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Entre o popular e o erudito: o pas-de-deux de mestre-sala e porta-bandeira

Rute e Julinho fazendo uma reverence em frente à cabine de jurados no desfila da Viradouro de 2019. Foto: SRzd

Por Vera Aragão

Capítulo 5 – O pas-de-deux de mestre-sala e porta-bandeira

+ Capítulo 1 – Inventando a tradição?

+ Capítulo 2 – Como surgiram o ballet e o Carnaval

+ Capítulo 3 – A origem de algumas danças folclóricas brasileiras

+ Capítulo 4 – Ballet e Carnaval: apolíneos ou dionisíacos?

Existem várias afirmativas sobre as origens desse casal. Alguns se reportam aos tempos coloniais quando, nas senzalas, os negros imitavam as danças refinadas dos brancos da corte, que por sua vez reproduziam os movimentos das faustosas festas da corte francesa de Luís XIV. Outros, apontam os blocos e cordões, onde a função do baliza – como se chamava o mestre sala – era defender sua parceira e o estandarte que ela portava, sempre ameaçado de ser rasgado pelos grupos rivais. Mas, o que nos interessa no momento é a dança do casal.

Em outros artigos mencionei a relação tão próxima entre as origens do ballet e do Carnaval. Pois bem: no carnaval, onde o ballet está mais evidente é na dança de mestre sala e porta bandeira, que a partir de agora nomeio MS e PB. São vários os passos de ballet presentes, principalmente, na dança do MS. Vejamos.

Ao percorrer a cena em círculo, enquanto a PB gira no lugar, seu “riscado” é feito com um pas de bourré: caminha na ponta dos pés, por vezes passando o pé de trás para a frente e vice-versa, com passos rápidos e miúdos. O pas de bourré (passo de Bourré, região da França) vem das danças da corte, assim como o degagé, quando ele estica uma perna à frente ou ao lado, mantendo a outra flexionada, em um plié.

Alguns pequenos saltos também são frequentes, com batidas quase imperceptíveis dos pés no ar, lembrando as batteries do ballet.

Outro movimento do ballet característico da dança de MS & PB que, embora hoje seja pouco usado em função do gigantismo das roupas, é o promenade, ou tour lent: o casal dá as mãos, ele se agacha esticando uma das pernas à frente e ambos vão girando lentamente, conduzidos pela PB.

Claudinho e Selminha Sorriso, Beija-Flor de Nilópolis,
durante ensaio, em um promenade. Foto: Eduardo Hollanda

A PB executa menos variedade de movimentos: conduzindo o pavilhão da Escola, seus movimentos-chave são os giros. Ao se deslocar, a PB executa o déboulé, giros encadeados e ágeis, no ritmo do samba, tão frequentes na dança das bailarinas.

Mas o MS também gira! Só que ele não faz déboulés, ele faz pirouettes: toma impulso com um plié, levanta uma das pernas até o joelho da outra (isso é um retiré) e, simultaneamente gira para dentro do eixo ou para fora. Ao girar para o lado da perna do retire, faz uma piruêta en dehors; ao contrário a pirueta é en dedans (para dentro).

Ao final de cada uma das sequências de movimentos é comum uma reverence: o MS estica uma perna à frente, flexiona a outra e curva o corpo para reverenciar sua dama. No grand finale deste pas-de-deux, ele quase se ajoelha até o chão (sem tocá-lo) e faz uma reverência profunda, ao gosto dos melhores ballets de repertório.

Creio que mesmo aqueles menos observadores da dança de MS&PB puderam notar a identificação desta dança com o ballet. É sabido que há uma boa diferença entre a dança do passista e a do mestre sala: este último não samba, dança cortejando sua dama. Isto (quase) todo mundo sabe. Mas reconhecer a influência de uma dança sistematizada não é tão comum… Assim, encerramos esta série onde a principal proposta foi abrir um espaço para reflexão sobre nossa própria cultura; foi mostrar que, muitas vezes, taxar algo como não sendo nosso, genuinamente nosso, pode ser um equívoco.

Carnaval e algumas danças folclóricas brasileiras comungam da mesma origem, sim. Mas, se o Carnaval teve uma origem europeia, as Escolas de Samba, não: elas são produto de todo caminho percorrido por nossos ancestrais desde os primeiros lundus e maracatus dançados nas senzalas e, em última instância, são o primeiro produto
inteiramente brasileiro no Carnaval.

Diogo Jesus e Verônica Lima, Império Serrano, 2019.; o mestre-sala na na posição retiré. Foto: SRzd










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