Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Oscar 2023: representatividade em noite histórica e previsível

Oscar 2023: os vencedores Ke Huy Quan, Michelle Yeoh, Brendan Fraser e Jamie Lee Curtis (Foto: Divulgação – Crédito: Michael Yada / ©A.M.P.A.S.).

Na noite do último domingo (12), a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS) realizou a cerimônia de entrega do Oscar de maneira a colocá-la em seu livro de história, celebrando a representatividade. Isso se deve, primordialmente, às sete estatuetas concedidas a “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” (Everything Everywhere All at Once – 2022, EUA), filme que tornou Michelle Yeoh e Ke Huy Quan os primeiros profissionais de origem asiática a vencer as categorias de melhor atriz e ator coadjuvante, respectivamente.

 

“Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”: equipe celebra a vitória no Oscar 2023 (Foto: Divulgação – Crédito: Blaine Ohigashi / ©A.M.P.A.S.).

 

Levando personagens asiáticos às telas equilibrando ação, aventura e comédia com algumas pitadas de drama, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” também é um exemplar de representatividade para a comunidade LGBTQIA+ devido à personagem de Stephanie Hsu, que perdeu a estatueta de coadjuvante para sua colega de elenco, a veterana Jamie Lee Curtis, responsável por derrotar, ainda, a atriz que começou a temporada com o status de favorita dessa categoria, Angela Basset, indicada por “Pantera Negra: Wakanda para Sempre” (Black Panther: Wakanda Forever – 2022, EUA), de Ryan Coogler.

 

Não há como negar que a representatividade da 95a edição do Oscar é, desde o início, asiática, pois havia poucos negros indicados, principalmente dentre os atores, sendo Bassett e Brian Tyree Henry, que concorria por “Passagem” (Causeway – 2022, EUA), produção original AppleTV+, os únicos. Presidida por Janet Yang, nova-iorquina filha de imigrantes chineses, a Academia recebeu duras críticas após o anúncio dos indicados, algo que se fortaleceu devido ao burburinho em torno de nomes como Viola Davis e Danielle Deadwyler, respectivamente cotadas como finalistas da categoria de melhor atriz por “A Mulher Rei” (The Woman King – 2022, EUA) e “Till – A Busca por Justiça” (Till – 2022, EUA), mas esnobadas.

 

Ruth E. Carter: primeira mulher negra a vencer duas estatuetas do Oscar (Foto: Divulgação – Crédito: Michael Yada / ©A.M.P.A.S.).

 

No entanto, a figurinista Ruth E. Carter se fortaleceu como uma das gigantes da AMPAS ao se tornar a única mulher negra a receber duas estatuetas do Oscar, ambas por filmes do Universo Cinematográfico da Marvel (UCM), “Pantera Negra” (Black Panther – 2018, EUA) e “Pantera Negra: Wakanda para Sempre”. E o fato de o longa integrar o UCM pesou contra Angela Bassett, pois ainda há preconceito por parte de membros votantes contra o filão de super-heróis, uma hipocrisia porque ele é um dos responsáveis por manter as engrenagens da indústria funcionando a pleno vapor.

 

O preconceito ao cinema comercial produzido pelos estúdios tradicionais também foi um grande obstáculo para “Top Gun: Maverick” (Top Gun: Maverick – 2022, EUA), um dos títulos mais afetados pelo efeito dominó de adiamentos durante a fase mais crítica da pandemia de Covid-19 e a segunda maior bilheteria de 2022, US$ 1,49 bilhão, segundo o Box Office Mojo. Produzido e estrelado por Tom Cruise, que não compareceu à cerimônia devido às filmagens de “Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte 2” (Mission: Impossible – Dead Reckoning Part Two – 2024, EUA), o longa recebeu apenas uma das seis estatuetas a que concorria, a de melhor som.

 

Lady Gaga durante a apresentação de “Hold my Hand” (Foto: Divulgação – Crédito: Phil McCarten / ©A.M.P.A.S.).

 

Mesmo relegando blockbusters ao segundo plano, a Academia demonstrou a vontade de dialogar com a fatia mais jovem do público consagrando um filme mais destinado a ela que aos mais velhos. Dirigido por Daniel Scheinert e Dan Kwan, “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” era apenas um dos atrativos para prender a atenção dos jovens na frente da televisão, aumentando, assim, os índices de audiência que há tantos anos não agradam aos executivos da ABC nem aos produtores do Oscar. Nesta edição, a Academia apostou, novamente, no pop para conquistar os telespectadores, que puderam desfrutar de apresentações musicais de Lady Gaga, Rihanna e Lenny Kravitz, responsável por embalar o segmento “In Memoriam” com uma de suas canções de sucesso, “Calling All Angels”.

 

De acordo com a Variety, a audiência da cerimônia nos Estados Unidos aumentou 12% em comparação ao ano anterior, dos quais 5% representam adultos entre 18 e 49 anos de idade, refletindo o interesse por filmes como “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, “Top Gun: Maverick” e “Avatar: O Caminho da Água” (Avatar: The Way of Water – 2022, EUA). Assim, os executivos da AMPAS e da ABC tiraram um peso dos ombros, mas tendo a consciência de que muito ainda precisa ser feito para manter os índices nas próximas edições.

 

No entanto, uma coisa chamou a atenção: o desprezo a Steven Spielberg, cineasta que tanto contribui para o cinema em diferentes funções. Indicado a sete categorias, “Os Fabelmans” (The Fabelmans – 2022, EUA) saiu do Dolby Theatre de mãos vazias. E essa esnobada aconteceu um ano depois da derrota de Spielberg com “Amor, Sublime Amor” (West Side Story – 2021, EUA), que venceu apenas a estatueta de melhor atriz coadjuvante para Ariana DeBose. Mas a derrota por “Os Fabelmans” foi ainda mais dolorida para Spielberg, pois o longa é baseado em sua própria história.

 

Steven Spielberg com a esposa e parte da equipe de “Os Fabelmans” (Foto: Divulgação – Crédito: Kyusung Gong / ©A.M.P.A.S.).

 

Steven Spielberg conduziu “Os Fabelmans” de maneira muito pessoal para declarar o amor à família e à sétima-arte, realizando uma obra-prima que enaltece a experiência cinematográfica no momento em que muito se discute sobre o papel da sala de exibição na Era do Streaming. A esnobada a um dos maiores cineastas da História do Cinema é advinda da necessidade da Academia em querer abraçar novos públicos, dizendo a eles que a tradição está se abrindo à originalidade, mas esquecendo completamente o quão original é a filmografia de Spielberg, o homem que criou o conceito de blockbuster e permitiu a plateia a sonhar como poucos. É como se, no último domingo, a comunidade hollywoodiana, por meio da AMPAS, lhe falasse: “A sua trajetória não nos importa, somente o dinheiro arrecadado por seus filmes mais comerciais, que nos ajudam a alavancar nossas carreiras”. Uma das derrotas mais amargas para o Rei Midas de Hollywood, sem dúvida.

 

Além disso, a 95a edição do Oscar foi particularmente preocupante para a AMPAS, que precisa rever seus conceitos acerca do descumprimento de suas normas mais básicas. Logo após o anúncio dos indicados, marcado pelo burburinho em torno da ausência de nomes como Davis e Deadwyler, citados anteriormente, Andrea Riseborough foi transportada para o olho do furacão de uma polêmica sobre violação das regras de elegibilidade, que têm de ser seguidas à risca por todos que desejam disputar a estatueta dourada mais cobiçada do cinema mundial. Concorrendo por “To Leslie” (To Leslie – 2022, EUA), Riseborough se manteve afastada da mídia e parecia um tanto desconfortável no Dolby Theatre, praticamente ignorada pelas câmeras, por causa do escândalo e da subsequente reunião do Conselho Diretor para decidir a manutenção ou não de sua indicação. Na semana passada, Yeoh se tornou o centro de uma polêmica que poderia ter lhe custado a retirada de seu nome da lista de finalistas.

 

Michelle Yeoh compartilhou em suas redes sociais um post com trecho da matéria da revista Vogue que citava Cate Blanchett, sua adversária mais forte na corrida pelo Oscar, dizendo que a australiana já possuía duas estatuetas e não mais precisaria confirmar sua posição como profissional. Enquanto para Yeoh, o Golden Boy seria de extrema importância. O problema é que o compartilhamento pela atriz significou uma violação das regras pré-estabelecidas pela Academia, no caso, a 11, chamada de “Referências a outros indicados”, que diz: “Anúncios, correspondências, sites, mídias sociais (incluindo Facebook e Twitter) ou quaisquer outras formas de comunicação pública por qualquer pessoa diretamente associada com um filme elegível tentando lançar uma luz negativa ou depreciativa sobre um filme ou realização concorrente não serão tolerados; Em particular, qualquer tática que destaque “a competição” por nome ou título é expressamente proibida”. A regra também prevê punição a quem descumpri-la, que pode variar de suspensão a expulsão.

 

Oscar 2022: Will Smith com a estatueta de melhor ator (Foto: Divulgação – Crédito: Blaine Ohigashi / A.M.P.A.S.).

 

O posicionamento da AMPAS foi o de tentar contornar a situação para evitar um problema de proporções maiores. Afinal, a votação já havia sido encerrada e Yeoh era a favorita naquele momento. Pouco se falou sobre o post, rapidamente deletado pela atriz que recebeu inúmeras críticas em seguida. Mas não há como negar que a neutralidade, nesses casos específicos, lembra a apatia após a agressão física de Will Smith a Chris Rock no ano passado, quando o primeiro esbofeteou o segundo e não foi retirado do auditório porque o show televisivo tinha que continuar, e Smith poderia vencer o Oscar de melhor ator, como venceu, por “King Richard: Criando Campeãs” (King Richard – 2021, EUA) – nas semanas seguintes, Smith quase perdeu o Golden Boy, mas o Conselho Diretor optou por bani-lo de quaisquer eventos da AMPAS, inclusive o Oscar, por 10 anos.

 

Assim como aconteceu na situação envolvendo Will Smith, a AMPAS adiou o problema, prometendo revisar suas regras nos próximos meses, assumindo que a campanha dos indicados em redes sociais é uma de suas principais preocupações nesse momento. Mais uma vez, a Academia precisa se ajustar em prol de campanhas que coloquem todos os concorrentes em pé de igualdade, aprendendo que o orçamento de cada uma delas se torna irrisório quando o lobby dos bastidores e a rapidez das redes dominam a narrativa.

 

A decisão da Academia de não tomar nenhuma atitude imediata, optando por estudar tais questões nos próximos meses para que esses problemas não se repitam no futuro, demonstrou certa fraqueza, transmitindo a ideia de que as campanhas rumo ao palco do Oscar podem violar regras, ultrapassando linhas tênues, como no passado, quando a extinta Miramax, dos irmãos Bob e Harvey Weinstein, fazia o que bem entendia para vencer o máximo de estatuetas possível, investindo em campanhas bastante incisivas.

 

No geral, o Oscar 2023 foi extremamente previsível, demonstrando o comprometimento da Academia não apenas com as questões que a assombram desde 2016, representatividade, diversidade e inclusão, como também com o modelo tradicional de cinema, pregando a coexistência pacífica com o streaming, nesta edição, premiado com os originais Netflix “Nada de Novo no Front” (Im Westen nichts Neues – 2022, Alemanha / EUA / Reino Unido), “Pinóquio” (Guillermo del Toro’s Pinocchio – 2022, EUA / México / França) e “Como Cuidar de um Bebê Elefante” (The Elephant Whisperers – 2022, EUA); e com “O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo” (The Boy, the Mole, the Fox and the Horse – 2022, Reino Unido / EUA), da AppleTV+.

 

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