Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni

Carioca, apaixonado por música. Em relação ao assunto, estuda, pesquisa e bisbilhota tudo que está ao seu alcance. Foi professor da Oficina de Ritmos do Núcleo de Cultura Popular da UERJ, diretor de bateria e é músico amador, já tendo participado de diversas bandas tocando contrabaixo, percussão ou cantando.

Freedom

Por Pedro de Freitas

George Michael formou, juntamente com Michael Jackson, Prince e Madonna, o quarteto que moldou a cultura pop musical dos anos 80. Foi a partir dos anos 80, que se intensificou a superexposição da imagem dos artistas de uma forma anteriormente não vista. Contribuiu para veiculação de clips, principalmente pela MTV, os shows superproduzidos e a globalização dos meios de comunicação.

Destes quatro, apenas Madonna está viva. Michael Jackson, Prince, e agora George Michael se foram cedo, no frescor de seus 50 e poucos anos. Coincidentemente, parece que Madonna foi a que melhor soube lidar com as sequelas da superexposição e da fama. Prince e Michael Jackson tornaram-se reclusos. Os conflitos de George Michael com a fama tornaram-se mais evidentes após o lançamento do videoclip que promovia aquela que, provavelmente é a sua melhor música: “Freedom!’90”.

“Freedom!’90” era a faixa de trabalho do álbum “Listen Without Prejudice, Vol. 1”, um trabalho ambicioso, com pretensões artísticas muito além da manutenção no topo das paradas. A carreira de George Michael até ali tinha sido um arrasa quarteirão, seja como integrante do duo pop Wham!, seja no seu disco solo “Faith”. Com “Faith”, George Michael tornou-se um ícone pop. Faz parte do imaginário dos anos 80 a sua imagem no clip da faixa-título: blusão de couro, óculos escuros, barba cuidadosamente por fazer, brinco de crucifixo, sapatos de biqueira de metal. Em frente a uma jukebox, George Michael tocava guitarra e rebolava a la Elvis enquanto a câmera dava closes generosos em sua derriere.

O apelo da imagem valeu muito: mais de 20 milhões de cópias de “Faith” foram vendidas mundo afora, boa parte graças ao apelo junto às adolescentes da época. Evidentemente, a gravadora gostaria da manutenção do personagem. Mas em 1990, após o lançamento de “Listen Without Prejudice, Vol. 1”  George Michael, certamente desconfortável com mega exposição à mídia, recusou-se a fazer a divulgação do trabalho pelos canais tradicionais, o que incluía a criação e veiculação de um videoclip que colhesse dividendos da sua preciosa imagem.

Quando finalmente concordou, o resultado do conflito da pessoa George com seu alter ego celebridade rendeu um dos melhores videoclips já feitos, uma pequena obra de arte.

De início, George Michael escolheu para a direção de “Freedom!’90” o então iniciante David Fincher, que mais tarde se tornaria célebre com seus filmes de humor negro e corrosivo, e personagens cínicos e sarcásticos (“O Clube da Luta”, “A Rede Social”, e a série “House of Cards”, entre outros). Mas o toque de gênio do clip é a forma que George encontrou para reagir contra as exigências massacrantes dos que se alimentavam das imagens do mundo popstar, o que ele se encontrava desconfortavelmente inserido.

Participação das principais modelos da época

Em primeiro lugar George convidou as cinco maiores modelos da época (a saber: Naomi Campbell, Linda Evangelista, Cindy Crawford, Christy Turlington e Tatjana Patitz, que toparam a brincadeira) para figurar no videoclip, não como convidadas, mas substituindo o artista principal: ele próprio. As modelos não cantavam realmente: somente faziam mímicas labiais, com o playback da música original rolando.  Ao mesmo tempo desfilavam, faziam caras e bocas, e poses tipo capa de “Vogue”. A mensagem de George Michael endereçada aos seus chefes, era sutil e irônica: se a questão é imagem, tirem a minha e coloquem a destas cinco mulheres maravilhosas, enquanto eu divulgo minha música.

Outro detalhe crítico do clip não é tão sutil: se George Michael em pessoa não estava no clip de “Freedom!’90”, os três objetos cenográficos do clip de “Faith” que ajudaram a estimular a idolatria pelo astro estavam lá – o blusão de couro, a jukebox, a guitarra. Só que ao invés de reforçar a imagem do ídolo, um a um estes objetos são destroçados impiedosamente durante o refrão da música, no mesmo momento em que George clama por “liberdade!”. O gesto não precisa de legenda, nem desenho: George Michael mostrava que queria a ruptura do artista com a imagem que lhe era atribuída.

O belo clip de “Freedom!’90”  se assemelha a um epílogo dos anos 80. Logo logo, o rock alternativo, vindo no rastro do sucesso do Nirvana, dominaria os anos 90 e mandaria diversos artistas dos 80 para o ostracismo. O ato de rebeldia de George Michael hoje soa fora de moda. Basta olhar, aqui no Brasil e no exterior, para a penca de artistas que trabalha com afinco suas imagens, em campanhas publicitárias, redes sociais, e entrevistas padronizadas enquanto não se preocupam em parir clones e mais clones de música sem qualquer inspiração.  Isso tudo apesar da liberdade proporcionada pela tecnologia, que em tese poderia favorecer a qualidade da produção artística. O mundo de “Freedom!’90” mudou. Uma hipotética “Freedom!2016” caminharia na direção oposta. Oposta à direção tomada por George Michael há mais de 25 anos, quando mostrava a intenção de colocar seus valores artísticos acima de sua figura pública.

 

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