Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni

Carioca, apaixonado por música. Em relação ao assunto, estuda, pesquisa e bisbilhota tudo que está ao seu alcance. Foi professor da Oficina de Ritmos do Núcleo de Cultura Popular da UERJ, diretor de bateria e é músico amador, já tendo participado de diversas bandas tocando contrabaixo, percussão ou cantando.

Eddie Van Halen e a reinvenção da guitarra

Eddie Van Halen. Foto: Reprodução

Eddie Van Halen. Foto: Reprodução

Por PEDRO DE FREITAS

Quem nasceu a partir dos anos 60 teve oportunidade de vivenciar uma das maiores transformações comportamentais da história da humanidade. O movimento conhecido como “contracultura” emergiu a partir do movimento pelos direitos civis capitaneado por Martin Luther King. Jovens passaram a sonhar com a ruptura dos valores tradicionais, estilos de vida alternativos, pacifismo, direitos de minorias e confronto ao autoritarismo e ao jogo político. Entre os principais símbolos desta época de conflito e renovação de valores culturais está a guitarra elétrica, um instrumento musical inventado e aperfeiçoado anos antes por técnicos como Les Paul, Adolph Rickenbaker e Leo Fender. Depois da contracultura e da guitarra o mundo nunca mais foi o mesmo. Figuras militares heróicas de guerras e batalhas foram substituídos no imaginário dos jovens pelos Heróis do Palco, cuja arma empunhada era aquele estranho instrumento musical. Parecia que nada mais havia para ser inventado.

Não? Diante da inventividade humana, o que é um objeto, um instrumento musical? O engenho e a arte humanos reinventaram o que já era revolucionário, na forma de um guitarrista negro: o celestial e inacreditável Jimi Hendrix, que explorou novas e inconcebíveis fronteiras para o instrumento, e transformou todos os músicos que existiam em anciões. A chama de Hendrix brilhou intensamente e de forma breve: em 1970 o genial artista partiu em uma nave espacial para novos rumos (continuo achando que Jimi era um extraterrestre disfarçado).

Pausa para fôlego? Fim da revolução? Nada mais de novo no front?

Eis que alguns anos após a ida de Hendrix, um jovem holandês emigra para a Califórnia, se torna guitarrista meio por acaso (tentou primeiro bateria, mas seu irmão era bem melhor que ele no instrumento) e passa a tocar nos clubes e garagens da região com a banda criada por ele junto com o irmão.

O aparecimento de Eddie Van Halen significou uma segunda reinvenção da guitarra. O disco de estréia do Van Halen foi lançado em 1978. Repare na forma como os guitarristas tocavam seu instrumento antes desse disco. Repare a gravações de guitarristas feitas depois. Eddie passou como um furacão, e influenciou milhões de músicos profissionais e amadores que vieram depois dele. Outros, já na ativa, assim como quando Hendrix apareceu, tiveram que se reinventar.  Eddie não era apenas um excelente músico, ou um guitarrista top. Se fosse apenas isso, não teria causado o impacto que causou. Era sobretudo um criador, um genial “Professor Pardal” da guitarra. A técnica de “tapping” desenvolvida por ele e que virou sua marca registrada, o fazia parecer que estava tocando piano em uma guitarra. Após Eddie, “tapping” passou a ser item essencial no arsenal de qualquer guitarrista. Eddie fundia esta técnica com doses atordoantes de harmônicos, distorções, trêmolos, flamenco, e tudo o mais que passasse na sua frente. Sempre modificando, reinventando, tornando pessoal, incorporando ao seu imenso arsenal. As guitarras eram também modificadas. Eddie praticamente as construía, com pedaços de várias outras, inventava novos métodos de preparo e construção e as adaptava ao seu estilo de tocar. Após Eddie Van Halen, os fabricantes de guitarras também modificaram a forma como as construíam, seguindo a mente visionária de Eddie.

Conheci a música de Eddie Van Halen quando cursava o ensino médio, ouvindo a fita cassete de um amigo. Foi como se um raio atingisse a minha cabeça. Jamais tinha ouvido nada parecido. Foi algo que mudou para sempre meu gosto musical. Antes me contentava com as músicas que tocavam em rádios, nas paradas de sucesso. Aquela fita cassete me fez procurar novos horizontes musicais, uma busca que perdura até hoje. E me despertou o interesse em tocar um instrumento musical (aprendi baixo, porque achava que nunca iria conseguir tocar com perfeição os solos endiabrados de Eddie).

A partir do século 21, a obra de Eddie foi se tornando bem mais esparsa e discreta. As aparições em shows também foram pouco frequentes. Praticamente não publicou ou produziu nada novo, coisa incomum na vida de alguém 100 por cento dedicado à música. Problemas de saúde física e mental impediram que pudesse criar de forma plena. Um câncer de língua no início dos anos 2000, seguido pela longa luta contra o câncer de garganta que o abateu. Somado a isso, a dependência química de álcool, fumo, cocaína, que o levou vezes sem conta a clínicas de reabilitação. Se foi com 65 anos, quase um debutante perto de integrantes do Rolling Stones, Led Zeppelin ou The Who. Certamente havia muito ainda para nos mostrar se a saúde ou o destino permitissem. Vou lamentar pelo resto da vida não ter ido a aquele show no Maracanãzinho, pré-Rock in Rios, uma aparição bissexta, inesperada, quando os brasileiros ainda viviam fora do circuito internacional de shows. Vivi com a esperança de que retornassem para mais uma turnê na Terra de Santa Cruz.

Não haverá mais o sonhado show.

Não haverá mais a guitarra de Eddie.

Não nesse mundo. Talvez em outro plano existencial, Eddie possa mostrar sua arte na Nave Espacial de Jimi Hendrix.

Talvez…

performance solo de Eddie Van Halen, realizada na turnê do album “5150”

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