Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Top 10: os melhores filmes de 2018

“A Forma da Água” venceu quatro estatuetas no Oscar 2018, inclusive as de melhor filme e direção (Foto: Divulgação).

O cinema produziu a todo vapor em 2018, dentro e fora de Hollywood, rendendo bons frutos e outros que não valem nem a pena serem lembrados devido à sua mediocridade enquanto obras cinematográficas. Sendo assim, é chegada a hora de fazer uma lista com os filmes que considero os melhores dentre as estreias nas salas brasileiras neste ano, mesmo que produzidos em anos anteriores. Alguns títulos que se destacaram positivamente serão comentados no decorrer do texto, mas não necessariamente integram o Top 10 disponibilizado ao final.

 

Parte dos lançamentos deste ano nos cinemas brasileiros se destacou na última temporada de premiações. É o caso de “A Forma da Água” (The Shape of Water – 2017), obra-prima que rendeu a Guillermo Del Toro as estatuetas do Oscar de melhor filme e direção. Segunda fantasia a vencer o prêmio máximo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), o longa tem a delicadeza como fio condutor de uma trama que aborda temas universais em tom de fábula.

 

Supostamente o filme que marca a aposentadoria de Daniel Day-Lewis, “Trama Fantasma” (Phantom Thread – 2017) evoca o cinema clássico, bebendo diretamente da fonte de Alfred Hitchcock. Com direção e roteiro de Paul Thomas Anderson, o longa apresenta uma elegância cada vez mais rara no cinema atual para levar às telas uma trama indigesta sobre as perturbações da mente humana.

 

Dirigido por Steven Spielberg, “The Post: A Guerra Secreta” tem discurso atual em prol da liberdade de imprensa (Foto: Divulgação).

 

Steven Spielberg invadiu as salas brasileiras com duas produções distintas: “The Post: A Guerra Secreta” (The Post – 2017) e “Jogador No 1” (Ready Player One – 2018). Baseado na história real da equipe de jornalistas do The Washington Post e o seu dilema de publicar ou não documentos secretos sobre a Guerra do Vietnã, “The Post: A Guerra Secreta” é uma defesa à liberdade de imprensa que também aborda a falta de credibilidade concedida às mulheres, sobretudo em cargos altos nos anos 1970. Explorando o lado mais pop de seu realizador, “Jogador No 1” é uma produção complexa sob a roupagem de blockbuster. Tecnicamente impecável, o filme mostra o vazio daqueles que encontram na tecnologia a rota de fuga da vida cotidiana e suas mazelas, tornando-se cada vez mais alienados pela necessidade de viver a ilusão do virtual em detrimento da realidade.

 

O preconceito racial também foi trabalhado pelo cinema americano em filmes como “Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi” (Mudbound – 2017), de Dee Rees, e “Infiltrado na Klan” (BlacKkKlansman – 2018), de Spike Lee. Apesar de apresentarem alguns pontos negativos, estes dois títulos soam como urgentes numa sociedade ainda assolada pelo racismo. Ambientado no período pós-Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), “Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississippi” é um filme sobre o horror causado pela ignorância que alimenta o preconceito racial, que apresenta o amor e o respeito como elementos importantes para a sobrevivência do indivíduo.

 

Dirigido por Spike Lee, “Infiltrado na Klan” é baseado numa história real (Foto: Divulgação).

 

Baseado em fatos reais, “Infiltrado na Klan” é um filme complexo em todos os aspectos, que retrata não apenas o preconceito racial, como também a intolerância em relação aos policiais, muitas vezes vistos como algozes, inclusive os que atuam corretamente. Ambientada na década de 1970, a produção é alicerçada nas atuações de John David Washington (Ron Stallworth) e Adam Driver (Flip Zimmerman), que estão em total sintonia e dão a exata dimensão do poder da Ku Klux Klan (KKK) sobre quem considera fora dos padrões aceitáveis para a sociedade, como negros e judeus, por exemplo. A dupla vive personagens historicamente perseguidos, mas que nunca militaram em prol de minorias, levando suas vidas com aparente tranquilidade e sem nenhuma preocupação acerca dos perigos que os rondam. Desta forma, a investigação proposta por Stallworth os modifica gradativamente, permitindo que olhem para a ameaça da Klan de forma realmente crítica.

 

Preconceito também é um dos ingredientes de um drama que merece ser citado por dialogar com naturalidade com o público: “Com Amor, Simon” (Love, Simon – 2018), de Greg Berlanti. É importante ressaltar que este filme está longe de ser uma obra-prima, mas é urgente em tempos de intolerância. Típica comédia romântica adolescente ambientada no High School, esta adaptação de “Simon vs. the Homo Sapiens Agenda”, de Becky Albertalli, transmite com muita delicadeza a mensagem de tolerância e respeito, mostrando como a base familiar é importante no momento em que o indivíduo precisa de apoio para ser ele mesmo e encarar o duro julgamento da sociedade.

 

Família é o foco principal da animação vencedora do Oscar, “Viva – A Vida é Uma Festa” (Coco – 2017), de Lee Unkrich. Em pleno feriado do Dia dos Mortos, um menino de 12 anos decide resgatar a memória de seu antepassado para provar à família que a música não é um mal a ser combatido. Durante a jornada do menino pelo mundo dos mortos, o espectador é apresentado a uma trama que não tem céu nem inferno, fugindo de padrões pré-estabelecidos pelo próprio cinema. Tratando a memória dos entes queridos como peça fundamental para mantê-los vivos em outro plano, o longa da Disney / Pixar é de um primor técnico impressionante, conferindo enorme respeito pela cultura mexicana, inclusive no uso da cor.

 

O cinema de animação também contou com outra pérola, menos badalada que “Viva – A Vida é Uma Festa”: “O Touro Ferdinando” (Ferdinand – 2017), do brasileiro Carlos Saldanha, que oferece seu trabalho mais complexo tanto no visual quanto no conteúdo, refletindo seu amadurecimento profissional numa indústria extremamente concorrida. Baseado na obra “The Story of Ferdinand”, de Munro Leaf e Robert Lawson, o longa trabalha temas atuais de forma bastante agradável para tentar conscientizar a plateia, sobretudo os baixinhos, sobre as perigosas consequências do pré-julgamento, da intolerância e do preconceito em tempos tão conturbados. Assim, leva às salas de exibição duas importantes mensagens: não julgue pela aparência e respeite as diferenças.

 

Depois de citar tantos longas-metragens que fizeram sucesso junto ao público, é imprescindível dizer que não reconhecer a qualidade de filmes de grande apelo comercial é o mesmo que renegar o cinema em sua essência, uma vez que esta arte foi criada pelos irmãos Lumière como forma de entretenimento para as massas. Ou seja, os filmes têm de ser analisados como produtos de uma indústria cultural, independente dos gêneros aos quais pertencem, e sem nenhum tipo de preconceito. Sendo assim, não há como ignorar a qualidade e a importância de alguns blockbusters que permitiram que as engrenagens de Hollywood continuassem funcionando após um período difícil, inclusive em termos de bilheterias, como “Pantera Negra” (Black Panther – 2018) e “Vingadores: Guerra Infinita” (Avengers: Infinity War – 2018).

 

“Pantera Negra” é um dos destaques da atual temporada de premiações (Foto: Divulgação).

 

Dirigido por Ryan Coogler, “Pantera Negra” supera as expectativas para um filme de origem e mantém o padrão de qualidade instituído pela Marvel / Disney nos últimos anos, levando às telas uma discussão social que faz uma reflexão sobre exclusão e “conquistadores e conquistados”. Tudo isto por meio de temas como a busca do indivíduo por suas raízes, responsabilidade para com terceiros e os efeitos colaterais do desejo de vingança, que origina uma ideologia política radical.

 

Campeão de bilheteria de 2018 com US$ 2,04 bilhões, “Vingadores: Guerra Infinita” é a produção mais sombria e arriscada do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM). Com direção dos irmãos Anthony e Joe Russo, o longa conta com um dos grandes vilões do cinema americano contemporâneo, Thanos. Apesar de não ser o filme da Marvel mais consistente em termos de conteúdo, continua transmitindo a mensagem da franquia acerca da necessidade de união em prol do bem maior, algo que envolve sacrifícios extremos. Sacrifícios estes impostos também ao seu vilão.

 

Há anos tentando equiparar a qualidade de seus filmes aos da Marvel, sobretudo produzidos pela Disney, a DC/Warner entregou um filme de origem digno de elogios: “Aquaman” (Idem – 2018). Dirigido por James Wan, de “Velozes & Furiosos 7” (Furious Seven – 2015), o longa explora o carisma de seu protagonista, Jason Momoa, para oferecer uma trama que alia conteúdo à qualidade técnica, abordando não apenas a importante questão da poluição do mar devido à ação humana, como também a necessidade do indivíduo ser quem ele realmente é para assumir seu lugar no mundo, mesmo que suas responsabilidades impliquem em revisitar as dores do passado para olhar para o futuro.

 

Lady Gaga e Bradley Cooper protagonizam “Nasce Uma Estrela”, que marca a estreia de Cooper na direção (Foto: Divulgação).

 

A grande surpresa deste ano é o talento como diretor de um ator subestimado pela indústria e pela crítica: Bradley Cooper. Com a firmeza e competência de um veterano na função, o agora cineasta conduz “Nasce Uma Estrela” (A Star is Born – 2018) de modo a expor as entranhas da indústria fonográfica, que muito cobra de seus artistas, tratando-os como produtos rentáveis, porém com prazo de validade. Alicerçado num roteiro consistente e de estrutura linear, o filme cresce na tela graças à dinâmica entre seus protagonistas, Cooper e Lady Gaga, que atuam de maneira a complementar o trabalho um do outro e, acima de tudo, com respeito mútuo, inclusive nos vigorosos números musicais.

 

Este ano, duas produções de baixo orçamento também conquistaram público e crítica: “Um Lugar Silencioso” (A Quiet Place – 2018) e “Buscando…” (Searching – 2018). Produzido, dirigido, roteirizado e estrelado por John Krasinski, “Um Lugar Silencioso” passeia pelo suspense e terror com uma trama sobre monstros cegos e com forte armadura que dizimam a humanidade, sendo atraídos pelos sons produzidos pelas pessoas. Ou seja, o silêncio absoluto é imprescindível para garantir a sobrevivência. Trata-se de um filme tecnicamente impecável que chama atenção pela maneira com a qual os momentos de silêncio são explorados. É um trabalho interessante que agrega bastante valor à trama, influenciando diretamente seu resultado final.

 

“Buscando…” utiliza a linguagem digital com propriedade, traçando um paralelo entre real e virtual (Foto: Divulgação).

 

Estreia de Aneesh Chaganty como diretor e roteirista de longas-metragens, “Buscando…” equilibra com maestria drama e suspense, criando um clima tenso que aumenta de acordo com o desespero do protagonista em busca da filha, apresentando um terceiro ato surpreendente capaz de deixar o espectador grudado na poltrona. Abordando o luto a partir das consequências comportamentais impostas pela dor tanto a David quanto à Margot, “Buscando…” mostra ainda o papel exercido pela tecnologia e pelas redes sociais no mundo contemporâneo, pois muitas vezes são utilizadas como válvula de escape para os usuários ou para o cometimento de algum tipo de crime.

 

Mais uma vez saindo da zona de conforto proporcionada pelas comédias que arrastam multidões às salas de exibição, o cinema brasileiro se aventurou pelo universo dos quadrinhos ao adaptar a obra de Luciano Cunha sobre um policial de elite que após ver a filha ser vitimada pela violência e, posteriormente, a precariedade dos hospitais públicos, decide entrar numa jornada contra a corrupção. Dirigido por Gustavo Bonafé, “O Doutrinador” (2018) é uma produção que bebe diretamente da fonte do cinemão americano, inclusive no que tange à preocupação com a técnica, para oferecer uma trama de herói que leva às telas as consequências da corrupção que há décadas assola o Brasil.

 

Com direção de Caio Sóh, “Canastra Suja” (2018) tem como alicerce principal a dinâmica entre dois gigantes: Adriana Esteves (Maria) e Marco Ricca (Batista). Classificado como drama, o longa mostra uma família disfuncional tendo de lidar com alcoolismo, prostituição, pedofilia e estupro de vulnerável. Tudo isto numa trama bem amarrada que não utiliza nenhum tipo de clichê, nem mesmo quando aborda o direito à segunda chance.

 

Acompanhando as mudanças de cidade e trabalho de um homem solitário, “Arábia” (2018) é o retrato de uma fatia da sociedade que faz o possível para sobreviver num país de poucas oportunidades. Dirigido por Affonso Uchoa e João Dumans, o filme não levanta bandeiras políticas para focar na trajetória do protagonista, mostrada num longo flashback com narração em off.

 

Perpera é o ex-pajé evangelizado dos Paiter Suruí, tribo que teve seu primeiro contato com brancos em 1969 (Foto: Divulgação).

 

Com direção e roteiro de Luiz Bolognesi, o documentário “Ex-Pajé” (2018) mostra as consequências de anos de evangelização de tribos indígenas da Amazônia por meio da história dos Paiter Suruí, que tiveram seu primeiro contato com os brancos em 1969. Desde então, a tribo vive entre as suas tradições e os desígnios da Igreja Evangélica, absorvendo também a cultura de uma sociedade globalizada e conectada em tempo integral. Tudo isso é apresentado à plateia por meio de Perpera Suruí, pajé que abnegou sua base espiritual após ouvir do pastor que sua crença o levaria ao inferno. É uma produção consistente em conteúdo e necessária em tempos de desvalorização cultural num país incapaz de preservar sua memória e suas raízes.

 

Necessárias também são as questões levantadas por “Ferrugem” (2018) e “Aos Teus Olhos” (2018), ambos sobre os perigos que rondam a internet e suas consequências nas vidas das pessoas. Dirigido por Aly Muritiba, “Ferrugem” mostra a relação de dependência do indivíduo com smartphones e as consequências do vazamento de vídeos íntimos de uma adolescente em redes sociais.

 

Assim como o filme de Muritiba, “Aos Teus Olhos” também aborda a questão das redes sociais, mas sob a ótica do linchamento virtual. Com direção de Carolina Jabor, “Aos Teus Olhos” leva às telas o desespero de um professor de natação após ser acusado de assediar um aluno, sendo bombardeado no tribunal da internet sem provas contra ele e sem nenhuma chance de defesa. É um trabalho cujos destaques são a condução firme de Jabor e a atuação de Daniel de Oliveira.

 

Algumas surpresas também saíram do Velho Continente, como “Verão” (Leto – 2018), produção russa de roupagem americana que certamente faria enorme sucesso junto ao público se fosse realizada por qualquer estúdio hollywoodiano. Dirigido por Kirill Serebrennikov, o longa baseado na história real de dois astros do rock russo, Mayk Naumenko (Roman Bilyk) e Viktor Tsoi (Teo Yoo), mostra como a tensão entre Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) era altíssima no início dos anos 1980. Assim, os jovens soviéticos tinham pouco acesso a músicas e filmes, principalmente à música porque as bandas americanas e inglesas eram consideradas subversivas. Logo, para aproveitar os produtos da cultura ocidental de países capitalistas, os jovens precisavam driblar não apenas o governo, mas também a fatia mais conservadora da população.

 

Retratando a dor imposta pelo radicalismo, calcado na ignorância, “Em pedaços” (Aus dem Nichts – 2017) surpreende pela atuação de sua protagonista, Diane Kruger (Katja Sekerci), que vive uma mulher que chega ao fundo do poço após o marido e o filho serem assassinados por neonazistas. É uma interpretação forte que exprime com propriedade a dor da personagem que parte numa jornada de vingança contra os responsáveis. Com direção de Fatih Akin, este drama alemão levanta ainda a questão acerca do papel da justiça e seus recursos, sobretudo no segundo ato, ambientado num tribunal.

 

Dirigido por Vahid Jalilvand, “Sem Data, Sem Assinatura” é um filme duro que mostra a miséria no Irã (Foto: Divulgação).

 

Segundo longa-metragem do iraniano Vahid Jalilvand, “Sem Data, Sem Assinatura” (Bedoune Tarikh, Bedoune Emza – 2018) é um drama que explora o cenário de extrema pobreza no Irã sob a ótica de um legista atormentado pela dúvida de ser ou não o responsável pela morte de um menino. Ao mesmo tempo, a produção apresenta a dor do pai, igualmente atormentado, mas pela dúvida se a contaminação da comida que serviu à família causou o óbito do filho. Vencedor do Venice Horizons Award de melhor direção e ator (Navid Mohammadzadeh), no Festival de Veneza deste ano, este é um filme duro que se destaca pela direção competente de Jalilvand e pelo trabalho de composição de personagem de Amir Aghaee (Dr. Kaveh Nariman).

 

Confira Top 10 2018:

1. “A Forma da Água”:

Foto: Divulgação.

Grande vencedor do Oscar 2018, “A Forma da Água” é ambientado nos anos 1960, em plena Guerra Fria e corrida espacial, e tem como tema principal o preconceito em suas mais variadas formas, mostrado por meio do tratamento conferido aos personagens que integram minorias: deficientes, negros, homossexuais, imigrantes (no caso, o próprio “monstro”) e por aí vai. Subestimados e constantemente desrespeitados, tais personagens são construídos de maneira bastante natural e sem nenhum tipo de estereótipo para que concedam o máximo de veracidade à dinâmica do elenco e, consequentemente, à trama.

 

Conduzido com muita competência por Guillermo Del Toro, o longa tem a delicadeza como elemento imprescindível para o desenvolvimento de sua trama. Abordando temas universais como preconceito, solidão, compaixão, amizade e respeito às diferenças, o longa usa com propriedade a criatura interpretada por Doug Jones como representante de quaisquer raças, nacionalidades e gêneros.

 

Assim como “A Bela e a Fera” (The Beauty and the Beast – 1991) e até mesmo “Shrek” (Idem – 2001), uma animação claramente voltada para o público adulto, “A Forma da Água” é um filme sobre o amor que transcende a barreira da aparência para valorizar a essência do indivíduo, sobrepondo o conteúdo à embalagem. Ou seja, apresenta um sentimento nobre como antídoto contra o preconceito que ainda hoje assola a sociedade.

 

2. “Trama Fantasma:

Foto: Divulgação.

Supostamente marcando a despedida de Daniel Day-Lewis (Reynolds Woodcock) da tela grande, “Trama Fantasma” usa o romance entre Reynolds e Alma (Vicky Krieps) como fio condutor de uma trama complexa que aborda relações de poder, dependência emocional, sentimentos reprimidos e hipocrisia. Para isto, mostra a Casa Woodcock como um ambiente claustrofóbico e perturbador capaz de transformar amor em amargura.

 

Contando com uma estética suntuosa, alicerçada nos trabalhos impecáveis de direção de arte, figurino e fotografia em 35mm, algo cada vez mais raro na Hollywood contemporânea, o longa chama a atenção pela edição de som, que insere com precisão cirúrgica ruídos provenientes de tecidos e mastigação, por exemplo, transformando-os em algo essencial para cada sequência.

 

Bebendo da fonte de Alfred Hitchcock sempre que possível, “Trama Fantasma” resgata o requinte de produções clássicas e foge de clichês para contar uma história de difícil digestão que causará certa estranheza em parte da plateia. Isto se deve ao fato de Anderson explorar os elementos da trama de maneira a subverter alguns conceitos, sobretudo em relação ao amor e ao final feliz.

 

3. “Nasce Uma Estrela”:

Foto: Divulgação.

Terceiro remake do clássico homônimo de 1937, de William A. Wellman, “Nasce Uma Estrela” (A Star is Born – 2018) resgata o que de melhor há no cinema hollywoodiano, oferecendo à plateia uma experiência emocionante.

 

Contando com a direção competente de Bradley Cooper, estreante na função, bem como com o seu talento em frente às câmeras, ao lado de Lady Gaga (Ally), este filme é uma obra completa por apostar também nos quesitos técnicos, sobretudo na fotografia e no som, que é um de seus grandes destaques. Isto se deve ao fato de o som proporcionar ao espectador uma experiência quase imersiva, principalmente nas sequências ambientadas em shows e backstages. É um trabalho esmerado do departamento de som da Warner Bros. e que agrega enorme valor a esta obra.

 

Abordando o modus operandi do showbusiness e suas consequências, “Nasce Uma Estrela” se torna uma produção sobre relações humanas e a importância de uma base sólida, construída de maneira a manter o indivíduo com os pés no chão apesar das adversidades. Neste sentido, torna-se doloroso e concede uma sucessão de socos no estômago em seu terceiro ato, mas sempre preservando o principal ingrediente do relacionamento de Ally e Jackson (Cooper), o amor.

 

4. “The Post: A Guerra Secreta”:

Foto: Divulgação.

Baseado na história real da equipe de jornalistas do The Washington Post e o seu dilema de publicar ou não documentos secretos sobre a Guerra do Vietnã, o que aumentaria a ira do presidente Nixon, “The Post: A Guerra Secreta” aborda a falta de credibilidade concedida às mulheres e defende o jornalismo em prol da sociedade. Tudo isso tendo como maior trunfo a união de três profissionais pertencentes ao Olimpo hollywoodiano: Steven Spielberg, Tom Hanks (Ben Bradlee) e Meryl Streep (Kay Graham). O resultado é uma obra imprescindível e soberba, algo raro nos dias atuais.

 

No entanto, a trama histórica funciona como pretexto para uma discussão cada vez mais atual, seja nos Estados Unidos, no Brasil ou em qualquer outro país: a liberdade de imprensa. Com um roteiro preciso, assinado por Liz Hannah e Josh Singer, Spielberg aborda o assunto com afinco em plena Era Trump, mostrando como o jornalismo praticado com seriedade e responsabilidade exerce papel fundamental numa sociedade democrática. E a defesa à liberdade de imprensa é concentrada principalmente na força do personagem de Hanks. Defendido com garra pelo ator duas vezes vencedor do Oscar, Bradlee é o responsável pelas frases de efeito em prol do jornalismo, entre elas: “Nós (jornalistas) temos que monitorar o poder deles (governantes)” e “O único jeito de defender o direito de publicar é publicando”.

 

Esteticamente belo, “The Post: A Guerra Secreta” é uma ode ao jornalismo e ao direito de publicação, condensado num trecho da decisão da Suprema Corte Americana à ação contra o The Washington Post e o The New York Times, utilizado no filme: “A imprensa deve servir aos governados, não aos governantes”. E é esse o recado de Spielberg, Hanks e Streep ao seu público em tempos tão conturbados em todo o mundo.

 

5. “Verão”:

Foto: Divulgação.

Baseado nas memórias de Natalya Naumenko, o longa dirigido por Kirill Serebrennikov, apresenta as dificuldades profissionais e amorosas de Mayk Naumenko (Roman Bilyk) e Viktor Tsoi (Teo Yoo), tendo como fio condutor de sua trama a questão ideológica que dificultava o acesso dos soviéticos aos produtos da indústria cultural, oriundos, em sua maioria, dos Estados Unidos e da Inglaterra. Isto é condensado numa interessante sequência ambientada num trem, onde um idoso se levanta e começa a esbravejar contra um dos jovens: “endeusando o ocidente. O Estado não te deu educação?”, completando: “Você canta música de nossos inimigos ideológicos… vá se tornar um patriota!”.

 

É neste ponto que o filme sai da biografia musical para invadir o campo político, tecendo críticas à ex-URSS e deixando claro ao espectador que a juventude clamava por liberdade, pois gostaria de viver como em qualquer outro país, sem ser controlada pelo Estado. Todos estes elementos são apresentados em total comunhão, mérito do roteiro rico em detalhes e estruturado com esmero.

 

Tecnicamente impecável, “Verão” chama a atenção por sua bela fotografia em preto e branco, montagem, trilha sonora, direção de arte e caracterização. No entanto, sua força está na interação do trio principal, composto por Roman Bilyk, Teo Yoo e Irina Starshenbaum (Natalia ‘Natasha’ Naumenko), que surge em cena como um pilar na vida destes dois homens em busca de sucesso e liberdade artística e de expressão.

 

6. “Em Pedaços”:

Foto: Divulgação.

Vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro este ano, “Em Pedaços” é uma produção dura que leva às telas um problema grave: a ascensão de grupos neonazistas na Europa. Com direção de Fatih Akin, o longa aborda o tema por meio da tragédia que se abate sobre Katja Sekerci (Diane Kruger), que perde marido e filho num atentado terrorista.

 

Alicerçado na interpretação de Kruger, que oferece um trabalho de total entrega, o longa é dividido em três atos distintos que mostram as fases do luto, esperança de justiça e necessidade de fazê-la com as próprias mãos para reencontrar a paz de espírito perdida em meio ao horror.

 

Levantando a questão da impunidade, “Em Pedaços” se desenvolve de maneira a equilibrar suspense e drama nas medidas certas, mas sem utilizar clichês e estereótipos como muletas. É uma produção sobre dor e desespero oriundos da ignorância que leva ao radicalismo e, consequentemente, à barbárie.

 

7. “Pantera Negra”:

Foto: Divulgação.

Com direção de Ryan Coogler, “Pantera Negra” apresenta uma trama calcada em dinâmica familiar, religiosidade, importância de ancestrais e, acima de tudo, a influência de seus espíritos. No entanto, o filme não se atém ao sentimentalismo do drama familiar imposto pela traição e mentira, pois é uma produção que se arrisca ao sair da zona de conforto do universo dos heróis para levar às telas uma discussão social, usando como fio condutor a história pregressa de Erik Killmonger (Michael B. Jordan) em Oakland, mesma cidade da Califórnia em que Coogler nasceu.

 

Explorando com dignidade a beleza da cultura africana, o blockbuster também mostra a importância da mulher no modus operandi de Wakanda, influenciando o seu Rei ou se opondo a ele, como as guerreiras Dora Milaje, a guarda pessoal do soberano. Com isso, o longa assume uma abordagem mais tradicional e vista em diversos filmes dentro e fora de Hollywood, baseada no antigo ditado popular “por trás de todo grande homem há sempre uma grande mulher”. Mas, no caso do Rei T’Challa / Pantera Negra (Chadwick Boseman), o ditado foi adaptado, pois há um grupo de mulheres imprescindível para que ele se estabeleça no trono e lute pelo futuro de seu país e, consequentemente, pela segurança de seu povo.

 

“Pantera Negra” supera as expectativas em termos de efeitos sonoros e visuais, apostando também no design de produção e na fotografia impecáveis que funcionam a favor da trama e permitem que o longa mantenha o padrão de qualidade instituído pela Marvel / Disney nos últimos anos.

 

8. “Viva – A Vida é Uma Festa”:

Foto: Divulgação.

Vencedor do Oscar de melhor animação, “Viva – A Vida é Uma Festa” utiliza o feriado do Dia dos Mortos, um dos mais importantes para os mexicanos, como fio condutor de uma história de cunho familiar, que tem como protagonista um menino de 12 anos que sonha se tornar músico.

 

Com direção de Lee Unkrich, esta animação sai da zona de conforto por não apresentar céu nem inferno, fugindo de clichês que poderiam lhe conferir certa previsibilidade. É um roteiro rico em detalhes e desenvolvido com muito cuidado, tendo como suporte o esplendor técnico desta produção que trata a cultura mexicana com o devido respeito.

 

Com doses exatas de aventura e humor, “Viva – A Vida é Uma Festa” é um dos títulos mais emocionantes produzidos pela Disney em parceria com a Pixar nos últimos anos. É uma aula sobre amor e superação de traumas do passado. Este último, centrado nas figuras da avó e da bisavó do protagonista.

 

9. “Canastra Suja”:

Foto: Divulgação.

Ambientado no Rio de Janeiro, “Canastra Suja” é um dos filmes mais impressionantes produzidos pelo cinema brasileiro em 2018 por aproximar a câmera à hipocrisia de uma família que sobrevive de aparência, aos trancos e barrancos, varrendo toda a sua sujeira para debaixo do tapete. Neste caso, a aparência é resumida no discurso moralista do patriarca alcóolatra e agressivo, preocupado sempre com a opinião de terceiros, mas alheio ao que acontece sob seu teto.

 

A trama é composta por temas como prostituição, adultério, violência doméstica, pedofilia e estupro de vulnerável, conduzida com firmeza por Caio Sóh, responsável também pelo roteiro enxuto e desprovido de clichês.

 

No entanto, o principal alicerce de “Canastra Suja” é a dinâmica entre Adriana Esteves (Maria) e Marco Ricca (Batista), que surgem em cena como dois gigantes. Enquanto Esteves esmiúça a personalidade da dona de casa frustrada e adúltera, Ricca trabalha a agressividade de seu personagem, homem que não sabe mais como lidar com o vício e suas consequências, entre elas, a relação turbulenta com o filho Pedro (Pedro Nercessian).

 

10. “Um Lugar Silencioso”:

Foto: Divulgação.

Apesar de não aprofundar o lado psicológico dos personagens e a relação entre pai e filha, “Um Lugar Silencioso” figura entre os destaques do ano por construir com dignidade a atmosfera de tensão, equilibrando suspense e terror com maestria para manter o ritmo narrativo da primeira à última cena.

 

Utilizando elementos originais e certa roupagem de filme de arte, partindo de uma premissa bastante explorada pelo cinema pipoca, o longa produzido, dirigido, roteirizado e estrelado por John Krasinski, é de beleza plástica impressionante e surpreende por não exagerar nos efeitos visuais.

Com trilha sonora inserida com precisão pela montagem de Christopher Tellefsen, potencializando a atmosfera de tensão, o longa que tem como fio condutor de sua trama a preocupação de um homem com a segurança de sua família, chama realmente a atenção pela maneira com a qual trabalha os momentos de silêncio. Além disso, se destaca por seus efeitos sonoros e edição de som impecáveis.

 

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