Ana Carolina Garcia. Foto: SRzd

Ana Carolina Garcia

Jornalista formada pela Universidade Estácio de Sá, onde também concluiu sua pós-graduação em Jornalismo Cultural. Em 2011, lançou seu primeiro livro, "A Fantástica Fábrica de Filmes - Como Hollywood se Tornou a Capital Mundial do Cinema", da Editora Senac Rio.

AMPAS e as regras para a próxima edição do Oscar

A 94a cerimônia do Oscar está agendada para 27 de março de 2022 (Foto: Divulgação – Crédito: Richard Harbaugh / ©A.M.P.A.S.).

Realizada em 25 de abril deste ano, a 93a cerimônia de entrega do Oscar foi a mais diversa e inclusiva da História da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood (Academy of Motion Picture Arts and Sciences – AMPAS), que há tempos buscava fugir das críticas negativas que a colocaram no olho do furacão em 2016. Mesmo sem intenção, a Academia atingiu seu objetivo tendo a pandemia de Covid-19 como facilitadora, pois 2020 foi marcado pela interrupção das atividades nos centros de produção e o fechamento das salas de exibição que causaram efeito dominó no calendário de estreias e, obviamente, impactaram a temporada de premiações.

 

Conforme observado na edição deste ano, o caos pandêmico implicou em mudanças de regras de elegibilidade, permitindo que títulos que estrearam direto em PVoD ou no streaming, bem como tantos outros que não teriam oportunidade se disputassem espaço com grandes produções de estúdios tradicionais, participassem da corrida por uma vaga dentre os finalistas do Oscar. Isto foi impulsionado pela ausência de filmes previamente apontados como fortes concorrentes, que não chegaram ao circuito comercial antes da cerimônia – na verdade, alguns ainda nem foram lançados.

 

Inicialmente prevista para 27 de fevereiro de 2022, a 94a cerimônia do Oscar está agendada para 27 de março para não coincidir com as Olimpíadas de Inverno nem com o Super Bowl, que derrubaria de vez a audiência do maior evento do calendário hollywoodiano. Porém, a instituição manterá o afrouxamento das regras de elegibilidade em decorrência da pandemia, que ainda causa certa incerteza na indústria apesar de os Estados Unidos estarem retomando à tão sonhada normalidade graças ao investimento em vacinação em massa da população, algo essencial no combate à Covid-19.

 

De acordo com o The Hollywood Reporter, o Conselho Diretor da AMPAS decidiu que o período de elegibilidade da próxima edição será de 1o de março a 31 de dezembro de 2021, mantendo a permissão para filmes que estreiem no mesmo dia e data nos cinemas e no streaming, quebrando a janela de exibição tradicional, desde que sejam disponibilizados na plataforma digital da instituição, a Academy Screening Room, até 60 dias depois do lançamento.

 

Maior estação de trem de Los Angeles, Union Station, sendo preparada para o Oscar 2021 (Foto: Divulgação – Crédito: Troy Harvey / ©A.M.P.A.S.).

 

De acordo com o comunicado oficial da instituição, a “Regra Dois, Elegibilidade” inclui duas opções de qualificação, permitindo a expansão da exibição comercial para fora do eixo Los Angeles – Nova York: “1. O filme tem de ser disponibilizado na Academy Screening Room (plataforma de streaming da AMPAS) no prazo de 60 dias após sua exibição ou lançamento em VOD; o filme deve atender a todos os outros requisitos de elegibilidade. 2. Filmes que estreiam nos cinemas em pelo menos uma das seis cidades americanas qualificadas, dependendo da disponibilidade do cinema, pode se qualificar sob estas disposições: que o filme conclua uma sequência de qualificação de pelo menos sete dias consecutivos no mesmo local comercial, durante o qual as exibições devem ocorrer pelo menos três vezes ao dia, com pelo menos uma começando entre 18h e 22h, diariamente; que atenda a todos os outros requisitos de elegibilidade; seis cidades americanas qualificadas incluem: Condado de Los Angeles, Nova York, Bay Area (condados de São Francisco, Marin, Alameda, San Mateo e Contra Costa), Chicago, Miami e Atlanta; cinemas drive-in estão incluídos como um espaço comercial qualificado nas cidades acima (obrigatório correr por sete dias consecutivos com pelo menos uma sessão diária); a sala de projeção da Academia seria opcional”.

 

No entanto, as mudanças realmente significativas ficam a cargo das categorias de melhor filme e trilha sonora. Na próxima edição, serão 10 longas-metragens concorrendo à estatueta principal, não mais um número entre cinco e 10 títulos, que variavam a cada ano; e estarão aptos a disputar o Golden Boy de trilha sonora os filmes que utilizarem cerca de 35% da canção original, derrubando os 60% exigidos nas edições anteriores. Além disso, a Academia proibiu o envio de DVD’s, CD’s e roteiros físicos aos membros votantes.

 

A manutenção da elegibilidade de produções que não sejam exibidas comercialmente na tela grande vai de encontro com a mensagem transmitida pelos resultados do Oscar de 2021, que, apesar do recorde de títulos oriundos lançados por e para o streaming, prevalecia o modelo tradicional de cinema, calcado na experiência proporcionada pelas salas de exibição, locais historicamente de socialização. Segundo o Deadline, a Academia pretende manter tais regras até 2023, o que acende o alerta nos executivos de estúdios. Afinal, a AMPAS quer facilitar o desempenho dos filmes durante o período da pandemia ou se render definitivamente às plataformas de streaming, inclusive premiando seus títulos originais com as estatuetas principais, o que não aconteceu este ano? Neste cenário de dúvidas, a Netflix não reina mais absoluta, tendo como adversárias de peso a Disney+, a HBO Max e a Amazon, que comprou a MGM por US$ 8,45 bilhões em maio.

 

Esta decisão da AMPAS alegra principalmente a Warner Bros., que decidiu lançar no mesmo dia e data 17 filmes agendados para 2020 e 2021, no circuito comercial e no streaming, onde serão disponibilizados na HBO Max, que chegou ao Brasil na última semana. No entanto, o Sindicato dos Diretores (Directors Guild of America – DGA), responsável pelo DGA Awards, maior termômetro da categoria de melhor direção do Oscar, bateu o martelo e anunciou, em 29 de junho, a volta da exigência de exibição de filmes exclusivamente nas salas comerciais por pelo menos sete dias consecutivos para que estejam aptos a disputar uma vaga entre os finalistas de cinema. Surtindo efeito de balde de água fria sobre a Warner e, até mesmo, da própria Disney, o retorno desta regra é válido para todas as produções cinematográficas lançadas a partir de 15 de junho, quando os cinemas de Los Angeles e Nova York já haviam retomado suas atividades. Com isso, o DGA Awards, agendado para 12 de março, sacudirá a próxima temporada de premiações no que tange às predições do Oscar, pois muitos diretores habilitados para a corrida pela estatueta dourada não poderão concorrer ao prêmio do Sindicato. “Celebramos o retorno do importante papel que a sala de exibição desempenha ao reunir o público à medida que ele vivencia os filmes como os cineastas pretendiam que fossem vistos”, afirmou Thomas Schlamme, presidente do DGA, lembrando, ainda, que a reabertura dos cinemas após “mais de um ano de escuridão” é um sinal de cura para a comunidade.

 

Ainda é cedo para dimensionar o impacto das decisões de duas das maiores instituições de Hollywood sobre a próxima temporada de prêmios, que não teve seu calendário oficial divulgado até a presente data. Mas a promessa é de que tenha uma dinâmica diferenciada por não haver consenso geral entre os responsáveis pelos prêmios no que tange à elegibilidade e à pandemia.

 

Governors Awards e novos membros

 

Apresentados durante a cerimônia do Oscar até 2009, os prêmios honorários, concedidos para homenagear profissionais pelo conjunto da obra e/ou por suas contribuições à Academia, ganharam evento próprio, o Governors Awards, que teve os homenageados de 2022 anunciados no final de junho: Samuel L. Jackson, Liv Ullmann e Elaine May.

 

Tradicionalmente realizada no final do ano, a cerimônia do Governors Awards está agendada para 15 de janeiro e contará ainda com outro homenageado, o ator Danny Glover. Popularmente conhecido como o parceiro de Mel Gibson na franquia “Máquina Mortífera” (Lethal Weapon – 1987), Glover receberá o Jean Hersholt Humanitarian Award, concedido por suas ações humanitárias.

 

“Estamos entusiasmados em entregar o Governors Awards deste ano a quatro homenageados que tiveram um impacto profundo no cinema e na sociedade. Sam Jackson é um ícone cultural cujo trabalho dinâmico ressoou em gêneros, gerações e públicos em todo o mundo, enquanto a abordagem ousada e intransigente de Elaine May para o cinema, como escritora, diretora e atriz, reverbera tão alto como sempre entre os amantes do cinema. A bravura e a transparência emocional de Liv Ullmann dotaram o público de retratos na tela profundamente comoventes, e a defesa de décadas de Danny Glover pela justiça e pelos direitos humanos reflete sua dedicação em reconhecer nossa humanidade compartilhada dentro e fora da tela”, afirmou David Rubin, presidente da AMPAS, em comunicado oficial à imprensa.

 

A escolha da Academia por tais nomes reflete a preocupação com questões como representatividade, diversidade e inclusão, algo que também guiou o convite para novos membros divulgado no último dia 1o. Ao todo, 395 profissionais foram convidados pela instituição, entre americanos e estrangeiros, totalizando 50 nacionalidades distintas. São nomes como Robert Pattinson, Steven Yeun, Andra Day, Leslie Odom Jr., Lee Isaac Chung, Emerald Fennell, Nia DaCosta, Cathy Yan, Darius Marder, Vanessa Kirby e os brasileiros Wagner Moura, Andrea Barata Ribeiro, Fabiano Gullane, Paula Barreto, João Atala, Karen Akerman, Anna Van Steen e Carolina Markowicz.

 

De acordo com a Variety, o número, apesar de expressivo, representa cerca da metade do ano anterior. Ainda segundo a publicação, a “Turma de 2021”, como o grupo é chamado, reúne 89 indicados ao Oscar, dentre eles, 25 vencedores. No geral, 53% dos convidados não são americanos, 46% são mulheres e 39% pertencem a grupos étnicos/raciais que não têm muita representatividade. Caso todos aceitem o convite, a Academia ficará com quadro de quase 10 mil membros com direito a voto no Oscar.

 

Globo de Ouro x Critics Choice Awards

 

Enquanto a AMPAS implementa medidas que a distanciem da polêmica que ganhou força e manchetes em 2016, a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (Hollywood Foreign Press Association – HFPA) lida com as consequências de novo escândalo que tem colocado sua credibilidade em xeque.

 

Há muitos anos, a Associação tem seu nome vinculado a rumores sobre favorecimento a profissionais e produções, impulsionados por presentes enviados de estúdios e distribuidoras aos membros, sobretudo na temporada de premiações. Mas a situação tomou outra proporção às vésperas do Globo de Ouro 2021, quando o LA Times publicou uma matéria sobre a HFPA, afirmando, dentre outras coisas, que nenhum de seus 87 membros é negro, algo que se potencializou devido à lista de indicados, que não contava com produções de elenco majoritariamente negro na disputa das categorias de melhor filme tanto de drama quanto de comédia / musical. Entre os títulos ignorados, alguns de destaque da temporada, como “Destacamento Blood” (Da 5 Bloods – 2020), “Uma Noite em Miami…” (One Night in Miami – 2020), “A Voz Suprema do Blues” (Ma Rainey’s Black Bottom – 2020) e “Judas e o Messias Negro”, o único dos quatro a ser lançado nas salas de exibição.

 

Globo de Ouro 2021: cerimônia híbrida e sóbria (Foto: Divulgação / Crédito: HFPA Photographer).

 

Desde então, a HFPA se viu obrigada a tomar atitudes, sobretudo em relação ao seu quadro após denúncias de jornalistas que não foram aceitos pela instituição, o que acarretou um movimento dentro da comunidade hollywoodiana, inclusive com companhias como a Warner, Netflix e Amazon, por exemplo, se recusando a participar de quaisquer eventos relacionados à Associação, bem como profissionais que se negam a dar entrevistas aos membros da instituição, afetando diretamente seu trabalho como correspondentes. Além disso, a NBC afirmou que não transmitirá a cerimônia enquanto mudanças drásticas não forem implementadas e diversos atores se posicionaram questionando a instituição e dizendo que não se orgulhavam dos Globos de Ouro recebidos. Mas Tom Cruise foi além e devolveu seus três prêmios, causando enorme burburinho na terra do cinema.

 

Depois de contratar um consultor para questões como diversidade, equidade e inclusão, e anunciar um Código de Conduta que tem como foco aumentar a representatividade dentro da instituição e proibir o recebimento de presentes e outros benefícios por parte de seus integrantes, a HFPA divulgou no último dia 30 novas regras, destacando a necessidade de exibição dos filmes no circuito comercial de Los Angeles para que possam concorrer ao prêmio. Além disso, produções estrangeiras e animações poderão disputar as categorias principais, filme de drama e comédia/musical, desde que atendam a todos os “requisitos de elegibilidade”. A Associação também mudou o nome da categoria de melhor filme estrangeiro para “melhor filme em língua não-inglesa”.

 

Em meio a isso, a Associação sentiu o peso da “concorrência”, pois a Broadcast Film Critics Association (BFCA) quer que o seu Critics Choice Awards ganhe ainda mais notoriedade, ocupando o lugar do Globo de Ouro inclusive no que tange à transmissão televisiva e à locação, pois tenta levar a cerimônia para o The Beverly Hilton Hotel, que tradicionalmente recebe a festa da HFPA. O imbróglio entre as duas instituições ganhou força quando a BFCA divulgou que o evento será realizado em 09 de janeiro, data que pertencia ao Globo de Ouro, e aceitou como membros jornalistas outrora barrados pela HFPA, que segue num cenário de indefinição acerca de sua própria cerimônia.

 

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