Claudio Francioni. Foto: Nicolas Renato Photography

Claudio Francioni

Carioca, apaixonado por música. Em relação ao assunto, estuda, pesquisa e bisbilhota tudo que está ao seu alcance. Foi professor da Oficina de Ritmos do Núcleo de Cultura Popular da UERJ, diretor de bateria e é músico amador, já tendo participado de diversas bandas tocando contrabaixo, percussão ou cantando.

80, a Festa: o caminho da música sertaneja contado em dois shows

Chitãozinho e Xororó. Foto: Juliana Dias

Chitãozinho e Xororó. Foto: Juliana Dias

Será sempre difícil falar de música sertaneja depois da década de 90 sem que haja um bom debate. O gênero passou por uma transformação tão grande nesta época, que hoje em dia é praticamente impossível apontar o dedo e dizer o que é sertanejo ou não. Aprendi ainda novo, em cinco anos de exílio no interior do Paraná, que música caipira era aquilo que Rolando Boldrin me mostrava nas manhãs de domingo enquanto eu esperava pra ver a Fórmula 1. Era aquilo que eu ouvia nas poucas rádios existentes em uma cidade pequena nos anos 70. E era tudo muito diferente do que se aponta como sertanejo de 30 anos pra cá.

Na última sexta-feira, reuniram-se no Qualistage as duas principais duplas do cenário para celebrar 50 anos de carreira de uma e 30 de outra. Respectivamente Chitãozinho & Xororó e Zezé do Camargo & Luciano, os maiores expoentes do sertanejo, apresentaram-se nesta ordem no show “80, a Festa”, uma soma do tempo de vida de ambas as parcerias. Durante as quase quatro horas, ficou muito clara a trajetória pelo qual passou o estilo. A dupla paranaense, que já tinha uma certa fama local quando morei lá – entre 1977 e 1981 – passeou por várias fases de sua carreira e, em diversos momentos do show, trouxe as memórias daquilo tudo que eu conheci lá atrás. Com forte influência da música paraguaia, as guarânias pontuaram os melhores momentos da noite. Confidências, 60 dias apaixonado, Galopeira, Nuvem de Lágrimas, Pago Dobrado e Fio de Cabelo são exatamente o que Mestre Boldrin ensinou: compasso ternário e força nos violões e metais. Nesta última, Xororó lembrou que foi o salto definitivo na carreira da dupla, quando passou a ser reconhecida nacionalmente.

Chitãozinho e Xororó. Foto: Juliana Dias
Chitãozinho e Xororó. Foto: Juliana Dias

Mas parece que o sertanejo, assim como o samba e os ritmos nordestinos – xote e xaxado – não resistiu ao maldito portal que se abriu no fim dos anos 70 e teve seu auge nos 90, quando produtores contratados pelas gravadoras trataram de achar uma forma de deixar todo tipo de música mais palatável ao grande público, arrancando à força várias caracteristicas destes gêneros e deixando quase tudo com cara de pop romântico. Porque é exatamente isso que parece a música das duas duplas de 90 pra cá. Pegue o instrumental de vários sucessos de Ch&X ou ZdC&L, tire as vozes e coloque na mão de Fábio Júnior, Roberto Carlos ou até do Roupa Nova. Soam exatamente iguais. Ou seja, do sertanejo só sobraram as vozes em dupla. Vejam bem, não se trata de dizer que é bom ou ruim, apenas totalmente descaracterizado. É sintomático que o maior sucesso da dupla paranaense, a linda Evidências, não seja de nenhum compositor caipira e sim de José Augusto, um carioca, especialista em… pop romântico.

Zezé Di Camargo e Luciano. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo e Luciano. Foto: Juliana Dias

Quando pulamos para o segundo show, a coisa fica ainda mais clara. Se Ch&X tiveram a oportunidade de passar muito tempo em sua carreira tocando a autêntica música caipira, ZdC&L surgiram no início da maldita década de 90, junto com Leandro e Leonardo e várias outras duplas que se aproveitaram para surfar a onda favorável. Quase tudo da dupla goiana é pop romântico. Mais uma vez, não há juízo de valor. Amo de verdade É o Amor, mas sertanejo não é. Ainda Ontem Chorei de saudade e No dia em que sai de casa talvez sejam as duas músicas que mais remetam às raízes, lembradas também na execução de Estrada da Vida, clássico de Milionário e José Rico.

Em ambos os shows apareceram também canções onde o nosso caipira bebe da música country e se aproxima de seus semelhantes norte-americanos. Está é outra vertente que ficou muito em alta após as transformações. Mais Nashville, menos Assunção. Mais banjo, menos viola. Bailão de Peão e Mexe Mexe foram as responsáveis pelos momentos de maior animação do público.

Talentosos, carismáticos e consolidados há muito tempo no cenário nacional, ambas as duplas levam ao público um espetáculo de primeira qualidade em termos de produção, cenários, arranjos e direção e, ainda que o gênero tenha passado por uma enorme mudança, os melhores momentos sempre serão aqueles em que a verdadeira música caipira dá as caras.

Fotos

Chitãozinho e Xororó. Foto: Juliana Dias
Chitãozinho e Xororó. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo e Luciano. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo e Luciano. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo e Luciano. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo e Luciano. Foto: Juliana Dias
Luciano. Foto: Juliana Dias
Luciano. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo. Foto: Juliana Dias
Zezé Di Camargo. Foto: Juliana Dias

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