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50 anos: a meia idade da Banda do Sargento Pimenta

Caros leitores, confesso que tremi nas bases quando me prontifiquei a escrever sobre os 50 anos de “Sgt Pepper’s Lonely Heart’s Club Band”. Ou “Sgt Pepper’s” apenas, para os (muitos) milhões que tiveram o privilégio​ de ouvir a obra-prima dos Beatles. O que resta mais para ser dito, ou escrito sobre Sgt Pepper’s? Não seria melhor apenas ouvi-lo?

Sgt Pepper’s transcendeu o mero rótulo de álbum de músicas. De fato, trata-se de uma das maiores obras artísticas do século XX, um ícone da cultura deste período, indispensável em qualquer livro de história. Percebo, no entanto, que gerações mais novas começam a perder o vínculo direto com a obra. Artistas do mundo inteiro são influenciados por “Sgt Pepper’s”, e consequentemente seus bilhões de fãs; a maioria não se dá conta disso. Vai sendo mais difícil também compreender o caldeirão de influências que tornou possível sua gestação.

Quem viveu a maior parte da vida no cínico, conformista e frívolo século XXI precisa compreender os exuberantes anos 60, a matriz que gerou “Sgt Pepper’s”. Foi o período em que o mundo se libertou de décadas anteriores de opressão econômica e militar que causaram duas guerras mundiais. Os avanços tecnológicos começavam a construir o mundo interconectado em que vivemos hoje. O homem dava seus primeiros passos fora da Terra, rumo aos confins do universo. Na política, um reverendo protestante liderava a revolução pacifista que reivindicou direitos civis para os negros, e que inspirou movimentos semelhantes em prol de mulheres, homossexuais, etnias e credos diversos; uma juventude engajada e irrequieta elevou sua voz e combateu guerras com flores. Nas artes plásticas, na música e na literatura, a cultura libertava-se de amarras e formalismos, derrubando os muros da academia e se tornando pop.

“Sgt Pepper´s Lonely Heart´s Club Band”, dos Beatles. Foto: Divulgação

Tudo isso pode ser visto de forma admiravelmente sintetizada na antológica capa de “Sgt Pepper’s”: uma colagem de rostos do século XX, cada qual um ingrediente do irresistível caldo concebido por Lennon, McCartney, Harrison e Starr. À frente desses novos tempos (ou muito à frente deles) os músicos da Banda do Sargento Pimenta, orgulhosos em uniformes brilhantes e coloridos, secundados por versões cinzentas e tristes deles mesmos – os Beatles da “fase franjinha”, como se em uma mesma imagem tivéssemos um funeral e uma celebração; o primeiro do passado, e o segundo do futuro.

Acredito que o mundo nos anos 60 esperava, ansiava, torcia por um “Sgt Pepper’s”. No meio cultural, artístico e musical em ebulição, brotavam figuras superlativas que em tese poderiam encontrar a Pedra Filosofal: os Rolling Stones, uma versão mal-encarada dos Beatles; The Who, com suas óperas rock grandiloquentes; Jimi Hendrix, o mega guitarrista/compositor extraterrestre; acima deles, os Beach Boys, que ameaçaram o domínio dos Beatles com uma obra superlativa chamada “Pet Sounds”. Após ouvirem “Revolver”, disco dos Beatles de 1966, Brian Wilson e sua turma se trancaram em um estúdio, no ambicioso projeto “Smile”, destinado a ser o “disco supremo”. “Sgt Pepper’s”, que absorveu também influência de “Pet Sounds” em seu caleidoscópio, foi lançado antes. Brian Wilson surtou, “Smile” não foi mais lançado e os “Garotos da Praia” nunca mais foram os mesmos.

A maior dificuldade para esse escriba é sintetizar e analisar o conteúdo musical de “Sgt Pepper’s”. Afinal, em cinco décadas, as músicas do álbum já foram literalmente reviradas do avesso, com muito mais competência, por músicos, críticos, estudiosos de arte, o diabo. Me resta apenas a impressão de fã. A primeira coisa que me chama atenção é o contraste entre o conceito básico e a execução: a ideia de uma Banda do Sargento Pimenta tocando para uma plateia uma coleção de músicas se choca com a dificuldade que, em tese, o grupo teria em executar essas músicas ao vivo. Afinal, em “Sgt Pepper’s”, o estúdio musical, com suas possibilidades sônicas ilimitadas foi o verdadeiro instrumento, explorado de todas as formas possíveis. No fim, executar ao vivo tais músicas não se revelou um problema, uma vez que um ano antes os Beatles tinham anunciado que não mais fariam shows. Nunca houve uma turnê “Sgt Pepper’s”; o álbum nunca foi tocado ao vivo pelos Beatles.

Não vou dissecar música por música. Da abertura com o tema da Banda do Sargento Pimenta, à ironia de “With a Little Help from My Friends”, cantada pelo “amigo” Ringo Starr; Da viagem de LSD de “Lucy in the Sky with Diamonds” à circense “Being for the Benefit of Mr. Kite!”; da melancolia de “She’s Leaving Home” à música de câmara de “When I’m Sixty-Four”, tudo é ouro puro. Todas merecem um ouvido atento. Mas não posso deixar passar a canção que, juntamente com “Tomorrow Never Knows”, do álbum “Revolver”, redefiniu os limites da música; um momento de criação absolutamente arrebatador, e talvez a mais importante música pop já gravada. A música que Neil Young escolheu para abrir todos os seus shows. Trata-se de “A Day in the Life”, canção que encerra “Sgt Pepper’s”. Nada melhor que descrevê-la cinematograficamente. Assim:

O disco vai se encerrando. A banda do Sargento Pimenta prepara-se para se despedir. Toca sua música tema, que também abre o disco. Mas o fim apoteótico esconde um bis, que se insinua lentamente, primeiro com um violão, depois na forma de uma balada com piano. Você pode imaginar John Lennon preguiçosamente recostado em um sofá, lendo as últimas notícias em um jornal. Um acidente de carro, alguém que parecia famoso morreu, o exército inglês ganhou uma guerra… John vira para você e diz que adoraria deixá-lo “ligado”, uma referência nada sutil a substâncias ilícitas. Enquanto John lê o jornal, a orquestra começa a tocar, em um crescendo: primeiro, melodia, depois cacofonia, por fim, ruído ensurdecedor. Um efeito sônico nunca antes tentado, e jamais repetido. A orquestra é interrompida de repente: toca um despertador. Começa o dia de Paul. Mais acelerado, naturalmente. Acordar, sair da cama, se arrumar, tomar um café. Rápido, rápido, para não ficar atrasado… ao entrar no ônibus londrino, Paul sobe as escadas e não repara em você: apenas, em uma referência nada sutil a substâncias ilícitas, “faz uma fumaça, e começa a sonhar”. Um coro de sonhos, com a voz de John à frente, um trecho de orquestra, e voltamos ao dia de John. E ele continua a ler jornal. Notícias casuais… Algum político em uma cidade inglesa resolveu contar os buracos nas vias públicas. E são quatro mil! Daria para encher um teatro com eles… A orquestra volta, em seu crescendo de suspense aterrador. Até que uma nota de piano a interrompa, ecoando até desaparecer… e até que em meio ao quase silêncio, uma gravação em loop tome conta da música, negando-lhe o final. É exatamente isso. A música mais revolucionária dos Beatles e que encerra seu melhor trabalho não tem fim.

Quer saber mais? Então, não me ouça. Ouça “Sgt Pepper’s Lonely Heart’s Club Band”, em pleno vigor na meia idade.

 

*em colaboração com a coluna

 

Pedro de Freitas*

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