Categories: Carnaval/RJColunasEliane Santos de Souza

Entre o popular e o erudito, por Vera Aragão – Capítulo 1

Capítulo 1 – Inventando a tradição?

Este primeiro artigo é a introdução a uma série onde abordaremos pontos de identidade entre o carnaval, o ballet, nossas danças folclóricas e outros temas falando de origens e nos detendo, ao final, na dança do casal de mestre sala & porta bandeira que, vestidos à maneira da corte, executam uma dança codificada, visivelmente influenciada pelo minueto e a contradança que a originou, cujos passos fazem parte do vocabulário do ballet. Como assim, ballet e carnaval?

Pois bem. É senso comum considerar o ballet uma arte importada, distante de nossa tradição cultural, enquanto o carnaval é sempre mencionado como a nossa manifestação popular mais significativa e autêntica. Mas, os elementos que formaram o ballet e o carnaval vêm sendo retomados e reapropriados ao longo do tempo, misturando entre si princípios apolíneos e dionisíacos, conforme sustentado por Nietzsche. Entretanto, ao longo do tempo é possível observar como e cada vez mais, as composições coreográficas dos ballets apresentam elementos ditos populares, do mesmo modo que, no carnaval, a sistematização coreográfica é cada vez mais praticada nas escolas de samba, campo onde profissionais oriundos das chamadas artes eruditas imprimem princípios acadêmicos à arte popular.

Tomemos como base o conceito de “tradição inventada” dos autores Hobsbawm e Ranger , para quem as tradições não necessariamente existiram desde os primeiros tempos, mas podem ter sido fabricadas, ou serem resultado de práticas recentes que se estabeleceram em curto espaço de tempo e passaram a ser transmitidos pela repetição e fixando-se no imaginário da sociedade. A intenção é inserir certos valores e normas de com¬portamento através da repetição, dando uma continuidade ao passado que está sendo apropriado.

Também a identidade nacional se imagina original, na ideia de um povo puro, mas é raramente esse povo (folk) inicial que persiste: a cultura nacional é constituída não apenas de instituições culturais, mas de um discurso histórico normativo que, ao produzir sentido e identificações, automaticamente constrói identidades, enfatizando as origens e dando continuidade à tradição – ou inventando tradições. A cultura nacional é constituída não apenas de instituições culturais, mas de um discurso histórico que, ao produzir sentido e identificações, automaticamente constrói identidades, enfatizando as origens, dando continuidade à tradição – ou inventando tradições.

Nessa linha de raciocínio, voltamos a Hobsbawm e Ranger para diferenciar tradição e costumes. Para eles, as tradições – inventadas ou não – caracterizam-se pela invariabilidade imposta pela repetição, embora possam evoluir ou adquirir outras características ao longo do tempo, reinventando-se, enquanto os costumes passam de geração a geração. “Costume é o que fazem os juízes” – dizem eles – “tradição é a peruca, a toga e outros acessórios e rituais formais que cercam a substância” .

Em face destas afirmativas levanta-se a seguinte questão: em que medida pensamos o ballet, o carnaval e as danças folclóricas como manifestações tradicionais? E, da tradição de que povo? Poderiam ser compreendidos como “tradição inventada”?

Acreditamos que o ballet e o carnaval de hoje são fruto do entrelaçamento de várias culturas e que, cada uma delas lhes conferem peculiaridades; é esse hibridismo cultural que os enriquecem, acrescentam, atualizam. Mantendo a tradição – ou supondo-se tradicional – toda manifestação, a partir de sua saída do local em que teve origem, passa a ser importada pelo grupo que a recebe, assimila, adota e permite-se colorir com outras nuances.

Em seguida falaremos sobre o surgimento do ballet e de algumas de nossas danças populares. Terão alguma coisa a ver, um com o outro?

Sobre Vera Aragão

Vera Aragão. Foto: Arquivo pessoal

Doutora em Memória Social – UNIRIO; Pedagoga – UniverCidade; Bailarina e Professora de Ballet pela Escola de Danças Clássicas do Teatro Municipal do Rio de Janeiro com Especialização em Pedagogia Aplicada à Dança; Ex-bailarina do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Troféu “Personalidades do Rio”- Prefeitura do Rio, Co-autora dos livros “Programa de Ensino de Ballet” (2006) e “Anna Pavlova” (2015); Julgadora dos quesitos: MESTRE-SALA e PORTA- BANDEIRA: LIESA RJ – 1995, 1998, 2000, 2001, 2002; Guaratinguetá/ SP – 2011, 2012; Vitória/ES – 2015; Uruguaiana/ RS – 2013, 2016, 2017, 2019; LIERJ/ Riotur – 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019; COMISSÃO DE FRENTE: Três Rios/ RJ – 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016; EVOLUÇÃO: LIESA RJ, grupos A e B – 1996, 1997.

Eliane Santos de Souza

Recent Posts

  • Brasil

Anitta envia caminhão para ajudar vítimas das chuvas no RS

Solidariedade. A cantora Anitta, que nesse sábado (4) participou do show histórico de encerramento da turnê "The Celebration Tour" da cantora…

12 horas ago
  • Carnaval/SP

Veja o logotipo do enredo que irá exaltar Ailton Krenak no Anhembi

Primeiro indígena eleito para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL) em mais de 120 anos desde a…

14 horas ago
  • Entretenimento
  • Famosos
  • Música

Madonna posta vídeo agradecendo ao Rio

Música. A cantora Madonna, que no sábado (4), fez um show histórico para 1,6 milhão de pessoas na Praia de…

14 horas ago
  • Brasil

Lula: “Eu, como nordestino, nunca vi tanta chuva na vida”

Chuvas. O presidente Lula, em entrevista coletiva neste domingo (5), informou as providências que o governo federal está tomando para ajudar as…

15 horas ago
  • Carnaval/SP

Compositor explica emoção de assinar samba na Nenê: ‘Chorando horrores’

Entre os três troféus conquistados no Prêmio SRzd Carnaval SP 2024, a Nenê de Vila Matilde faturou o título de…

16 horas ago
  • Brasil

Chuvas no RS: número de mortos sobe para 75 e 103 estão desaparecidos

Chuvas. A Defesa Civil do Rio Grande do Sul informou neste domingo (5) que o número de mortos vítimas das…

16 horas ago