Proibir crianças nos desfiles de Carnaval é negar a perpetuação da própria cultura brasileira
O carnavalesco Marco Aurélio Ruffinn traz mais um texto para os leitores do SRzd.
A coluna é publicada semanalmente, às quintas-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!
Proibir crianças nos desfiles é negar a perpetuação da própria cultura brasileira
Há séculos atrás toda e qualquer expressão de negritude era banida e expurgada pelo preconceito e discriminação racista de tempos sombrios.
Mesmo com a abolição da escravatura, em 1888, o movimento eugenista – baseado nas teorias de eugenia cujo objetivo é “melhorar” a raça humana – cresceu no Brasil.
A ideia era embranquecer o país, dar identidade européia.
A partir de então, toda forma de expressão cultural africana, já esmagada durante a escravidão, passou a ser segregada.
As religiões de matrizes africana, foram o principal alvo na época. Demonizadas, vítimas da ignorância e da intolerância religiosa, ainda hoje sofrem grande perseguição.
E com o samba, não foi diferente.
“…livre do açoite da senzala, preso na miséria da favela…” (trecho do samba-enredo da Estação Primeira de Mangueira em 1988).
Marginalizado, ao longo do percurso até tornar-se a alma e a identidade universal da música brasileira, muito preconceito rolou.
E ainda rola! E como!
O mais recente “floresceu” nas últimas semanas, quando a vereadora paulistana Rute Costa, do PSD, protocolou na Câmara Municipal de São Paulo o projeto de lei 0175/2017, que proíbe a presença de menores de 18 anos nos desfiles de escola de samba.
Segundo a parlamentar, autora do projeto, a presença de crianças e adolescentes neste evento fere o artigo 74 do ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Coincidentemente, a vereadora Ruth Costa é filha do famoso pastor e ministro evangélico José Wellington Bezerra.
Quero acreditar que a parlamentar desconhece a trajetória de afirmação da raça negra no Brasil.
Não levar em conta a negritude, “sentimento de orgulho racial e conscientização do valor e da riqueza cultural africana”, é desrespeitar a identidade de mais da metade da população brasileira.
A escola de samba é o maior exemplo de negritude que temos no Brasil, mesmo miscigenada, sua essência transborda todos esses valores. Desrespeitar isso, é contracultura. É estar fora do eixo. Fora do mundo contemporâneo, que se mobiliza para banir toda a forma de intolerância.
Negar o ingresso de crianças nos desfiles é negar a perpetuação da própria cultura brasileira.
Eu sei muito bem o que estou escrevendo, pois sou oriundo de uma ala de crianças de uma escola de samba. Foi onde onde o meu universo infantil ficou mais colorido. Nos ensaios de bateria, conheci grandes mestres que me incentivaram a aprender a tocar um instrumento. Lá me foi estimulado o aprendizado musical.
Foi lá também que ensaiei os primeiros passos na dança. Se hoje sou figurinista, é porque esse dom foi despertado, ajudando a confeccionar fantasias. Trabalhando voluntariamente no barracão descobri minha paixão pelas artes plásticas, pela cenografia e pela arte de fazer Carnaval.
Em vias de ingressar ao mestrado, a escola de samba tem total influência em minha vida. São mais de quarenta anos envolvido nesse universo.
Minha senhora, se a sua intenção é não perpetuar a essência do Carnaval e destruir a mais midiática expressão de negritude do país, vai fundo!
A senhora parece saber muito bem por onde começar a destruição!
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