Cheryl Berno. Foto: Acervo pessoal

Cheryl Berno

Advogada, Consultora, Palestrante e Professora. Especialista em direito empresarial, tributário, compliance e Sistema S. Sócia da Berno Sociedade de Advocacia. Mestre em Direito Econômico e Social pela PUCPR, Pós-Graduada em Direito Tributário e Processual Tributário e em Direito Comunitário e do Mercosul, Professora de Pós-Graduação em Direito e Negócios da FGV e da A Vez do Mestre Cândido Mendes. Conselheira da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

Contribuinte intimado sem nunca ter tomado ciência da infração fiscal

Cadeado e teclado de computador. Foto: Reprodução de Internet

Cadeado e teclado de computador. Foto: Reprodução de Internet

Quem trabalha com empresa sabe das dificuldades enfrentadas para manter o negócio legal e em dia. Por mais que se tenha os melhores profissionais, boa-fé e sorte, não é fácil. Para o pobre empresário, que muitas vezes é até uma pessoa física que perdeu o emprego e resolveu ter um CNPJ então, é missão impossível (será que o Tom Cruise daria conta?). Mas, sempre pode ficar pior. O meio eletrônico, que deveria ser utilizado para facilitar a vida do empreendedor, tem servido para aumentar o número de obrigações e dificultar ainda mais o seu cumprimento.

No Estado do Rio de Janeiro foram criados ambientes virtuais para o contribuinte ser informado de suas pendências, o que seria positivo, não começasse o fisco a intimar o contribuinte a esmo sem lhe explicar antes os detalhes da nova imposição. Intimar pelo meio eletrônico por si só não é ruim, o problema é quando o contribuinte não é informado disto e a sistemática é confusa.

Fizemos várias reportagens tentando alertar os contribuintes, no entanto, diante dos problemas que nos chegam, fomos investigar mais a fundo o que estava acontecendo e constatamos que muitas empresas estão perdendo o prazo porque nem sabiam que o fisco do Estado do Rio de Janeiro, muito criativo ou por falta de recursos talvez, havia criado não um, mas dois meios de intimar os contribuintes pela Internet, em um ambiente eletrônico que ele mesmo criou, tudo autorizado por lei estadual. Aqui vale parênteses: achar as resoluções e decretos também não é uma missão muito fácil no Estado, que não dispõe de um sistema com tudo o que foi publicado no Diário Oficial, cujo acesso depende ainda de um cadastro, login e senha, não obstante as normas sejam públicas e deveriam ser de acesso fácil porque as leis deveriam estar sempre disponíveis para o amplo conhecimento.

Mas, independente de maior discussão com a sociedade do melhor sistema, a fazenda estadual criou o tal “Fisco Fácil”, que é bem complicado: um local no Portal da Secretaria de Fazenda, acessível só por certificação digital, aonde o contribuinte deveria, teoricamente, ver todas as suas pendências. Mas não é só o Fisco Fácil que deve ser acessado, há ainda o chamado “eDEC”, uma espécie de Caixa Postal Eletrônica Virtual criada pelo fisco para cada empresa, aonde são feitas as tais intimações das decisões e infrações.

Muitos contribuintes chegaram até ao Fisco Fácil, no entanto, não sabiam que tinham que acessar também o “eDEC” e quando descobriram já era tarde, já tinha auto, multa, perda de prazo para defesa e com isto muitos prejuízos, que talvez inviabilizem a continuidade do próprio negócio. A razão de dois ambientes virtuais acessados de formas distintas não está clara. A ideia inicial parece que era copiar a Receita Federal, mas lá é tudo no mesmo local, pelo mesmo acesso. No Estado, nem estudando muito o que tem no Portal, é possível compreender a lógica e a sistemática: o que é enviado para onde, quando e porquê.

O “Fisco Fácil” trabalha com planilhas, que dificultam muito a compreensão das pendências e dos procedimentos para a regularização. O fisco precisa ser mais claro, mais objetivo, se comunicar melhor com as pessoas jurídicas e físicas, para que todo mundo fique feliz, porque se arcar com o custo do tributo já é ruim, imagine enfrentar tantas dificuldades até para pagar!

Em geral, as pessoas até já se conformaram em pagar uma carga tributária alta, mas ainda clamam por facilidades no dia a dia, o que não significa também cair novamente no discurso bem antigo e vazio de desburocratização e simplificação, sem que se diga “o que” e “como”. Para melhor exemplificar, no governo anterior, do Presidente Michel Temer, foi criado um programa para sugestões de desburocratização (uma cópia com alguns detalhes diferentes dos governos anteriores). Como testo, até para poder, como professora, ensinar direito aos alunos (com o perdão do trocadilho), resolvi sugerir à Receita Federal que cumprisse uma lei e um decreto, que desde a época da Presidenta Dilma determinava a utilização de linguagem simples, direta, sem abreviaturas, tudo para facilitar a compreensão pelo público em geral. Sabe o que fizeram? Abriram um processo e nem me avisaram! Quando olhei na minha caixa postal na Receita Federal lá estava ele, um novo problema, quase infartei! Era a tal sugestão que tinha virado um processo administrativo tributário em meu nome e rodado vários setores até o indeferimento da minha sugestão de que era só para cumprissem a lei! Perplexa até recorri da decisão ao Secretário da Receita Federal, pois como usuários, temos a obrigação de contribuir para a melhoria do serviço público (não fui intimada do resultado, mas espero que tenha ao menos servido para a reflexão).

Agora mesmo, o Estado, com a questão da ratificação dos incentivos fiscais, com normas que foram e voltaram, novos prazos e exigências, que se alteraram, e sendo eletrônica a intimação, está com uma legião de empresas irregulares. Têm empresas que nem sabem ainda que perderam prazos importantes e a qualquer momento receberão intimações ou serão alvo destas muitas operações de fiscalização que têm sido noticiadas dando a entender que as empresas cometerem algum crime, quando podem simplesmente não ter mesmo tomado ciência das cobranças.

Espera-se que essas empresas, que já sobreviveram as tantas crises, não acabem fechadas pela perda de um prazo para cumprimento de obrigações e que o fisco, antes de exigir qualquer coisa comunique melhor a sistemática e dê oportunidade para as empresas se regularizarem. O mínimo que se espera do fisco, é que gaste ao menos um selo na hora de intimar o contribuinte de qualquer situação importante. Cobrar a empresa na justiça não é bom para ninguém, porque dificulta ainda mais o pagamento, porque a dívida é acrescida de juros, multa, várias taxas judiciárias e dos honorários da Procuradoria.

A tecnologia deve ser utilizada, mas a favor dos contribuintes, não para prejudica-los ainda mais. Os cidadãos e os empreendedores precisam de facilidades para cumprirem as suas obrigações fiscais, para poderem cuidar mais das suas atividades, gerando assim mais renda, emprego e receita para o próprio Estado, que certamente a reverterá em benefícios de todas e todos.

Para saber mais sobre Fisco Fácil e eDEC consulte: www.fazenda.rj.gov.br

 

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