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Ziriguidum 2001: a genialidade de Fernando Pinto ‘no espaço sideral’

Desfile de 1985 da Mocidade: Ziriguidum 2001. Foto: Reprodução/Redes sociais

Estacione a nave-mãe, o primeiro carro alegórico acoplado da história do carnaval carioca (até alguém me dizer o contrário), nessa viagem no tempo. Desse mundo louco, que tem de tudo um pouco, vamos pra lá de 2001, na verdade, 1985, um carnaval nas estrelas. Vamos falar um pouco, naquele bate-papo maneiro, regado a chopp com bastante colarinho e aquele galeto esperto, com um tempero português que o dono guarda a receita num cofre de banco, sob a guarda de 200 seguranças ou algo parecido.

Em 1985, tinha 11 anos, evidente que não guardo tantas e tantas lembranças do que interessa nesse momento, o desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel, “Ziriguidum 2001”, ora! Para isso, mais uma vez, à base de muito chopp, chamo a ajuda do meu amigo cabeça branca para contar um pouco, ou quem sabe bastante, de tudo que cercou aquele que considero o momento de maior genialidade na Avenida, promovido por um dos maiores talentos que, não só o carnaval, mas a cultura brasileira revelou: Fernando Pinto, o tropicalista, o multiartista, o gênio.

Dia desses, dei um pulinho em Padre Miguel, no Ponto Chic, para colocar a conversa em dia e, claro, aprender um pouco mais sobre o carnaval carioca, em especial, mais um pouco sobre a minha escola de samba, Mocidade Independente de Padre Miguel. Sentamos eu e Mais Véio em um restaurante perto da Kibon, que serve um galeto bastante honesto e com um chopp bem tirado. O gente boa da cabeça branca é saudosista, gosta de falar. Fala, fala, fala e, volta e meia, preciso colocar um freio para sermos um pouco, pelo menos, objetivos.

– Caramba, Mais Véio! Vim falar contigo sobre “Ziriguidum 2001”. Tá disposto a contar um pouco sobre esse desfile, mas sem se alongar muito? Sabe que você fala à beça, né?

– Falo e você gosta de ouvir. Para isso, você tem duas orelhas nessa cabeça feia. Para ouvir. Então ouve aí, que lá vem muita história. Lá pelos idos de 1984, depois da Mocidade ter feito um desfile extraordinário com o maroto enredo “Mamãe, eu quero Manaus”, Fernando Pinto teve a ideia: “O carnaval brasileiro levado para outras galáxias”. Na hora, você não se liga, não tem nem noção do quanto o bicho era criativo. Criativo? O cara era gênio. Se você observasse os enredos das outras escolas, era tudo mais ou menos o óbvio, se não mais ou menos, mais do mesmo. Muitas vezes, enredos biográficos, CEP, sobre o carnaval ou fatos históricos, muito bem contados e desenvolvidos na Avenida, por artistas fantásticos como Júlio Mattos, Arlindo Rodrigues, Max Lopes e tantos outros, mas que não se afastavam do que era feito desde 1960. Reparou que não falei no nome de Joãozinho Trinta? Porque ele era tão gênio quanto Fernando e seus enredos, mesmo que falasse sobre o perrengue do trabalhador na sua luta do dia-a-dia, tudo era feito de forma tão criativa, que você nem se dava conta de que estava contanto um tema banal, às vezes.

O velho dá um gole no chopp, puxa um cigarro do bolso, hábito que, por mais que eu fale, não abandona, e desanda a falar de novo:

– A ideia do enredo já estava lá e o nome também: “Requebros imediatos do terceiro grau”, uma referência ao filme, que vi, em 1977, no antigo Cine Pax, em Realengo, que funcionava do lado do Gil Vicente (“Entra burro e sai demente”, coisas que os jovens politicamente incorretos dos anos 60, 70 e 80 falavam). “Contatos imediatos do terceiro grau” era o nome do filme. Chiquinho Pastel, que hoje atende por Chiquinho do Babado, que era o diretor de carnaval na época, vetou. Então tínhamos enredo, mas não tínhamos nome do enredo e isso durou vários meses até chegasse a um que desse rima, essa era a ideia: “Ziriguidum 2001 – Um carnaval nas estrelas”. Fernando era gênio, cara. Várias ideias, talvez milhares delas, passassem por sua cabeça naquele momento, mas era necessário dar um ordenamento nelas, dar liga nas ideias que vinham na sua cachola. Para isso, assistiu ao filme “Flash Gordon”. Você viu esse filme? – Não, mas lembro que, quando era criança, tinha um álbum de figurinhas do Flash Gordon. Deve ter feito sucesso esse filme.

– Então, nesse filme, o herói, o tal Flash Gordon, é um jogador de polo, esporte de quem tem dinheiro, pelo menos no Brasil, graduado por Yale, “o” brabo, enfim, que viaja na companhia da gostosa Dale Arden. Ainda pode falar “gostosa”? E do cientista Hans Zarkov para o ameaçador e cabuloso planeta Mongo, que estava em rota de colisão com a Terra. Fernando também leu o livro que deu origem a “2001, uma odisseia no espaço”, de Arthur C. Clarke, e de “Eu, robô”, de Isaac Asimov, que rendeu um bom filme com Will Smith. Se liga na ideia: seria uma viagem fantástica. A bordo de uma nave espacial, a Mocidade visitaria todos os planetas do sistema solar e, em cada um deles, apresentaria uma festa tradicional brasileira, da nossa cultura. No ano de 2001, que estava longe pra dedéu de 1985, cada planeta ia incorporar o espírito da festa brasileira. A partir de então seria realizado o primeiro carnaval cósmico da história do universo, isso segundo a mente brilhante toda vida de Fernando Pinto. Você seria capaz de pensar algo parecido? Eu, com certeza, não. Olha a sinopse que o cara bolou: curtinha toda vida, mas concisa e bastante original. Hoje é comum carnavalescos delegarem a missão de desenvolver a sinopse a terceiros, ao Departamento Cultural ou a quem quer que seja, desde que não seja ele. Alguns, como Leandro Vieira, outra mente brilhante, ainda escrevem sinopses, e brilhantes por sinal. Nesse caso, da sinopse da Mocidade, para mim é como se o próprio Deus escrevesse ele mesmo a Bíblia, não delegasse a missão para nenhum de seus discípulos:

“A Nave-Mãe da Mocidade Independente partiu para o espaço sideral levando com seu samba, toda alegria, beleza e as cores do nosso carnaval.

Em todos os planetas por onde passou foi plantando as nossas raízes carnavalescas e os povos de todo universo, foram influenciados pela nossa cultura popular, passando também a festejar à Momo. Era o grande dia do Carnaval Universal. Quando era carnaval na Terra, no Brasil, era também carnaval em toda galáxia. Em nosso Sistema Solar podia-se ver Corsos, Ranchos, Caboclinhos, Bumba-Meu-Boi, Frevos, Afoxés, Fandangos, Reisados e Maracatus, todos espaciais, que lembravam em seus trajes e alegorias extraterrenas as fantasias do nosso folclore. Era o início de grande miscigenação cultural. Pierrôs lunares, Colombinas Siderais, Arlequins Cósmicos brincavam e sambavam sobre gigantescos e animalescos robôs em corso, pelos mares da lua. Todo universo enfim, festejava alegremente o nosso carnaval, fruto da semente plantada pelos sambistas da Mocidade Independente de Padre Miguel com sua nave-mãe interplanetária, com o seu Ziriguidum 2001”.

– Narigudo, se liga em como Fernando dividiu o desfile da escola. Anotei aqui, porque não sou bobo nem nada. Meu irmão, o cara viajava mesmo. Vamos lá: “Corso dos mares da Lua”, “Rancho da Primavera Vênus”, “Caboclinhos marcianos”, “Boi-robô de Saturno”, Frevo uraniano”, “Afoxé dos Filhos de Plutão”, “Júpiter e os fandangos siderais”, “Reisado de Netuno” e, por fim, mas não menos importante, “Pirilampos de Mercúrio”. Você sabia que o primeiro carro acoplado da história do carnaval foi nesse desfile? Se hoje é praticamente regra haver vários carros acoplados, gigantescos, a primeira vez, até que alguém me prove o contrário, foi em 1985. Eram três carros que deveriam engatar na Avenida, antes do desfile. Chiquinho Pastel, nada de Chiquinho do Babado, é Chiquinho Pastel, disse uma vez que a ideia era mostrar uma escola em cima da outra, com casal de mestre-sala e porta-bandeira, além de baianas. Fernando quis porque quis que só mulheres negras nesse carro. E ponto final. “Chico, olha, eu só quero baiana negra para ficar em cima do carro”, contou o dono da loja Babado da Folia. Só que nessa ele ganhou uma encrenca sabe com quem? Com a Beth. Que Beth? Andrade, nora do hômi!. Ela queria que a irmã viesse nesse carro, como destaque. Ganhou um intergaláctico e sonoro NÃO. Chiquinho falou o seguinte: “No dia do desfile, quando o carro saiu do antigo barracão da escola, já na Avenida, o Fernando puxou a mim e a uma senhorinha negra. Olhei pra ele com uma cara de susto e comecei a rir. Daí o Fernando explicou: – Tá vendo só? É essa a gargalhada que vai ter na Avenida. Você entendeu agora por que eu não queria branco? Gente negra, com roupa amarelo-ouro, já gritou, com a cara pintada de amarelo, não é um ser de outro mundo? ”.

– Agora toda vez que a gente marcar para ter essa resenha, esse tipo de assunto, vou trazer jornais e revistas da época para relembrar contigo esse período. Sou da antiga. Sei, tô sabendo que a Biblioteca Nacional disponibiliza esse acervo todo de forma digital, mas eu sou assim, pelo menos nessa parte. Se deixei de lado uma parte do meu acervo de lps e cds e migrei para o Spotify, ainda prefiro o livro físico, revistas e jornais de papel e não de jornal.

– Ideia interessante essa. Também tinha muitos registros da época. Tinha a capa do Globo quando a Mocidade ganhou o Estandarte de melhor escola em 1991: “A água virou ouro” era o título. Tudo se perdeu, infelizmente. Não tive o mesmo cuidado e carinho que você. Uma pena. Acredita que eu tinha o ingresso do jogo de despedida do Zico, em 1990? Também não sei onde está, mas, ao menos, tenho o álbum de figurinhas do campeonato carioca de 1988. Deixa eu dar uma olhada nesse O Globo que você trouxe. Vou ver o jornal todo, até porque gosto de relembrar ou conhecer fatos interessantes do passado, do cotidiano da cidade, do futebol. “Zico prepara volta ao futebol brasileiro”. Para quem anda chorando a saída do Rafinha, não sabe como foi doloroso ver o maior ídolo da história do Flamengo ir embora. Isso sim foi osso. O cara tinha propostas de outros clubes da Itália, aqui diz que até do Real Madrid, mas preferiu voltar para o Flamengo. Outros tempos, né? Amor à camisa era o que falavam. O Vasco deu uma piaba de 5 x 3 no Fluminense, pouco tempo depois de perder o Brasileiro para o tricolor. Época em que o campeonato carioca tinha valor.

– Por falar em futebol, não sei se você se lembra. Era tradicional o Bloco das Piranhas em Madureira, formado por jogadores de futebol e por quem quisesse chegar junto, na simpatia. A estrela máxima, destaque do bloco era Moisés, xerifão que jogou no Bangu, Vasco, brabo toda vida. De bustiê de lantejoulas rosas, sombra, rouge, lápis de sobrancelha, batom vermelho e saia prateada, foi perguntado pelo repórter se tinha algum medo de perder sua liderança por sair de mulher no carnaval: “Eles sabem quem é o valente da área. Só quem se fantasia de homem o ano todo é que diz que quem se fantasia de mulher no carnaval para curtir o carnaval joga nas duas pontas”. Não sei se você pegou essa época ou se você é da geração Netflix, mas houve um tempo em que havia videolocadoras, onde a gente alugava fitas de vídeo. Sabe quais eram os filmes mais alugados naquele período? “Loucademia de Polícia”, “Moscou em Nova Iorque”, “Conan II”, Purple Rain” e “Era uma vez na América”. Acho que a música mais tocada naquele ano foi “We are the world”, junto com “Careless Whispers”, com o George Michael e “Dona”, do Roupa Nova, muito por conta da novela, né? Roque Santeiro. Acho que foi o maior sucesso da TV brasileira.

(Olha o Bloco das Piranhas aí. No centro, de peruca loura, o Moisés. Reconheço o Brito, zagueirão da seleção de 70 também)

– Deixa eu dar uma olhada na parte da TV. Era criança nessa época. Deixa eu lembrar os programas que faziam sucesso então e que eu via, é claro. Sabia que eu assistia a TVE? Nem sei que nome tem hoje, mas passava a manhã quase toda vendo esse canal. Olha só: “As aventuras do Tio Maneco” e Daniel Azulay, que nos deixou recentemente, assim como Flávio Migliaccio, que dava vida ao tal Tio Maneco. Gostava muito. “Plim Plim”, você se lembra? Das mãos mágicas. Na TV do Sílvio Santos tinha um programa estranhíssimo, chamado TV Pow, com o Sérgio Mallandro. Era um videogame no qual alguém, pelo telefone, tentava acertar um alvo, gritando Pow, ou melhor, “pau”. E o tempo passa rápido mesmo, não é? Olha essa nota aqui: diz que a Cléo brinca em seu segundo carnaval vestida de havaiana. Que Cléo? Pires, que hoje é um mulherão da porra. Só para terminar essa parte off-carnaval, olha o filme que a Globo ia exibir no domingo de carnaval: “Os vagabundos trapalhões”. Cara, vi muitos filmes deles no cinema.

– Beleza, foi muito bom relembrar isso tudo, mas vamos voltar para o assunto “carnaval”. Nesse mesmo jornal dizia que a Mocidade se preparou para desfilar à noite e se preparou para isso, com holofotes, canhões de luz, que simbolizariam o brilho dos cometas. Claro que, pelo horário que a escola ia entrar na Avenida, depois do sorteio definido, nada disso ia poder ser utilizado, já que desfilaria de dia, com o sol rachando o coco. Mesmo assim, levariam neon, pisca-pisca e apelaria para o prateado, de maneira bastante inteligente, já que assim refletiria a luz solar e brilharia bastante. Literalmente. Chafarizes de verdade jorrariam na Passarela para simbolizar a festa da primavera em Vênus. O Sol nasceria na Sapucaí, elevando-se a uma altura de 27 metros.

– Tempo de abundância na época, não é? Castor não arregrava no dinheiro, nem para a Mocidade, nem para o Bangu. E pensar que a gente perdeu o Brasileiro daquele ano nos pênaltis e fomos garfados no Estadual…

(O timaço do Bangu de 1985, com o cracaço e injustiçado Marinho, que nos deixou recentemente, e Castor à frente. Até hoje lamento como perdemos aquele título…)

– Chiquinho Pastel falou que, claro que em tom de brincadeira, que o Doutor Castor até tentou contratar uns marcianos, de verdade, para desfilar na escola naquele ano, mas não conseguiu encontra-los aqui no Rio. Acho que não procurou direito…kkkkkk. Hoje em dia, nem tanto, mas as escolas se valiam de vários artifícios para, vamos dizer assim, ganhar vantagem sobre as demais. Qual foi a ideia da Mangueira, que desfilaria antes da Mocidade? Dizia que iria contratar dois trios elétricos para que, tão logo seu desfile terminasse, tentasse levar o povão da Passarela do Samba até à Cinelândia e, com isso, esvaziaria a apresentação show da Mocidade. “A Mangueira fica anunciando essas coisas, mas temos um disco voador que vai neutralizar o samba dela”, disse o Chiquinho. A Mangueira tinha um sambaço. Te digo que sou muito fã do samba da verde e rosa naquele ano. Sabia que o Jamelão não puxou, ou melhor, interpretou o samba da Mangueira na Avenida naquele ano? Foi o Jurandir, outro grande compositor e intérprete.

– Fernando era danado. Pensava nos mínimos detalhes, era perfeccionista, não por acaso, genial. Na época, ele disse que usaria vários tons de verde para combinar com o prateado e o dourado. Mandou trazer de fora tecido importado. “As baianas precisam ser baianas extraterrenas”, falou e, por isso, desenhou suas fantasias meio gente, meio insetos. Achava que elas ficariam contentes com o resultado final, porque, além de capacetes, ganhariam asas. Olha aí: foram 102 criações, oitenta tipos diferentes de fantasias, figurinos para trinta alas, 25 destaques, além de roupa para a diretoria, ritmistas, passistas e para o pessoal da bateria. Além disso, fez 22 carretas e carros alegóricos. Para o pessoal da bateria, comandado por Mestre Bira, com o auxílio luxuoso de Jorjão, o Fernando queria que eles, os ritmistas, viessem como argonautas, astronautas ou viajantes de outra dimensão. Já falei, o cara pensava em tudo, tudo mesmo, até mesmo para que o componente se sentisse bem, confortável com a fantasia. Para que os capacetes dos ritmistas pudessem ser utilizados, mandou fazer buracos nas laterais, para não haver eco. A fantasia, como um todo, deveria dar mobilidade, facilitando para que o cara tocasse o instrumento e, mesmo assim, passasse a imagem de alguém recém-chegado de outro mundo. Olha até onde ia a imaginação, a mente do cara…. Gênio toda vida.

– Mais véio, muita gente é fãzona desse samba de 85 da Mocidade. Te confesso, até meio envergonhado, como torcedor da escola, natural lá de Padre Miguel que sou, que não curto muito esse samba não, com perdão ao grande Tiãozinho.

– Como você falou: muita gente gosta. Tanto que o Marcelo de Mello, jornalista do Globo, escritor, lançou um livro contando a história de quinze sambas-de-enredo imortais. Por sorte, trouxe ele aqui pra gente dar uma olhada. Grande livro por sinal: “Enredo do meu samba”. Nesse mesmo livro, o Tiãozinho contou que, de início, tinha achado uma insanidade, uma maluquice a ideia da Mocidade sair de Padre Miguel e levar o carnaval para outros planetas. O Gibi, autor de sambaços da Imperatriz, como “Martim Cererê” e “O teu cabelo não nega”, com outro gênio, Zé Katimba, era um dos autores do samba da Mocidade nesse ano, da parceria do Tiãozinho. Quando ele ouviu do Tiãozinho que aquela ideia era uma loucura, na hora veio o estalo: “Vou avançar no tempo/E vou devanear/E desse mundo louco/De tudo um pouco/Vou levar pra lá”. Claro que depois os versos foram ajeitados, chegando à letra final, imortalizada na voz de Ney Vianna. “Alô, meu povão de Padre Migueeellll! Vamos láaaaa!”. O Tiãozinho disse que, quando estavam em uma loja de material de carnaval no Centro do Rio, quem sabe não era a Turuna (secular, que fechou recentemente?), quando os dois tiveram a ideia de aproveitar uma parte do trecho sugerido pelo Gibi para começar o samba, mas com uma melodia mais “valente”. Tiãozinho falou que a ideia era dar logo uma porrada.

“Desse mundo louco/De tudo um pouco/Eu vou levar pra 2001/Avançar no tempo/E nas estrelas fazer meu Ziriguidum”. Ali, no pátio da Paróquia de São José Operário, perto do CRI, em Realengo, você sabe, surgiram os versos: “Até os astros irradiam mais fulgor/A própria vida de alegria se enfeitou/Está em festa o espaço sideral/Vibra o universo/Oi, é carnaval”. Outra parte do samba veio de uma música que o Tiãozinho compôs para animar as peladas do CEPEL, Centro de Pesquisas de Energia Elétrica, onde ele trabalhou por 23 anos. A letra era assim: “Quero ver meu time ganhar”. Tiãozinho aproveitou essa parte do samba para escrever alguns dos mais belos versos do samba-enredo: “Quero ver no céu minha estrela brilhar/Escrever meus versos na luz do luar”.

– Esse LP de 1985, das escolas, para mim, junto com o de 1993, foi uma das melhores gravações dos sambas de todos os tempos. Acho que não só pela qualidade de uma boa parte dos sambas, mas pela gravação mesmo. Foi o último em que a Top Tape gravou todas escolas do grupo principal. Os sambas começavam com alusivos. O da Mocidade era um trecho de “Cartão de Identidade”, de Djalma Crill e Jorge Carioca. Quem não sabe cantar, ao menos esse trecho? “Mostrando a minha identidade, eu posso provar a verdade a essa gente, como eu sou da Mocidade Independente….”.

– Pois é, garoto… que não é tão garoto assim, se, em outros momentos, faltou para a Mocidade um samba à altura, compatível com a grandeza do desfile apresentado, acho que o maior exemplo é “Tupinicópolis”, que me perdoe quem gosta desse samba, em 1985 ninguém poderia se queixar. Um samba certinho, redondo, ajeitado, feito sob medida para o espetáculo genial que o Fernando anunciava.

– Olha…, gostei mesmo dessa resenha. Tinha onze anos na época, lembro um pouco do que rolava então, até porque morava em Padre Miguel, mas foi muito bacana, muito legal mesmo reviver tudo isso. Acho que, quando chegar em casa, mais tarde, vou colocar no Youtube o desfile da Mocidade de 1985 para rever. Depois disso tudo, você passa a ver, enxergar esse mesmo desfile de outra forma.

– Que bom que gostou. Para mim é sempre bom, sempre um prazer relembrar esses momentos, que, em muitos casos, se confundem até mesmo com minha própria vida. Vivi muito disso aí. Ficamos por aqui então e até a próxima!

– Até a próxima. Fica ligado, porque vou ser mais exigente na próxima vez… Deixa só eu matar esse chopp aqui, que já estava virando foco de mosquito da dengue, água parada. Um abraço, irmão!
– Até mais! Um abraço!

*Mais uma vez, não custa lembrar, todos os diálogos aqui relatados são fictícios, porém, tudo é real, informações extraídas de periódicos da época e de livros como os extraordinários “Estrela que me faz sonhar”, da jornalista Bárbara Pereira; “Enredo do meu samba”, de Marcelo de Mello, e “Apoteótico: os maiores carnavais de todos os tempos”, de Jorge Renato Ramos.

Sobre o autor

Natural de Padre Miguel, Jorge Renato Ramos é pesquisador, bacharel em Letras/Francês (UFRJ/UERJ) e autor da série de livros “Apoteótico: os maiores Carnavais de todos os tempos”.










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