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Belchior, o ‘outsider’

Belchior talvez seja o maior desafio para os críticos que gostam de catalogar gêneros musicais e artistas. Surgiu após a Tropicália, de Caetano e Gil, e a Jovem Guarda, de Roberto e Erasmo. Logo não pertenceu a nenhum dos dois movimentos que mudaram a música brasileira no fim dos anos 60 e início dos 70. Tornou-se popular sem deixar de ser independente. Era nordestino, do Ceará, mas ao contrário da maioria de seus contemporâneos, como Fagner, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Elba ou Zé Ramalho, não era afeito a expor com frequência regionalismos em sua música. Assim como outro nordestino, Raul Seixas, construiu uma obra cosmopolita. E introspectiva. Belchior falava de suas angústias e medos, em um país parado no tempo em plena era de transformações, por obra e graça da ditadura militar. Talvez por isso tenha constatado com ceticismo, e bem antes de Renato Russo, que os ciclos da vida teimam em nos tornar, de pretensos revolucionários a criaturas cada vez mais assemelhadas com as gerações anteriores:

“Hoje eu sei
Que quem me deu a ideia
De uma nova consciência e juventude
Está em casa
Guardado por Deus
Contando o seus metais

Minha dor é perceber
Que apesar de termos feito tudo o que fizemos
Ainda somos os mesmos e vivemos
Como os nossos pais”

Intérprete da própria obra, Belchior cometeu pelo menos uma grande obra-prima, o álbum “Alucinação”, de 1975. Mas seu estilo de compor não encontrou muitas vozes. A mais notável, a de ninguém menos que Elis Regina, a primeira-dama da MPB, que gravou várias músicas suas. A essa sua obra tão característica, somaram-se as idiossincrasias de comportamento na vida real. O “outsider” na música e poesia se tornou também um “outsider” na vida real, culminando com seu insólito desaparecimento a partir de 2006, por motivos ainda não inteiramente esclarecidos. Talvez, por causa disso, sua obra tenha sido tratada com imerecida discrição. São poucos aqueles com menos de 20 anos, mesmo entre os interessados em música popular brasileira, que conhecem com familiaridade seus clássicos dos anos 70.

Há que dizer: os versos caudalosos, “dylanescos” e angustiados de Belchior não se enquadram muito no estilo “Prozac” da música popular atual. Temo que a música de Belchior seja sempre de e para “outsiders”. Mas talvez seja isso o que ele mesmo quisesse. Foi a forma como compôs e foi a forma como viveu.

Mas para aqueles, que de alguma forma se interessarem em mergulhar nesse universo,
“Eu quero é que esse canto torto
Feito faca, corte a carne de vocês”.

 

*especial para a coluna

Pedro de Freitas*

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