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Notícias atualizadas sobre o Carnaval do Rio de Janeiro.

Entre o popular e o erudito, por Vera Aragão – Capítulo 4

Foto: Reprodução

Capítulo 4 – Ballet e Carnaval: apolíneos ou dionisíacos?

+ Capítulo 1 – Inventando a tradição?

+ Capítulo 2 – Como surgiram o ballet e o Carnaval

+ Capítulo 3 – A origem de algumas danças folclóricas brasileiras

Conforme foi visto, há uma origem comum entre algumas de nossas danças folclóricas, o ballet e o carnaval. Mas, em que momento essas manifestações se aproximam e quando se afastam? Para essa reflexão recorremos a Nietzsche (1) para quem são os estados apolíneos e dionisíacos, em sua dualidade e confronto, que engendram a arte. Vejamos o que isto quer dizer.

Conta-nos a mitologia que tanto Apolo quanto Dioniso (2) eram filhos de Zeus.

Apolo foi identificado como o sol, a verdade, a beleza, a música, a poesia e as artes em geral, dentre outros domínios. Se ao nascer, Apolo trouxe e perpetuou a luz de Zeus, cabe entender por luz também as ideias, a mente, o poder de criação, o conhecimento ordenador.

De atributos psicológicos opostos, Dioniso, forma grega do deus Bacco, contrasta com Apolo: é o deus da desordem, do entusiasmo, da exuberância, da brincadeira, do êxtase com os prazeres mundanos. Profano e teatral, representa as forças do corpo e do inconsciente, a quebra de barreiras. Foi o descobridor da vinha e do vinho, bebida que embriaga, liberta tensões e aflora desejos. Dioniso é o inverso das relações de poder.

Por meio da mitologia Nietzsche tenta esclarecer os conflitos da mente humana na dualidade entre o princípio (apolíneo) da racionalidade e do consciente, em confronto com o princípio (dionisíaco) irracional, dos desejos e impulsos guardados no inconsciente.

Para a historiadora e crítica de dança Maribel Portinari o deus mais envolvido com a dança é Dioniso (3), levado à Roma pagã para comandar os cortejos festivos com grandes carros alegóricos carregando homens e mulheres nus, cantando canções obscenas, onde todos deliravam com os prazeres da carne.

Assim, oriundo da mitologia greco-romana, este deus teria migrado para a era cristã com o nome de Momo, dando origem aos carnavais italianos. No Brasil, a partir de 1933, começa a reinar o rei Momo quando o jornal A Noite resolveu dar forma física àquele personagem, criando um boneco barrigudo com uma coroa de lata na cabeça, mais tarde representado por um homem gordo e bonachão que encarnava o boneco-personagem (4).

O Carnaval certamente é dionisíaco: contestador, irreverente, inebriante, inconsequente. Mas, as escolas de samba, como espetáculo, seguem o critério apolíneo de ordem, organização, beleza, luxo e riqueza.

Do mesmo modo, a entrada da dança no Rio de Janeiro, no século XIX, encantou com a beleza apolínea. Mas, misturavam-se várias culturas no Brasil colônia e, dividida entre tradição e novidade, entre ballet e lundus, erudito e popular, iremos conhecer, no próximo artigo, Maria Baderna. Era como se Apolo e Dioniso começassem a dividir espaços comuns a partir de um novo denominador comum.

1. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Origem da Tragédia. São Paulo: Editora Moraes Ltda., s/d.
2. É muito comum encontrarmos o nome Dionísio ao invés de Dioniso, que é o correto. A confusão ocorre porque Dionísio é um nome português relativamente comum, mas que significa, exatamente, “relativo a Dioniso” e um sinônimo de dionisíaco.
3. PORTINARI, Maribel. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989, p.26.
4. PINHEIRO, Marlene M. Soares: A travessia do avesso: sob o signo do carnaval. São Paulo: Annablume, 1995, p.63.







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