Harmonia: ‘onde poucos trabalham e muitos se divertem’

Raul Diniz. Arte: Bruno Giannelli

O SRzd abre mais uma vez seu acervo para relembrar reportagens especiais realizadas com sambistas. É um momento para matar a saudade de momentos marcantes de acontecimentos e da trajetória de muitos protagonistas da folia paulistana.

Dando continuidade a série “Tbt SRzd” – gíria popular que significa “throwback Thursday”, traduzida do inglês, significa “quinta-feira do retorno” ou “quinta-feira do regresso” –, voltamos ao ano de 2012 para mostrar um dos textos do então colunista do SRzd, Raul Diniz.

Raul possui trabalhos como carnavalesco pelas seguintes agremiações: Mocidade Alegre, Tom Maior, Barroca Zona Sul, Camisa Verde e Branco, Gaviões da Fiel, Império de Casa Verde, Mancha Verde, Rosas de Ouro, Nenê de Vila Matilde, Vai-Vai, X-9 Paulistana e Unidos do Peruche.

Atualmente, o artista mora na Espanha e trabalha com pintura, participando de exposições e feiras de arte. Ele também produz o Carnaval da Ilha da Madeira, em Portugal.

Harmonia: “onde poucos trabalham e muitos se divertem”

Muito bem, imagine depois de tanto trabalho e tantos desencontros, a difícil tarefa que é deixar uma escola de samba preparada para o desfile. Escolhe-se o enredo, fazem-se os protótipos das fantasias para produção. Enfrenta-se uma dura escolha do samba que será cantado na avenida, ensaios de canto, dança e bateria, sem contar o que está no barracão, peças imensas que completam o cenário do desfile, os gigantescos carros alegóricos acoplados e com movimentos nem sempre práticos, enfim, uma doidice. Tudo isso, envolve dezenas de pessoas que no final serão dirigidos por personagens de suma importância neste processo: os diretores de harmonia.

Os diretores de harmonia são peças fundamentais no desfile. Eles fazem com que tudo funcione de acordo com uma planilha preparada pelo diretor de Carnaval, juntamente com o carnavalesco e a direção da escola. Depois de definidas as diretrizes, é importante que os diretores estejam bem preparados para que tudo funcione perfeitamente. Em muitos casos, algumas escolas colocam diretores mal preparados para exercer essa função de vital importância, pessoas alheias ao planejamento, embora eleitas pela direção, que nada fazem a não ser passear pela avenida dando ordens completamente fora de sintonia com os verdadeiros responsáveis pelo desfile. Nesses casos, o trabalho de um ano inteiro pode ser jogado fora, quer por negligência ou pura falta de conhecimento.

Os que estão envolvidos no trabalho procuram seguir a risca o combinado, mas sempre se deparam com o pseudo-entendido, aquele que só aparece dias antes do desfile principal, cheio de razão, querendo mudar todo o planejamento de um largo ano de trabalho.

A função do diretor de harmonia, que nem sempre é reconhecida, começa dentro da quadra de ensaios e chega até o desfile final. Ele faz com que todos os componentes cantem em sintonia com o puxador de samba acompanhado pela bateria. Encarrega-se da correta ocupação do espaço correspondente a cada componente, dentro de cada ala e da fluidez contagiante do “cantar o samba”, que ajuda ao bom andamento da escola e por conseqüência auxilia a harmonia durante a passagem na passarela.

A responsabilidade dos diretores de harmonia dentro da escola é muito maior do que parece, eles tem que observar, além do mencionado, todos os detalhes das fantasias que os componentes trazem, porque, na maioria das vezes os diretores de alas ocultam problemas, trocam os materiais apresentados nos pilotos, tiram adereços, deixam falhas de acabamento, às vezes sem calçados adequados ou diferentes, deturpando a representação inicial. Os diretores têm ainda que observar a harmonia musical da escola, o carro de som, a sincronia do canto e bateria, o posicionamento dos casais de mestre-sala e porta-bandeira, se a comissão de frente está completa, se os destaques dos carros alegóricos estão posicionados nos seus devidos locais, se os efeitos propostos funcionarão perfeitamente, se o tempo de desfile está cronometrado com o tamanho da escola.

Nem sempre, o que se ensaia dentro de uma quadra, funciona corretamente na pista de desfile. Dependendo do clima que os diretores de harmonia transmitem aos componentes, podem transformar um projeto genial em uma apresentação catastrófica. Os ensaios de coreografias determinados aos componentes que não correspondem ao andamento do desfile, a falta de sincronização do canto com a bateria, fazem com que a escola tenha um desfile desencontrado, à conseqüência perda de pontos importantes. Enfim, qualquer descuido, significa muitos pontos perdidos que podem ser a consolidação do campeonato ou um terrível rebaixamento para o grupo de acesso.

Outra tarefa importante que faz parte da responsabilidade da harmonia é a retirada das gigantescas alegorias da concentração já com todos os cenários montados e posicioná-las na cabeceira da pista já com a escola em andamento no seu esquenta. Cuidar delas durante o desfile e estar preparado para qualquer eventualidade que possa ocorrer.

Depois de tudo ao término do desfile, terão ainda que reposicionar as alegorias fora da pista, retirar seus componentes, abaixar as talhas e empurrar os carros até o local de dispersão onde ficarão aguardando o resultado da apuração para saber se a escola desfila de novo, ou se volta ao barracão onde foram construídos.

O quesito Harmonia em um desfile nota 10

O julgamento do quesito harmonia considera um desfile nota 10 quando a escola é perfeita na igualdade do canto e a manutenção de sua tonalidade com o intérprete da escola, do início ao fim do desfile formando um grande coral, transmitindo a todos os componentes e espectadores, alegria, descontração, entusiasmos e externando felicidade. Mantendo o espaço entre as alas e alegorias, sem a penetração de uma na outra ou abrir claros durante a passagem da escola.

É também importante que na escola, durante a sua evolução, os componentes desfilem tranquilos, sem correria ou retrocesso para tampar os buracos que ficam em função de uma ala que evolui mais rápido que a seguinte. Essa evolução tem que ser marcada com criatividade, empolgada pelo samba e pela vibração contagiante transmitida pela bateria, mantendo o espetáculo animado e coeso, mesmo que haja algum problema com o sistema de som.

São considerados normais os espaços deixados entre os casais de mestre-sala e porta-bandeira, comissão de frente e alas ou grupos com coreografias especiais devidamente ensaiadas para a apresentação durante o desfile da escola. O buraco deixado pela bateria deve ser preenchido pela ala que vem atrás obedecendo ao critério que foi determinado pela direção de harmonia, bateria e o diretor de ala, tem que haver bom senso e cuidado para não extrapolar, pois isso terá um efeito dominó em todo o conjunto.

Um bom diretor de harmonia deve ser educado com os componentes, não tocar em hipótese alguma no desfilante, ter extremo bom senso, prever os possíveis erros, focar na assertividade e estar seguro em suas decisões. Vejam quão duras é a posição da harmonia que deve ter todas as qualidades já mencionadas, não ganha nada pelo que faz e às vezes é julgado pelos erros de uns poucos que chegam despreparados, sem conhecimento do projeto do Carnaval e tem mais autoridade de quem está o ano todo planejando um desfile perfeito.

Fica aqui minha homenagem a todos os diretores de harmonia

Não dançam como um mestre-sala, mas, tem conhecimento do quesito e como será julgado, não cantam como o intérprete oficial, mas sabem quando está fora de tom, não tocam como um ritmista, mas ouvem uma bateria atravessada, não são estilistas, mas observam uma fantasia mal feita. Muitos acham que é bonito olhar dentro de uma quadra de ensaios uns homens de branco dando ordens, mal sabem que para ser bom tem que estar sempre presente nas decisões diárias que serão tomadas para ser o campeão.

Parabéns a todos os diretores de harmonias que trabalham onde muitos se divertem. Bom Carnaval a todos!

Raul Diniz

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