia das aulas em torno de dez e meia da noite e andava muito até chegar em casa. Subia aquelas ruas com os livros pesados, muitas vezes com medo, chorando, na chuva e dizendo que um dia aquilo tudo valeria a pena. Um dia a PUC aumentou a mensalidade e ocupamos a reitoria para que reduzissem, porque eu não sabia se conseguiria pagar com o aumento. Deu certo, a universidade, que era uma instituição sem fins lucrativos, baixou o valor e pude continuar os estudos. Brigamos muito na época para que comprassem mais livros para a biblioteca. Uma vez o professor quase tirou nota de em uma prova porque meu livro era usado e tinha umas coisas escritas que ele achou que eram cola, mas eu não colava, eu estudava mesmo, porque aprendi a amar os estudos desde muito pequena.

Passei muito bem pela faculdade, fiz uma pós-graduação, depois outra, dezenas de cursos, seminários, já perdi as contas das palestras que assisti (e depois passei a dar) mas me orgulho mesmo de ter feito, de verdade, um bom mestrado – que eu fiz mesmo, não faltava aulas, fiz cada linha da minha tese, que acabou sendo indicada pelos professores da banca para a Editora Juruá e virou o livro “Restituição de Tributos Inconstitucionais”. Também escrevi capítulos de outros livros publicados e ganhei até alguns prêmios. Quando já era uma profissional, foi o meu estagiário que me indicou para dar aula na universidade dele. Comecei dando aulas de direito na Cândido Mendes, depois passei no concurso da Estácio de Sá, depois recebi o convite do meu antigo chefe e agora amigo, para dar aulas na AVM Educacional. Depois veio o convite dos colegas para lecionar na pós da FGV, como professora convidada. Mais uma vez, por acaso do destino acabei no SESI (passei em um processo seletivo bem disputado). Virei advogada da instituição na qual eu aprendera a pesquisar e foi aí que ganhei quatro prêmios nacionais por teses jurídicas sobre o Sistema S. Foi a educação que me possibilitou ir além, que me deu tudo o que tenho. Hoje falo para os meus filhos, que o maior bem que eu posso lhes deixar é a educação. A quem me pergunta, aconselho que leiam mais, que estudem muito. Hoje meus filhos têm acesso aos livros que quiserem e o meu maior orgulho é quando os vejo lendo, porque enquanto houver amor pelo conhecimento, haverá esperança, não do verbo esperar, mas como ensinava o grande pensador da educação, Paulo Freire, reconhecido internacionalmente, do verbo “esperançar”, de ir atrás, de não desistir, de fazer, de não se conformar, porque também como ensinava esse mestre, a educação não muda o mundo, mas muda as pessoas e pessoas mudam o mundo.

Nota.: Eu não tenho tempo para nada, mas parei para escrever este texto para uma Rave da AVM Educacional, porque quem ama o conhecimento sabe que sempre é tempo de aprender e espero também que a minha história, que não é nada perto de milhares de outras, também ajude pessoas a superarem as suas dificuldades (viu Paulo Costa, promessa cumprida!). “Tudo vale a pena se a alma não é pequena” (Fernando Pessoa).

Cheryl Berno

Advogada, Mestre em Direito Econômico e Social, professora, consultora, palestrante

e mãe do Léo e do Rafa

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