Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Conspiração da inteligência artificial para enlouquecer os humanos

Passaram as coisas do papel para o meio eletrônico, como se isto fosse garantia de facilidades. Criaram a e-burocracia, que é ainda mais cruel. Antes pelo menos você encontrava um humano para reclamar, agora nem isto, embora a lei obrigue. Chegaram ao cúmulo de criticar o humano que xingou o robô. Isso só pode ser uma conspiração da inteligência artificial para enlouquecer os humanos, que não foram feitos para o digital. Não é humano cada empresa, cada órgão público fazer do seu jeito e querer que o pobre coitado do usuário entenda cada sistema.

Interessante, que o menos importante, que são as redes sociais, como o Facebook, são mais fáceis de usar. Já os aplicativos e sites, que são imprescindíveis, só dificultam a vida do cidadão. Não se importam em fazer sistemas amigáveis. O Poder Público, que tem gênios em muitas áreas da ciência e dinheiro, que teria as condições de ouvir os usuários, não o faz, sai criando coisas sem perguntar antes, sem testar. Por que não perguntar antes o que o homem e a mulher medianos precisam, como é mais fácil usar, quais são as dificuldades e problemas? Todo site e aplicativo deveria ter um fale com um humano. Eles ligam sim, mas é para te infernizar a vida para que você compre algum bem ou serviço, não para resolver os seus problemas.

Interessante ainda que se a pessoa não tiver um celular “smart”, inteligente, não tem mais acesso a nada, porque para tudo hoje em dia mandam acessar por aplicativos, até para confirmar que você é você, o banco manda códigos para o seu celular. A operadora do seu celular quer literalmente o seu rosto, não basta você com o seu documento. Interessante que se fala que o celular vicia, faz mal para a saúde, roubam se você estiver usando na rua, mas tudo é por meio dele, embora sejamos humanos e necessitemos de interação social, com pessoas, passaram tudo para as máquinas.

E você deve ainda falar inglês e “informatiquês” porque não estão nem aí se você não entende o “jeito” deles de não se comunicar direito com o brasileiro. Aceita “cookies” (biscoitos)? E você acha que é uma gentileza, quando estão obrigando você a autorizar a captação e o uso, muitas vezes indevido, dos seus próprios dados, para te incomodar depois, para te vender. Estão te monitorando e você, ingênuo, mal se dá conta que os dados são o novo petróleo, que valem muito dinheiro no mercado e o mais novo produto é você.

Até para resgatar o brinde, a doce empresa de chocolate quer que você baixe o aplicativo dela. Desconfio que se o cliente tem o aplicativo acham que ele fica mais fiel, daí te obrigam a baixar para ocupar mais memória com inutilidades. Dia destes comprei um micro-ondas pela internet, paguei e na hora de entregar me obrigaram a baixar o aplicativo da plataforma para saber a tal palavra-chave senão não entregavam o meu forno, já pago. As empresas gastam milhões em publicidade, mas nunca olham para o consumidor para saber dele o que de fato importa. Talvez saibam mais sobre nós que nós mesmos, até porque acessam sem a nossa autorização até os nossos pensamentos, até aquilo que nem sabemos ainda que queremos (até os emails, mensagens). Pouco se importam e não costumam respeitar o Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de Dados, o Estatuto da Criança e do Adolescentes, dos Idosos, dos Deficientes, dos Pacientes, querem mesmo é vender tudo a qualquer preço, te seduzir, de dominar e te usar.

A empresa Cambridge Analytica foi contratada pelo Facebook, hoje Meta (porque mudar de nome é com eles mesmos) exatamente para que psicólogos, psiquiatras e outros profissionais, descobrissem os nossos desejos e explicassem como nos usar sem que ao menos percebêssemos. Assim, se você para um pouco para ver um anúncio já começam a te bombardear de propagandas, de forma cada vez mais agressiva e isto serve até para os candidatos a políticos, que aprenderam a usar as redes, aplicativos de mensagens, para ganhar votos e começaram a fazer ruir democracias sólidas, como da Inglaterra, Estados Unidos, Brasil e outras, com estas campanhas de “Fake News” ou no bom português, Notícias Falsas, que são disseminadas e matam mesmo com informações totalmente esdrúxulas.

Temos de um lado órgãos públicos que desenvolveram sistemas complicados para atender a população e de outro empresas e políticos tentando cooptar até os pensamentos das pessoas. O ser humano fica no centro, estressado, revoltado, porque não consegue acessar o que precisa nem para exercer a sua cidadania e a suas informações básicas. E não pensem que o sistema avisa quando está com problemas, não. O sujeito fica lá horas achando que ele que é burro quando o problema está no site que quer acessar mas não há sequer um aviso que está fora do ar. Muitos devem ter tentando o suicídio, no desespero de algum prazo que obrigatoriamente deveria ter sido cumprido por um destes sites que não funcionam direito.

Na justiça então a coisa complica ainda mais porque os juízes, que são humanos também (mesmo que alguns pensem que são deuses), não foram feitos para ler estes processos eletrônicos, abrir arquivo por arquivo para ver que você tem mesmo razão. Muita coisa está ficando de lado, sem análise. É gente até sem representação processual atuando em nome da outra, audiências que não ocorrem, alterações que são feitas, juízes que mandam fazer do seu jeito e até tirar documentos dos autos. E vai brigar com quem? Aí vem a pergunta atual “printou”, quer dizer, copiou a tela para provar que você tem razão? Outra dificuldade para quem mal sabe mexer nestes sites e programas.

Até para reclamar tem que abrir processo no sistema do qual você quer reclamar, é o caos, um jogo de empurra e ninguém resolve. E a culpa é sempre da internet, do sistema, e nem desculpas te pedem, pelo contrário, você que pague a multa e os juros se não funcionar e prove, se for capaz que a culpa foi da máquina (saquei R$ 500,00 no caixa automático e não veio mesmo e daí para provar que não pegou o dinheiro?).

Parece muitas vezes que as coisas são feitas pelos estagiários. Certo período o passaporte não tinha campo para o nome do pai e da mãe. Imagine sair do Brasil com as crianças sem que o funcionário soubesse quem eram os responsáveis. Parece que não tem gente inteligente programando estas supostas inteligências artificiais.

É chegada a hora de perguntar quem programa a coisa toda e exigir a participação dos usuários comuns nos acessos digitais. Nossos legisladores precisam se atualizar e começar a garantir os direitos neste novo contexto.

Dia destes meu filho estava doente e precisava ver uma médica do plano, para acessar a carteirinha, que não dão mais física, foi um parto para conseguir pelo aplicativo. Desisti, dei remédio caseiro antes que eu ficasse doente também. E parece que os responsáveis não veem isto, até parece que estas empresas não tem executivos humanos – talvez a inteligência artificial já os tenha dominado ou estão todos rindo de nós e das nossas várias tentativas de entrar nos sites e aplicativos que eles criaram com muitos obstáculos. Acho que quando criam estes critérios sempre diferentes e absurdos, até para as nossas senhas, para você ter acesso a sua própria carteirinha, eles de fato querem testar os limites humanos.

Quando não colocam sequer um aviso de que o site está com problemas para você não morrer tentando entrar, estão se divertindo com o seu desespero? O que acontece por trás do que acessamos? Acho ainda que eles não gostam de idosos, porque com estes então fazem miséria, até no site da Previdência Social, que chamam de “Meu INSS” porque usam siglas, mesmo sendo proibido por decreto federal e fazem questão que o aposentado não entenda nem o que lhe é descontado diretamente pelo banco, que pinta e borda com os seus dados e pode, ou não lhe permitir a entrada na tal “conta.gov.br”. São milhões de aposentados endividados porque mal conseguem entender as suas contas nos bancos, alguns totalmente digitais, extratos e muito menos o demonstrativo da aposentadoria, porque é tudo feito para dificultar a compreensão. Etarismo também é excluir as pessoas, impedindo-lhes o acesso por barreiras digitais.

Há uma legião de excluídos, uns porque não ganham nem para comprar um “smartphone” (celular inteligente), outros porque por mais que tentem não conseguem acessar isto tudo, porque é complicado mesmo e não raro, nem funcionam mesmo. Há empresas que se aproveitam disto e empurram cartões de créditos, empréstimos consignados, débitos de serviços, produtos não solicitados, usam os dados sem autorização. O consumidor fica perdido em meio a isto tudo, sem ter para quem reclamar. A cidadania e os direitos não se fazem só com leis em papéis, mas também com facilidades, inclusive digitais. É preciso dar acesso de forma simples a todos. Deve haver uma regulamentação para este novo contexto.

Precisamos de mais humanos desenvolvendo estas plataformas, aplicativos, sites, aparelhos, programas, para que não nos enlouqueçam, isso se já não tiverem tomado conta de tudo com a “inteligência artificial”, que para nós está mais para “burrice digital”.  Esperamos que a inteligência humana vença a guerra, para que de fato os meios digitais nos ajudem a viver melhor.

 

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