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Jornalismo: Profissão Não-Negra?

Estudantes de jornalismo negros. Foto: Reprodução

Algumas reflexões feitas em conversas com universitários em faculdades de Comunicação Social no Rio:

*Primeiramente é preciso admitir e ressaltar que preconceitos raciais e sociais são tão antigos quanto a humanidade, e, claro, estão, sim, presentes na sociedade brasileira.

*Se há algum motivo para isso? O ser humano teme o que considera diferente dele próprio. O homem é um animal e estranha a diversidade. Brancos, negros e amarelos se “estranham” mutuamente, como animais de cores e tipos diferentes se estranhariam. Claro que no caso da espécie humana, por causa da existência da cultura, dos valores, dos direitos humanos e do reconhecimento de que todos os humanos são iguais apesar das diferenças de cor de pele, o racismo não é aceitável. É uma atitude anti-humana e um crime.

*No caso brasileiro, os primeiros escravos africanos chegaram a uma área do atual estado de Pernambuco em 1539 a 1542. No século 19, quando o tráfico de escravos já era ilegal, e reprimido pelos ingleses, a última leva de escravos teria chegado ao nosso país por volta de 1851.

*A escravidão lançou, no Brasil, as pessoas de raça negra numa condição de sub-humanidade, no que diz respeito a educação e saúde; aos seus direitos humanos, não reconhecidos (Direitos Humanos só foram proclamados internacionalmente em 1948, pela ONU); enfim em relação a tudo. Nem a Abolição da Escravatura resolveu o problema. Porque os ex-escravos, teoricamente livres, continuaram cidadãos de última classe.

*Claro que de 1888 até agora, passados 130 anos, o panorama dos negros e afro-descendentes já evoluiu no nosso país. Entretanto, de uma forma geral, negros ainda são cidadãos de segunda classe.

Alguns aspectos comprovam isso:

1. Nível educacional mais baixo que o dos brancos;

2. Salários mais baixos que os de não-negros, apesar de cumprirem uma mesma função;

3. Negros costumam ser invariavelmente considerados suspeitos em operações policiais, seja em favelas, seja nas ruas, bares, meios de transporte público;

4. Culturalmente, e até mesmo por meio de palavras e expressões, tudo que é negro ou preto é associado a algo negativo. Exemplo: “Domingo negro para os cariocas no Brasileirão”, isto é, nenhum time do Rio ganhou um jogo naquele dia.

5. Algo fundamental: a baixa auto-estima da população negra, cujas crianças e jovens acham que, mesmo se estudarem e se formarem, não terão chances iguais às de colegas brancos. No caso, tanto os negros quanto os brancos pobres costumam sair da escola mais cedo, não apenas para poderem trabalhar e ajudar suas famílias, mas também por falta de incentivo dos próprios pais: “Pra que preto precisa estudar?”’ “A gente é pobre, mora na Baixada, mora na favela, nunca vai ter chance. Estudar pra quê?” O futebol e o samba são as raras opções de ascensão social para os negros.

6. Com raras exceções, a imensa maioria da população negra trocou as senzalas pelas favelas. As favelas são um fato social, um aspecto da realidade do país. Mas há no Brasil um certo “Favelismo”, isto é, exaltação da vida nesse tipo de comunidade sem ruas projetadas, sem higiene, sem água ou esgoto, abandonada pelo poder público, e na qual os moradores honrados são subjugados por traficantes ou por milicianos. Nada contra os favelados, mas ninguém nasceu para viver numa favela. As favelas têm de ser humanizadas, dignificadas, urbanizadas, limpas, despoluídas, enfim, transformadas em bairros pobres, mas nos quais crianças e jovens possam crescer.

*De acordo com dados do IBGE de 2016, no ano de 2005, 5,5% de jovens negros e mulatos de 18 a 24 anos estavam em uma faculdade. Em 2015, este percentual subiu para 12,8%. No caso dos brancos eram 17,8% em 2005 e 26,5% em 2015. O aumento da presença negra nas universidades se deveu a uma série de ações afirmativas e a cursos comunitários gratuitos como os da EducAfro e outras entidades semelhantes. O importante é que no caso da EducAfro, é a sociedade que se organiza para passar conhecimento aos negros e aos mais pobres. Nada dependente de governo;

*Na minha experiência pessoal, fui criado em São João de Meriti, e tive a sorte de contar com pais que me incentivaram a buscar a educação e nível superior, e numa profissão que até hoje é NÃO-NEGRA, o jornalismo. Fiz o curso como bolsista na antiga Faculdade da Cidade;

*Desde 1986 no Jornalismo, poucas vezes encontrei na redação outros colegas negros. E quando esses são contratados, são direcionados para a cobertura policial ou esportiva. Raramente para as editorias nobres, da Economia ou da Política. Na TV, por vários anos, Glória Maria foi quase que a única jornalista negra. Particularmente, porém, nunca me senti alvo direto de preconceito. Mas pode ser que eu tenha sido preterido de alguma promoção ou viagem, em benefício de algum colega branco.

*De qualquer forma, não dá para ficar pensando nisso. Quem é negro é negro, e isso não muda. Sempre procurei me preparar para ser o melhor possível. Isso não significa que alguém vá viver em conflito com os não-negros. Você tem de se cobrar a si próprio, se aperfeiçoar, se preparar mais e melhor, lutar contra a baixa auto-estima, contra o medo dos preconceitos, contra o receio de não ser bem aceito. Tudo isso para alcançar seus objetivos, mesmo que você seja todos os dias o único pingo de café num copo de leite. Acostume-se com isso, porque no Brasil ainda não há uma classe média sólida e politizada como a dos EUA. Nem sabemos dizer se um dia haverá.

*Sou continuamente um estudante, sempre buscando algum tipo de especialização, algum conhecimento novo, etc.

*Não pense se você é negro, se seus colegas de faculdade ou de trabalho são brancos, amarelos, etc. Preconceitos jamais irão passar. Não vão acabar. Tenha em mente que você é capaz. Não veja a si próprio como uma vítima. Encare os preconceitos como as 10 barreiras numa prova de atletismo (100m com barreiras ou 110m com barreiras). São algo que tem de ser superado – com seu talento e sua garra – para se chegar à vitória. Estude e trabalhe com o máximo de seu empenho e acredite no futuro.

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