Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

Cinema e os desafios de 2021

Atividades culturais têm sido diretamente afetadas pela pandemia (Foto: Pixabay).

Tentando se reorganizar e reerguer em meio ao caos imposto pela pandemia do novo coronavírus, que interrompeu as atividades nos estúdios e fechou as salas de exibição, dentro e fora dos Estados Unidos, causando enorme prejuízo financeiro, a indústria cinematográfica hollywoodiana começa 2021 enfrentando a crise econômica oriunda da sanitária, bem como suas consequências. Com o aumento do número de casos na Califórnia, o Departamento de Saúde Pública de Los Angeles pediu, em 28 de dezembro do ano passado, que os estúdios e seus executivos pausassem o cronograma para conter a propagação do vírus no estado, gravemente afetado pela Covid-19.

 

“Embora as produções de música, TV e cinema tenham permissão para operar, pedimos que considerem seriamente a pausa do trabalho por algumas semanas durante este catastrófico aumento dos casos de Covid. Identifiquem e adiem atividades de maior risco e concentrem-se no trabalho de menor risco por enquanto, se possível”, diz o e-mail enviado aos estúdios, pedindo, ainda, que as equipes não realizem nenhuma viagem a trabalho para que seus membros não fiquem em ambientes fechados como meios de transportes, segundo a Variety, acompanhado de uma imagem, disponibilizada abaixo, que pede “por favor, parem a onda. Fiquem em casa. Não se reúnam. Usem máscara. E fiquem a 1,8 metros de distância”.

 

“Por favor, parem a onda. Fiquem em casa. Não se reúnam. Usem máscara. E fiquem a 1,8 metros de distância” (Foto: Reprodução – FilmLA).

 

Começando o ano sem saber se o pedido do Departamento de Saúde Pública de Los Angeles se tornará um decreto do governo nos próximos dias ou semanas, a indústria também assiste ao fortalecimento de uma ameaça que há anos a atormenta: o streaming. Há tempos, Hollywood discute o papel do modelo tradicional de cinema, calcado na experiência proporcionada pelas salas de exibição, locais historicamente de socialização, face à popularização das plataformas digitais que surgiram, e se estabeleceram, no cenário pós-pirataria, facilitada pelo download ilegal de filmes.

 

Tal qual no passado, quando a televisão obrigou o cinema a se reinventar, os estúdios necessitam correr contra o tempo ou aprender a lucrar com este novo modelo de assistir longas-metragens, muitos deles, produzidos diretamente para o streaming e, portanto, considerados telefilmes por alguns profissionais que criticam a ascensão de tais produções sobretudo na temporada de prêmios que tradicionalmente termina com o Oscar. Dentre os críticos, ninguém menos que Steven Spielberg, que declarou guerra à Netflix, gigante do setor cujo maior objetivo é vencer estatuetas douradas de melhor filme na cerimônia promovida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), algo que tem chances de acontecer na próxima edição devido ao adiamento de inúmeros títulos de estúdios tradicionais, como por exemplo, o remake de “Amor, Sublime Amor” (West Side Story – 2021), de Spielberg, inicialmente previsto para dezembro de 2020 e reagendado para dezembro deste ano.

 

As constantes alterações do cronograma de estreias por causa do fechamento das salas de exibição em virtude da pandemia levaram a AMPAS a afrouxar as regras de elegibilidade do Oscar 2021, tornando elegíveis títulos lançados diretamente no streaming sem a necessidade de exibição comercial em Los Angeles por pelo menos sete dias consecutivos e três sessões diárias – outras instituições, como a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association – HFPA), responsável pelo Globo de Ouro, também afrouxaram as regras. Esta mudança será válida somente na próxima edição, cuja cerimônia foi adiada de 28 de fevereiro para 25 de abril, e para produções que já haviam sido agendadas no circuito comercial, seguindo estritamente as seguintes regras, de acordo com o comunicado oficial da instituição: “1. O filme tem de ser disponibilizado na Academy Screening Room (plataforma de streaming da AMPAS) no prazo de 60 dias após sua exibição ou lançamento em VOD; 2. O filme deve atender a todos os outros requisitos de elegibilidade”. Ou seja, isto não significa uma abertura para quaisquer produções originais de plataformas de streaming como a Netflix e a Amazon Prime Video, por exemplo. Além disso, a Academia também decidiu que títulos comprovadamente inscritos / selecionados em festivais de cinema que foram adiados ou cancelados em decorrência da pandemia estão qualificados para a disputa por uma vaga dentre os indicados ao Oscar 2021 desde que sejam disponibilizados aos membros e sigam as outras regras de elegibilidade.

 

Dirigido por Anthony e Joe Russo, “Vingadores: Ultimato” é a maior bilheteria da História do cinema (Foto: Divulgação).

 

Os desafios para a indústria cinematográfica aumentaram vertiginosamente nos últimos meses por causa da Covid-19. Antes, a principal preocupação dos estúdios era obter lucro suficiente para investir em novas tecnologias que pudessem atrair as massas às salas de exibição, apostando em efeitos visuais e sonoros de qualidade como diferenciais no momento de escolha. Era o apelo da imagem propriamente dita, tal qual aconteceu nos primórdios da sétima-arte com o chamado Primeiro Cinema (1895 – 1910), também conhecido como Cinema das Atrações. Isto pode ser exemplificado nas produções do Universo Cinematográfico Marvel (UCM), entre elas, o fenômeno “Vingadores: Ultimato” (Avengers: Endgame – 2019), que arrecadou US$ 2,797 bilhões em todo o mundo e se tornou a maior bilheteria da História. Com personagens e história idolatrados pelo público de diferentes faixas etárias, o longa tem como um dos atrativos o emprego primoroso da técnica, além do fato de que seus fãs ansiavam pela experiência de assisti-lo na tela grande numa sala que fizesse jus à tecnologia empregada pela Disney / Marvel. E neste cenário de medo e insegurança imposto pela pandemia, o desafio é encontrar uma solução que viabilize a volta segura às salas, locais fechados e, portanto, propícios à disseminação do vírus. Mais uma vez, investindo em tecnologia.

 

A questão, neste momento, é que para investir adequadamente em segurança, o gasto dos exibidores não será pouco. Levando em consideração que o setor é um dos mais afetados pela pandemia, as salas menores estão sofrendo com maior intensidade o impacto da crise, mesmo as que puderam retomar as atividades, pois não têm dinheiro suficiente para assumir as novas demandas e implementar as mudanças exigidas. Com isso, uma parte considerável do público segue afastada dos cinemas enquanto a vacina não é disponibilizada à população em larga escala, algo que levou vários cineastas a solicitarem junto aos executivos dos estúdios o adiamento de seus filmes, parte deles de grande apelo comercial e, por esta razão, imprescindíveis para a recuperação do circuito exibidor. E é neste ponto que o streaming cresce e se beneficia. Com as pessoas adotando o isolamento social como forma de proteção, a necessidade de buscar entretenimento doméstico se tornou real, colocando as plataformas digitais como uma das poucas opções seguras de consumo.

 

“Trolls 2” protagonizou uma das maiores polêmicas de 2020 (Foto: Divulgação).

 

Com isso, os estúdios tomaram decisões que abalaram as estruturas da indústria, dividindo opiniões. Uma delas foi o lançamento de títulos previamente agendados no circuito comercial em PVOD, quebrando a janela tradicional de exibição, que prevê o intervalo de 70 a 90 dias entre a estreia nas salas e sua disponibilização em plataformas digitais. Foi o caso de “Trolls 2” (Trolls World Tour – 2020), que aumentou a discussão sobre a manutenção do modelo clássico de cinema, colocando a Universal Pictures no olho do furacão até com ameaça de boicote por parte das redes exibidoras, entre elas, a AMC Theatres, que, sob o risco de falência, aceitou um acordo com o estúdio para receber uma parcela considerável do lucro do PVOD – a AMC segue com problemas financeiros graves, colocando 50 milhões de ações à venda, no final de dezembro, para tentar levantar cerca de US$ 124,75 milhões e sobreviver à crise, de acordo com o The Hollywood Reporter.

 

Enquanto o debate ganhava força, a DreamWorks SKG e a Paramount Pictures fechavam um acordo de distribuição de uma das apostas do próximo Oscar, “Os 7 de Chicago” (The Trial of the Chicago 7 – 2020), com a Netflix, que o disponibilizou em outubro de 2020. Paralelamente a isso, a The Walt Disney Company não apenas decidiu lançar um dos principais longas-metragens do calendário de 2020, “Mulan” (Idem – 2020), em PVOD em alguns países, como, meses depois, o disponibilizou diretamente em seu serviço de streaming, a Disney+, que chegou à América Latina em novembro do ano passado sacudindo a concorrência – a Casa do Mickey fez o mesmo com outros títulos, entre eles, “Artemis Fowl: O Mundo Secreto” (Artemis Fowl – 2020) e “Soul” (Idem – 2020), que estreou em 25 de dezembro como presente de Natal aos assinantes e aposta para o prêmio da AMPAS.

 

“Mulher-Maravilha 1984” é estrelado e produzido por Gal Gadot (Foto: Divulgação / Crédito: Warner Bros.).

Contudo, partiu da Warner Bros. o anúncio que equivaleu a um terremoto seguido por tsunami: o lançamento de 17 títulos agendados para 2020 e 2021 no mesmo “dia e data” no circuito comercial e no streaming, onde serão disponibilizados na HBO Max, ativa somente nos Estados Unidos, mas com previsão de chegada na Europa e América Latina até o final deste ano. Entre eles, “Mulher-Maravilha 1984” (Wonder Woman 1984 – 2020), “Duna” (Dune – 2021), “Matrix 4” (The Matrix 4- 2021), “Space Jam: A New Legacy” (Idem – 2021) e “Esquadrão Suicida” (The Suicide Squad – 2021). Quebrando de vez a janela de exibição e abrindo precedente para atitudes similares no futuro, inclusive pela concorrência, o estúdio alega que esta é uma decisão temporária em decorrência da pandemia. Mesmo assim, a Warner recebeu críticas por colocar em risco o modelo tradicional de cinema e, consequentemente, o emprego de diversos profissionais que dependem da indústria para sobreviver, sendo chamada por Christopher Nolan de “alavanca para uma estratégia de negócios diferente, sem primeiro descobrir como essas novas estruturas terão de funcionar”.

 

É inegável que os desafios e problemas enfrentados pela indústria hollywoodiana foram potencializados pela Covid-19, sobretudo no que tange ao prosseguimento do cronograma de produção, afetado também por integrantes de equipes que testaram positivo para o novo coronavírus, e ao funcionamento das salas de exibição, que, agora, precisam driblar a crise e convencer o espectador a retornar às atividades de outrora seguindo protocolos de segurança rígidos para diminuir os riscos de contágio.

 

Neste ponto, uma ressalva se faz necessária, pois as decisões tomadas por executivos de Hollywood afetarão o mercado brasileiro e suas produções direta e indiretamente. Caso os títulos nacionais consigam incentivos para serem produzidos, terão de enfrentar uma disputa acirradíssima por espaço no circuito, competindo com longas de peso hollywoodianos, considerados os salvadores das bilheterias no cenário pós-pandêmico, conforme dito anteriormente. Desta forma, os filmes de menor apelo popular e independentes tenderão a estrear diretamente em plataformas digitais, perdendo a experiência na tela grande e, consequentemente, o lucro das bilheterias, deixando o cinema nacional numa situação delicada.

 

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