Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

La Putaria: o crepe que incomoda mais do que a fome

Ipanema, um bairro nobre do Rio de Janeiro, conhecido internacionalmente, recebeu uma creperia: “La Putaria”, que vende crepes em forma de pênis e de vagina, com coberturas variadas. São várias lojas pelo mundo. O Ministério da Justiça e da Segurança Pública, rapidamente neste caso, publicou no Diário Oficial da União uma norma proibindo a venda de alimentos com o formato da genitália humana. O letreiro foi tapado e está vedada a venda para menores de 18 anos.

Na mesma rua, há homens, mulheres, idosas, crianças, até meninas grávidas, passando fome, frio, sede e todas as privações. A pobreza atingiu o seu nível mais alto em 6 anos diz Rogério Barbosa, pesquisador da USP, a Universidade Pública de São Paulo. No entanto, não foi a miséria humana que chamou a atenção do Governo e até dos cariocas, que sempre estão à frente das tendências mundiais, foi o tal nome do comércio que causou polêmica.

Passar fome, fazer necessidades ao ar livre, não ter escola, nem dinheiro para pagar a condução, não ter um teto, os desvios do dinheiro público, não chocam. Alguns meses ali perto um homem que vivia na frente da Igreja Nossa Senhora da Paz morreu dentro da padaria, que continuou vendendo as guloseimas mesmo com o corpo estendido no chão do estabelecimento.

Isso é a cara do Brasil que vivemos, de gente muito preocupada com a moral e os bons costumes, que tem amantes, paga prostitutas, rouba dinheiro público, se dizendo “homem de bem”. A família, deus e a pátria são invocadas para fazer cortina de fumaça no preço dos combustíveis, na inflação, no desemprego, na má prestação dos serviços públicos, nas filas digitais do INSS, nos juros altos, nas mazelas que assolam o povo no dia a dia. Indignados deveriam estar os cidadãos “de bem” com o “pibinho” de 1,1% e não com o nome da lojinha da esquina.

Os 667 mil brasileiros que morreram de Covid, muitos porque não tiveram nem a chance da vacina que demorou muito, não causaram este estardalhaço. Atualmente ainda morrem cerca de 100 por dia, muitos não se vacinaram ainda e nem se fala mais no assunto. Mas o formato dos doces ganhou a atenção das elites. Que diferença faz na vida do povo  “La Putaria”? E se estes protestos fossem em prol de mais moradias populares, escolas e saúde de melhor qualidade para o povo? E o Governo não vê que tem mais o que fazer do que censurar o nome do comércio da esquina?

Até quando vamos ficar discutindo a necessidade, ou não, de esconder o nome dos órgãos sexuais e as coisas ligadas ao prazer? Uma portinha em Ipanema não pode criar tanta polêmica em um país onde ainda se morre de fome, de Dengue, por enchentes e com tantos problemas mais graves. A Aline de apenas 4 anos de idade foi baleada na cabeça enquanto comprava pipoca depois da escola, mas sobre isto pouco se fala – mais uma criança na longa lista das tais balas perdidas, que vão sendo esquecidas. O relevante é censurar “La Putaria” da lojinha cor de rosa.

Esta pauta retrógrada de supostos bons costumes precisa ser superada, para que os cidadãos possam discutir o que de fato importa: a desigualdade crescente, não o formato do crepe em pênis e vagina, até porque órgão sexual faz parte da vida de qualquer um, mas a pobreza não. Putaria é gente passando fome em um país tão rico como o Brasil. Isso sim choca.

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