Com a facilidade de acesso ao audiovisual proporcionada pelos recentes processos digitais, tornou-se comum a produção de documentários, digamos ”familiares”. Alguém que acredita que determinada história acontecida em sua família é interessante o suficiente para virar filme lança mão de uma câmera e de um laptop e sai por aí fazendo um longa. Se der certo, consegue até algum edital para distribuir, em salas de cinema, este seu íntimo álbum digital.
O problema é que nem sempre a história que parece boa para a família do cineasta é boa também para o público em geral, e não raro este tipo de filme acaba tendo interesse específico e pessoal. Muito específico e pessoal, como é possível comprovar em alguns lançamentos recentes.
Felizmente, isso não acontece com o vibrante e perturbador “O Pacto de Adriana”. O longa pode, sim, ser considerado um documentário familiar, mas o que ele tem para dizer está longe de ser de interesse específico e pessoal.
A Adriana do título é uma simpática e animada senhora chilena de classe média que viaja bastante e sempre que retorna à sua cidade é recebida no aeroporto por vários elementos de sua igualmente animada família. Entre eles, sua mãe, irmãs, e a sobrinha Lissette. Nada de especial. Até o dia em que a tia Adriana desembarca no aeroporto e é recebida pela polícia chilena, que a leva presa, para a surpresa e medo da família. Estudante de cinema, a sobrinha e sua câmera vão investigar o ocorrido e descobrem, estarrecidas, que Adriana é acusada de ter sido uma das mais cruéis torturadoras da ditadura Pinochet. O que existe ou não de verdade nisso tudo é o que o filme pretenderá descobrir.
Cinematograficamente, “O Pacto de Adriana” traz pouco, mas a tensão da busca pela verdade temperada pelo relacionamento afetivo/familiar entre documentada e documentarista valem o filme. Mesmo porque, diferente do que acontece no Brasil, a preocupação pela punição de crimes cometidos durante a ditadura é real e concreta, no Chile. Acompanha-se com interesse e intensa carga emotiva a procura desta garota por depoentes, notícias e fatos da época que possam jogar alguma luz (ou mais escuridão) sobre o tema, ao mesmo tempo em que os depoimentos desencontrados da própria acusada conduzem a investigação por caminhos ainda mais tortuosos.
Há momentos de virar o estômago, principalmente os relacionados aos torpes mecanismos de sedução do poder, além do registro atual de uma grande convenção de apoio a Pinochet. A sensação de mal estar piora toda vez que lembramos que toda esta luta pela verdade e pelos direitos, tipicamente latino americana, aqui em nosso país foi atirada sem dó nem piedade na lata de lixo da História. Onde permanece firme e forte.
“O Pacto de Adriana” estrou nesta quinta, 11 de janeiro.
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