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‘Doutor Castor’, por Jorge Renato Ramos

Castor de Andrade. Foto: Reprodução

Recentemente, uma série, produzida pela equipe de esportes da Globo, disponível no Globoplay, causou um tremendo alvoroço. Só se falava nisso. “Doutor Castor” narra a relação entre o bicheiro Castor de Andrade e o Bangu Atlético Clube, além da Mocidade Independente de Padre Miguel. Não vou falar sobre a série em si, mas, sim, sobre o seu protagonista, mais especificamente minha visão, como morador da Zona Oeste do Rio, sobre um dos maiores personagens da história da cidade do Rio de Janeiro.

Sou natural lá de Padre Miguel, era quase vizinho da quadra da Mocidade. Morava muito perto do Estádio Proletário, mais conhecido como “Moça Bonita”, campo do Bangu Atlético Clube. Já vi muitos jogos em cima das inúmeras tamarindeiras da Praça Guilherme da Silveira, outro grande carioca, antigo proprietário da Fábrica Bangu.

Castor chegou à Mocidade às vésperas do carnaval de 1974. Contratou Arlindo Rodrigues e ajudou transformar a então pequena escola, uma bateria cercada por sambistas por todos os lados, como diziam, em uma super agremiação do Rio. Não fosse vergonhosamente garfada, já seria campeã naquele ano.
Em 1980, chega ao Bangu Atlético Clube, elevando o clube a um patamar muito acima do qual estava acostumado, principalmente após o campeonato carioca de 1966 e o vice de 1967.

Isso todo mundo sabe. Mas como o morador de Padre Miguel, Bangu, Realengo via Castor de Andrade na época. Eu era criança, adolescente nesse período e eu o via como alguém que tinha muito dinheiro e que era o dono do Bangu e da Mocidade, se não de direito, de fato. Alguém inacessível, quase invisível. Só vi Castor uma vez, numa festa de dia das crianças na Igreja do Padre Paulo, em Padre Miguel. Só. Diziam que ele tinha uma agência de automóveis na Rua Francisco Real. Sempre que passava por lá, alguém falava: “é a loja de carros do Castor”. Da mesma forma, falavam que a Feital, empresa dos ônibus mais sem vergonha que vi na vida, também era do contraventor, assim como várias e várias empresas, lojas etc.

Não enxergava limite no seu poder financeiro. Na final do Brasileiro de 1985, entre Bangu e Coritiba, Castor alugou um trem da RFFSA (depois CBTU, agora Supervia) para levar os torcedores para o Maracanã. Ele também fazia isso em dias de desfile da Mocidade. O cara alugava um trem. Se não alugava, usava sua influência para que saísse um trem vazio, em determinado horário, da estação de Padre Miguel para levar torcedores ou componentes.

Mesmo ainda criança ou adolescente, não entendia muito bem como a Mocidade poderia ter um presidente, como Osman Pereira Leite ou Olímpio Correia (o Gaúcho), se quem mandava ali era o Castor. No Bangu, nem lembro o nome dos presidentes nesse período. Figuras decorativas.

A série revela, para quem não conhece ou conheceu, o outro lado da história, totalmente avessa à figura do patrono querido, carismático; os crimes relacionados à sua atuação como contraventor. Para mim, acredito que para a maioria que mora ou morou nas imediações de Padre Miguel ou Bangu, nunca passou pela cabeça a imagem do Castor criminoso. Para nós não era um criminoso, mas sim alguém que fortalecia, com seu dinheiro e poder, instituições símbolos da região, como o Bangu e a Mocidade. Nos colocava no mapa, sentíamos orgulho disso. Nos sentíamos, um pouco, representados ali e o responsável por isso, então, era o Castor. Mais tarde, mais velho, com mais discernimento, você vê que, de fato, havia o outro lado da história. Não existe almoço grátis.

É inegável que, por trás da figura querida, carismática de Castor, o mais popular, junto com Natal, dentre os banqueiros de jogo de bicho do Rio de Janeiro, havia o contraventor, o criminoso, mas, da mesma forma, não se pode negar, na verdade devemos afirmar, que tanto a Mocidade, quanto o Bangu, jamais conseguiriam o status que atingiram, durante um curto ou médio tempo, sem o aporte financeiro inicial de Castor de Andrade. Em 1966, ano do último título carioca do clube, Castor era vice-presidente de futebol. Chegou a invadir o gramado do Maracanã, arma em punho, no jogo contra o América, vencido pelo Bangu com um gol de pênalti aos 45 do segundo tempo. A Mocidade, talvez, o que seria hoje? Uma escola média, uma escola pequena? Lembrar que, até 1974, muita gente propunha a união entre as duas agremiações do bairro, a Unidos, o “Boi Vermelho” e a Mocidade, tal qual aconteceu com a Unidos da Capela e Aprendizes de Lucas.

Herói ou bandido? As duas coisas. Um anti-herói talvez seja a definição exata, o protagonista de uma obra sem as virtudes e as qualidades do herói tradicional. “O que os olhos enxergam coração não vê” diz a letra de “Falso herói”, de Cléber Augusto, Bicudo e Djalma Falcão, sucesso com o Fundo de Quintal.

Abaixo uma passagem marcante com Castor de Andrade, na concentração da Mocidade, desfile de 1992, “Sonhar não custa nada ou quase nada”, em que o contraventor promoveu uma festa, com direito a bolo gigante, cascata de camarões, para comemorar seu aniversário, o aniversário da escola e, antecipadamente, o “tricampeonato” da Mocidade, que já dava como certa a conquista do título. Entraram de sapato alto na Avenida e, além disso, não contavam com o sensacional e inesquecível desfile da Estácio naquele ano.

A Mocidade, que, até 1990, só tinha dois títulos, ganhou logo dois na sequência, em 1990 e 1991, e, como se costuma dizer, entrou de sapato alto no dia do seu desfile, parecendo que não havia outras escolas na disputa, com gente tão competente quanto. O tri era certo, o negócio era pensar no tetra, para igualar o Império Serrano, que ganhou quatro campeonatos consecutivos, entre 1948 e certeza 1951. A da vitória estava clara, seja no rosto dos componentes, na atitude de alguns diretores ou da própria cúpula da escola. Ainda na concentração, a Mocidade fez uma grande festa, para comemorar antecipadamente o título, segundo alguns, e os quarenta anos de samba da escola. Um enorme bolo, com 1,20 de comprimento, por 70 cm de largura, foi encomendado, bem como uma cascata de camarões, além de caviar e champanhe francês. Uma roda de samba foi improvisada, em torno do carro de som, com a participação de compositores da escola, além da presença do então todo poderoso da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Bem descontraído e à vontade, Castor de Andrade, o mais carismático dentre todos os capos da contravenção (e quem bancou aquela festa), cantava e batucava numa mesa. Num determinado momento, pediu a Nilton Santa Branca, um dos maiores violonistas do Brasil, com seu violão de sete cordas, para tocar uma de seus sambas preferidos, “Velhice”, de Toco (poeta maior da escola), de lindos versos: “Quantas mágoas em meu peito/Meu sofrer não tem mais jeito/Eu já não sei o que faço/É tão grande o meu cansaço/A velhice vem chegando/Sei que vou morrer cantando/Eu vou deixar minha viola/E os sambas que faço já não sei pra quem/Vou deixar neste mundo a tristeza/Por saber que ninguém é de ninguém”. A roda de samba começou por volta das 23h, na concentração, durando até às 23h 45min, horário em que a escola começou a se preparar para entrar na avenida. A escola acabou se perdendo um pouco no horário, com seus festejos, e o bolo acabou não sendo cortado. Teve que ser retirado, às pressas, para a passagem do abre-alas. Simples: estava atrapalhando e Castor mandou retirar o carro com o bolo da festa do caminho. A cascata de camarões, o caviar e a champanhe foram levados, por dois garçons, para o disputadíssimo camarote da escola: “Não precisa cortar bolo, nem esperar o parabéns. Só falta atrasar a escola. O que já foi feito até agora, vale como comemoração”, declarou. Durante todo o tempo em que o bicheiro circulou pela área da concentração, esteve acompanhado de seu filho, Ricardo, que, junto com seu pai, saudava o público das arquibancadas. Paulinho Mocidade, intérprete da escola, puxou um “Parabéns pra você”, acompanhado da bateria de Mestre Jorjão, antes de aquecer a escola com o tradicional “Salve a Mocidade”, de Luiz Reis, que diz que “Padre Miguel é a capital da escola de samba que bate mais forte no carnaval”. Ainda na concentração, Paulinho Andrade, filho de Castor, prometeu U$ 15.000,00, para serem divididos entre os integrantes da bateria, caso ela se sagrasse, de fato, campeã naquele ano. A certeza do título era tanta entre os componentes, que alguns deles trocaram a letra do samba, dizendo : “Eu vejo a lua no céu/A Mocidade ser tri/De verde e branco na Sapucaí”… O clima de festejo antecipado se estendeu aos diretores atribuições, estimular o canto, a evolução dos componentes e manter as alas compactas, preferiram comemorar o título conquistado, de maneira antecipada, para eles, pelo menos. de harmonia, que, em vez de cuidar de suas atribuições, como estimular o canto dos componentes e manter as alas compactas, preferiam comemorar o campeonato conquistado de maneira antecipada (pelo menos para eles).

Essa e outras histórias estão presentes na coleção de livros “Apoteótico”, disponível para venda no site do Clube de Autores, www.clubedeautores.com.br.

Sobre o autor

Natural de Padre Miguel, Jorge Renato Ramos é pesquisador, bacharel em Letras/Francês (UFRJ/UERJ) e autor da série de livros “Apoteótico: os maiores Carnavais de todos os tempos”.

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