Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Julgamentos secretos violam a democracia

Proibições, redes sociais, eliminatórias e a obsessão pelo julgamento; a atual identidade do Carnaval de SP. Foto: Arte

Os julgamentos secretos são vedados pela Constituição brasileira. As decisões judiciais devem ser fundamentadas e os julgamentos públicos. Portanto, é direito fundamental dos cidadãos e dos advogados assistirem a qualquer julgamento sem que tenham que pedir para exercer tal direito, é assim em qualquer país democrático. Ocorre que com a pandemia da COVID 19, os tribunais e as turmas recursais dos juizados passaram a julgar os processos de forma virtual, pela internet, muitas vezes sem a participação sequer do advogado das partes, o que é inconstitucional.

Até outro direito básico tem sido lesado com isso, o da legalidade, segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e lei é aquela que decorre do processo legislativo, feita pelos representantes do povo. No entanto, os próprios tribunais, que deveriam fazer valer o principio da publicidade dos julgamentos e o da legalidade, criaram uma regra interna de que para assistir a um julgamento e para se manifestar o advogado deve pedir três dias antes para que o processo seja retirado da sessão de julgamento virtual, só entre juízes, para ser inserido o processo na pauta de outra na qual se dê acesso via link da internet ao advogado da parte. A regra da publicidade virou, portanto, a exceção e se passou a ter mais um obstáculo, totalmente ilegal, para que o julgamento seja público, como deve ser, o do advogado peticionar com três dias de antecedência.

Parece que é muito simples: só o advogado pedir e o julgamento poderá ser publico, mas não. Além de acompanhar mais este prazo, que não consta na lei, o advogado tem que torcer para o julgador ver a petição antes do tal julgamento privado, que se dá só entre os juízes e sem público e para o magistrado deferir o seu direito. O que era para ser a regra, o julgamento público, o mais basilar direito de uma democracia, passou a ser a exceção: se quiser peça e recorra para assistir ao julgamento, o que não está correto. E acrescente-se a isso que os processos eletrônicos e os sites dos tribunais aonde os advogados devem acessar vivem com problemas técnicos, que muitas vezes impedem o acesso até para protocolar uma simples petição.

A história está aí para nos mostrar que julgamentos secretos são contrários à democracia e que o julgamento público sempre dá legitimidade e maior qualidade para os julgamentos. Ninguém quer ser julgado de forma privada, sem saber depois exatamente qual foi a linha que resultou em sua condenação. As maiores atrocidades foram feitas quando os julgamentos eram secretos e até hoje ocorrem injustiças nos países não democráticos aonde esta pratica ocorre.

A pandemia da COVID 19 não pode servir de motivo para retirar nenhum direito, de nenhum cidadão, quem dirá um direito da coletividade de assistir aos julgamentos do Poder Judiciário. Há flexibilizações que não se justificam, como é o caso dos julgamentos que estão ocorrendo Brasil afora sem que partes e advogados possam assistir. Agora se o advogado, por qualquer razão – inclusive por constantes problemas nos processos eletrônicos e nos sites dos tribunais, perde o prazo ilegal de 3 dias para pedir o julgamento público, as partes e toda a sociedade será privada de ver um julgamento? Isto claramente afronta a Constituição do Brasil, art. 93.

Como a prática está sendo aplicada em todo país e em todos os tribunais, é possível que processos que afetem a vida de todo mundo sejam julgados só entre os magistrados, sem a presença da sociedade, o que prejudica não só a compreensão das razões do julgamento mas como se deu, o que houve.

Nos juizados então esta prática impede que as partes saibam porque ganharam ou porque perderam uma ação porque não há sequer a ata da sessão de julgamento, a gravação, e só é publicada uma súmula, um resuminho do julgamento, impedindo que se saiba ao menos as razões do provimento ou da negativa do recurso. Em um caso destes, a Turma Recursal do Juizado Cível do Rio de Janeiro deu provimento a um recurso do Banco Pan para retirar a indenização de R$ 5.000,00 que havia sido fixada pela Juíza de primeira instância a favor da consumidora. A Turma Recursal em julgamento do qual nem a advogada teve acesso simplesmente retirou a indenização alegando que a violação comprovada de dispositivos legais pelo banco não passou de “mero aborrecimento”. Nunca será possível saber porque para os magistrados daquele julgamento um banco ficar ligando por mais de um ano para uma consumidora doente e para toda a sua família é mero aborrecimento (pimenta nos olhos dos outros é refresco?).

Em outro caso, mesmo diante de pedido da parte para que o processo fosse colocado em sessão na qual os advogados tivessem acesso, o desembargador (juiz de segunda instância, de um tribunal)  simplesmente negou o direito de qualquer um assistir ao julgamento, que se dará então de forma privada, virtualmente e entre os julgadores, sem o acesso da sociedade como é direito fundamental.

A pandemia da COVID 19 e a informatização dos julgamentos não pode servir de justificativa para que estes julgamentos ocorram assim, isso é claramente inconstitucional e se espera que a OAB e o próprio judiciário atuem para rever estes procedimentos e restabeleçam com urgência o direito básico de qualquer cidadão assistir um julgamento judicial, para que a democracia não seja também por isso violentada, como tem ocorrido.

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