Sabe aquela história que muita gente fala, que as chamadas “pornochanchadas” eram alienadas, vazias, e serviam apenas como válvula de escape para o povo não prestar atenção nos problemas causados pela ditadura militar? Esquece! O longa “Histórias que nosso cinema (não) contava”, de Fernanda Pessoa, exibido na noite desta quinta-feira (26) na Mostra de Tiradentes, derruba esta teoria, e joga novas luzes sobre este gênero tão menosprezado do nosso cinema.
Resultado de cinco anos de pesquisa e edição, “Histórias que nosso cinema (não) contava” é estruturalmente um trabalho de montagem. Longe do documentário clássico e tradicional, ele não se apoia em depoimentos nem em textos, mas única e exclusivamente na justaposição linear de trechos daquilo que se convencionou chamar, pejorativamente, de “pornochanchada”. Foram utilizadas cenas de cerca de 30 longas, todos dos anos 70, que foram montadas de maneira a comprovar que, contrariamente à voz vigente, as comédias eróticas daquele período estavam longe de ser alienadas ou alienantes. Política, racismo, violência contra a mulher, violência em geral, ditadura militar, subdesenvolvimento, a presença norte-americana ditando os rumos do Brasil, a opressão e a imbecilidade das elites dominantes, todos estes temas – e outros – foram abertamente abordados pelas pornochanchadas, que nem sempre maquiava tais questões com uma suposta ingenuidade cômica ou as deturpava através de um erotismo raso, conforme mostra o documentário.
A utilização criativa da montagem, compondo e recompondo com eficiência e bom humor um instigante painel sócio-político da época, é um muito bem-vindo diferencial deste filme dirigido pela estreante em longas Fernanda Pessoa. Para as novas gerações, constitui-se em indispensável instrumento de pesquisa e descoberta. Para os menos jovens, o filme proporciona ainda uma deliciosa e nostálgica viagem no tempo através dos atores, das atrizes, das cores fortes e das hoje românticas deficiências técnicas do cinema brasileiro dos anos 70. Um cinema que, à sua maneira, criou uma base de resistência contra a ditadura, possibilitando que a atividade cinematográfica no país permanecesse forte e atuante mesmo sob o peso da censura. Um cinema que merece ser revisto e revisitado, agora sem preconceitos.
Celso Sabadin viajou a Tiradentes a convite da organização do evento.
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