Révérence – A deferência solene do mestre-sala, por Eliane Santos de Souza
No continente africano, onde saudar com beijo não era costume, a reverência era a forma de cumprimentar. E de grande importância, sendo um dever religioso e sagrado, no qual, se deseja vida longa ao outro.
No continente europeu o gesto de cumprimentar com reverência se sedimenta a partir de 1665, quando a cidade de Londres o implementa em substituição ao hábito (familiar e social) de dar beijos, por causa da grande epidemia de gripe. Com medo de contaminação as pessoas evitavam contato físico, mas não podiam deixar de ter e demonstrar afeto. Então, o gesto foi uma forma que se estabeleceu na comunidade.
Da França trouxeram os portugueses, para o Brasil, várias danças, entre elas o minueto e o balé, que tiveram grande influência na construção do bailado do mestre-sala e da porta-bandeira das agremiações de samba.
É bonito de ser ver! Durante o bailado do mestre-sala e da porta-bandeira a execução da reverência, uma movimentação que ocorre ao som batucado e que reúne hábitos de gentileza, respeito e afeto presentes em locais de culturas diferentes. Componente da performance do mestre-sala, este gesto executado revela seu apreço para com as pessoas, em especial as mais velhas, que estão a contemplar sua exibição.
De acordo com o bailarino e coreógrafo Edmundo Carijó (1996), quando o mestre-sala cumprimenta o público, ele está realizando uma ação bastante parecida com um movimento próprio do balé. Carijó, deste modo, descreve a ação por ele apreciada durante a performance dos sambistas nas décadas 50-60, durante o desfile das agremiações de samba no período do carnaval carioca: “ Quando o mestre-sala, com um pé a frente, curva o corpo, retira o chapéu e o repassa ao longo do corpo até quase alcançar o chão, ele está realizando a révérence do balé.”
Movimento individual do sambista, a reverencia é uma ‘mesura’ e compõe uma das ações de livre criação da série de improvisações do ritual do dançarino, na qual observam-se seus passos de iniciativa própria – com uma margem potente de criação pessoal com base em outras danças ou releituras de movimentos antigos – que se alteram e se modificam de acordo com a melodia ou o ritmo do samba. E atualmente, o enredo tem influenciado de forma significativa essa ação criadora presente na performance do dançarino, e em alguns momentos, acrescentado novos gestos e movimentos ao bailado.
O mestre-sala tem licença, em sua dança, para curvar-se durante a révérence ao lado de sua dama. Na cidade do Rio de Janeiro, esta ação pode ser exibida livremente também pela porta-bandeira. Todavia, em São Paulo é vetado a porta-bandeira este gesto, posto que consideram que a dançarina ocupa o posto de rainha, e então não pode se curvar a ninguém. A reverência, discretíssima, te de ser realizada sem curvatura ou inclinação total do corpo, como ensinou Vilma Nascimento no momento do movimento obrigatório para o mestre-sala que é a “Apresentação da Bandeira” ou nas finalizações de movimentos individuais da dançarina, tem sido aceita pelo manual paulista. Assim, o Cisne da Passarela descreve o movimento para acompanhar seu parceiro, realizado com sutileza: “Com o sorriso iluminando o rosto, dobram-se os joelhos, um na altura do outro, e o corpo desce. A bandeira e a cabeça vão um pouco a frente. Na curvatura final, usa-se o braço livre com a mão aberta mas os dedos esticados para cobrir os seios, um gesto simples de pudor”.
Observar a révérence do dançarino, gesto gentil e afetivo, nos faz lembrar da performance de Élson PV, o mestre-sala da Dóris Porta-Bandeira, para quem a dança do casal deveria ser executada na fiel tradição dos ranchos, tendo como base o minueto, realizada com suavidade, delicadeza e plena de “marcas de sedução”.
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