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Yes, nós temos Mangueira! O supercampeonato apoteótico da aniversariante verde e rosa

Mangueira 1984. Foto: Gabriel Carin e André Silva Cruz

Hoje, 28 de abril, a Estação Primeira de Mangueira completa 92 anos de glórias. Como forma de homenagem, a lembrança de um dos maiores desfiles da era Sambódromo, e logo no ano de sua inauguração, 1984. Todos sabem que uma apresentação de escola de samba é linear, sequencial, que essa forma de desfilar é imprescindível para o entendimento do enredo. Porém, com o projeto divulgado e a Passarela ganhando forma, Darcy Ribeiro, vice-governador (apelidado ironicamente por alguns como “Vice-Rei Momo”) anunciou que as escolas deveriam encerrar seus desfiles em um “Grand Finale”, no estilo das óperas tradicionais, sendo obrigadas a fazer algo “espetacular” naquele espaço um final “apoteótico”. E o nome pegou: “Praça da Apoteose”.

O mundo do samba ficou perplexo. Diante das críticas, de nomes como Fernando Pamplona, que, indignado, afirmou que o vice-governador estava agindo como um Luís XV, Darcy, extasiado, exultante com a sua criação, exclamou: “Oba! ”, gritou várias vezes com uma cartola na mão. “Isso não é uma apoteose, é um orgasmo e fui em quem inventou! “. Mas o que fazer com um espaço com quase o dobro da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema? Na verdade, escola alguma soube. Componentes andavam em círculos, abriam uma roda e se dispersavam.
A verde e rosa, última agremiação a desfilar naquele ano, já havia pensado, planejado o que faria: assim que encerrasse sua apresentação, retornaria pela pista, no sentido inverso, em direção à concentração. Um final literalmente apoteótico. O público, misturado com componentes, ritmistas, destaques, brincando o carnaval ao som do belíssimo samba composto por Jurandir, Jajá, Arroz, Comprido e pelo maior compositor (de sambas-de-enredo) da história da Estação Primeira: Hélio Turco. Um momento mágico na história do carnaval carioca, que lembramos agora:

A Estação Primeira de Mangueira, a verde e rosa, amargava seu mais longo jejum de títulos. Desde 1973, quando venceu com “Lendas do Abaeté”, não conquistava o primeiro lugar no grupo das grandes escolas. E, para o ano de 1984, ainda tinha mais um abacaxi para descascar: como lidar com a imensidão da “Praça do Apocalipse”? Simples para eles, que conhecem tão bem carnaval, que durante tanto tempo, em meio ao luxo e grandes alegorias, foram resistência, com seu “samba autêntico”. O enredo naquele ano homenageava Braguinha, o João de Barro, autor de diversas e inesquecíveis marchinhas, que representava, como ninguém, o espírito carioca. E o próprio Braguinha vinha naquela que foi a mais bela alegoria do ano de 1984. Nada de raios laser, neon, espelho no teto, nada disso. Simplesmente a figura viva de João de Barro, sentado no banco da praça, embaixo de uma “árvore da vida”. Emocionado, chorando muito, com os lábios tremendo, dizia: “Não é fácil aguentar, não é fácil”. Assim como Braguinha, muitos, ao verem a cena, seja ao vivo ou pela TV, também se emocionaram.

Outra que demonstrou grande emoção com o belo desfile da Mangueira que se iniciava foi Dona Zica, esposa de Cartola. Encostou em uma grade, fechou seus olhos e chorou. Antes de iniciar seu desfile, o presidente da escola, Djalma dos Santos, deu o recado aos componentes da verde e rosa, no carro de som: “Alô, Mangueira! Suas baianas, suas pastoras e suas crianças já dizem o teu enredo. Esquenta os nossos tamborins, agogôs, cuícas, caixas, taróis, pandeiros e repiniques. Aguenta, coração mangueirense! A nação verde e rosa vai desfilar. Cartola, leva a tua escola. Explode, Mangueira!”. Às 8h da manhã, saudada por uma queima de fogos, a Mangueira entrou na avenida, ao som de muitas palmas. A comissão de frente veio elegantemente vestida, de terno branco, camisa verde, com chapéu de palha com fita rosa.

Mangueira 1984. Foto: Paulo Moreira

Na parte referente às festas juninas, bandeirinhas, lanternas, cerca de bambu, balões e uma alegoria interessante, com um boneco representando o “Mané Fogueteiro”, nome de uma música de João de Barro. Artistas, como Rosemary (acompanhada de seu fiel parceiro, Gargalhada) e Beth Carvalho, além de jogadores de futebol, desfilavam entre as alas. Dona Neuma veio à frente da ala das crianças. Delegado parecia fazer a melhor exibição de sua vida, ciente de que seria a última como mestre-sala da Mangueira, após tantos anos e tantas notas 10 colecionadas. Mocinha, sensacional porta-bandeira, que sucedeu a inesquecível Neide, era a sua companheira.

“Carnaval, o povo vibra de alegria”, cantava mestre Jamelão o maravilhoso samba-enredo, composto por Hélio Turco, Jurandir, Comprido, Arroz e Jajá, e o povão nas arquibancadas cantava junto, pulando, vibrando de alegria, como dizia a letra do samba. A Mangueira veio vestida predominantemente em verde e rosa, mas com suas cores destacadas. Ou fantasias em verde ou em rosa. Assim como a Beija-Flor, que sempre veio com seus carros alegóricos, repletos de belas mulatas, a verde e rosa resolveu fazer o mesmo, mas elas apenas faziam figuração para a cantora Marlene. Alcione, a Marrom, veio animando a ala das baianas. André Gasparetti, como Gal Costa, veio no carro que representava a música “Balancê”, de Braguinha, grande sucesso na voz da cantora baiana.

A Chiquita Bacana, outro grande sucesso de João de Barro, era representada por Wilma Dias, a “moça da banana”, que durante muitos anos esteve à frente da bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel. De biquíni, com plumas douradas, surgia no meio de bananeiras, sendo ameaçada por um enorme gorila, com meio palmo de língua vermelha para fora. Para simbolizar a música “Tem gato na tuba”, uma ideia irreverente: o “gato na tuba” tinha a cara de Delfim Netto. A Mangueira foi a segunda escola naquele desfile que “homenageou” o ministro. Terezinha Sodré, atriz, figurinha fácil nos desfiles da Mangueira, sambava com uma fantasia rosa shocking. O cantor Sidnei Magal era o toureiro, na parte do desfile em referência a “Touradas em Madrid”, sucesso de Braguinha.

Piratas de perna de pau vieram em uma galera, que parecia de verdade. A bateria, pela primeira vez sem a presença de Mestre Valdomiro, falecido no ano anterior, mantinha firme o ritmo. Por falar em bateria, foi muito criticada a decisão, da harmonia da escola, dos componentes da bateria não entrarem no primeiro recuo e avançarem junto com a agremiação, quando, o correto, seria entrar quando já passou um terço da escola, ficar lá até que outro 1/3 passasse e, daí então, sair. O fato é que, até a metade, o desfile da verde e rosa foi perfeito. A partir do trecho em referência a “Touradas em Madrid”, o desfile caiu muito em qualidade. Veio uma ala de passo marcado, vários buracos foram abertos. A escola correu para completa-los.

Mangueira 1984. Foto: Reprodução

Fernando Pamplona, que comentava o carnaval pela Manchete, afirmou que o desfile da Mangueira era “excepcional”, “era carnaval”, “era samba”. É preciso que se faça justiça e reverencie Max Lopes, o “mago das cores”, que preparou um desfile leve, com fantasias de muito bom gosto e alegorias criativas. Um dos grandes responsáveis pelo título da verde e rosa naquele ano. Ao chegar à Praça da Apoteose, completando o seu desfile, a Mangueira retornou no sentido inverso, fazendo um novo desfile, dessa vez acompanhada do povão. Beth Carvalho, ainda na concentração, já havia revelado a “surpresa” que a verde e rosa havia preparado. Era isso mesmo, ela completaria seu desfile, depois retornaria pela pista. Momento mais apoteótico, impossível.

Braguinha, ainda sentado no banquinho da praça, embaixo da mangueira, recebia o carinho de populares. Baianas, passistas, puxadores, todos se misturavam com o povo, com a multidão, com o imenso bloco formado para aproveitar os últimos momentos daquele carnaval. Em termos de abertura política, redemocratização do país, nada mais democrático do que permitir que uma festa, limitada a quem pode pagar, seja invadida por quem não pode, mas ama de verdade o universo dos desfiles das escolas de samba. Dona Neuma, que antes do desfile ironizava (com justa razão) a Apoteose, no calor daquele momento, parecia ter mudado de ideia: “Nós não entendíamos o Darcy porque ele é muito inteligente e nós somos ignorantes. A Apoteose é o show final de todo espetáculo. Ópera é isso, teatro, balé. Era isso que ele queria”, afirmou.

A decisão da escola retornar e fazer um novo desfile foi de Pedro Paulo Lopes, na época diretor de carnaval da Mangueira. Ele havia tido essa ideia no início de fevereiro daquele ano. Segundo ele, a escola seria a última a desfilar, precisaria fazer algo para “sacudir o pessoal da arquibancada”. “Há mais de vinte anos toda escola que fechava um dia de desfile vivia o mesmo problema”, afirmou. Ainda na avenida, com a Mangueira fazendo um excepcional desfile, os diretores se perguntavam: “Vai dar? ”. Claro que deu. Por volta das 9h 30 min, a Mangueira atravessou totalmente os 700 metros de pista, entrou na Apoteose, evoluiu em círculo, e se posicionou na boca da Praça e começou a atravessar a pista, indo na contramão, da história inclusive. “Por que ninguém pensou nisso antes”, era a pergunta. Multidões desciam das arquibancadas. Pais, filhos, mães com crianças de colo, vovós, vovôs. Passistas, baianas beijavam e abraçavam familiares. O mais belo bloco que desfilou no Rio de Janeiro estava formado e esse momento eternizado na memória de muitos e na história do carnaval brasileiro.

Mangueira 1984. Foto: Gabriel Carin e André Silva Cruz

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