Com enredo em homenagem às alas de baianas, carnavalesco dispara: ‘Vamos dar trabalho’

Ala das baianas da Mangueira em 1987. Foto: Reprodução

Ala das baianas da Mangueira em 1987. Foto: Reprodução

No Carnaval de São Paulo de 2019, a tradicional ala das baianas, presente em todas as escolas de samba, será tema do desfile da Combinados de Sapopemba.

O desenvolvimento ficará por conta do carnavalesco Pedro Alexandre Magoo, que retorna para a agremiação em que iniciou sua carreira após 30 anos. Em seu currículo, Magoo traz a experiência de trabalhos realizados na Nenê de Vila Matilde e Mancha Verde.

“Comecei no Carnaval na Combinados justamente na época da fundação da escola em 1989. Foi lá que iniciei meu trabalho como carnavalesco. Peguei o gosto e fiquei até 2010. Este retorno, além de servir para celebrar 30 anos de história e proporcionar uma reestruturação para a entidade, traz uma satisfação pessoal enorme. É um desafio. Já estou trabalhando duro para fazermos um grande Carnaval. Se vamos ganhar, não sei, pois Carnaval é na pista, mas que vamos dar trabalho, vamos. Falar da Combinados é falar da minha vida. É a escola que eu torço e vou lutar sempre”, disse o artista, sem esconder a emoção.

Oitava colocada no Grupo de Acesso 2 em 2018, a Combinados de Sapopemba desfilará no Sambódromo do Anhembi na segunda-feira, dia 4 de março. O horário ainda não foi definido.

Leia a sinopse:

Enredo: A bença minha mãe baiana!

Logotipo do enredo da Combinados de Sapopemba 2019. Foto: Divulgação
Logotipo do enredo da Combinados de Sapopemba 2019. Foto: Divulgação

Eu venho de longe…
Fui tirada a força da terra onde nasci,
levando na memória, somente as coisas boas que vivi.
Cheguei num lugar novo e senti de perto o sofrimento do meu povo,
enfrentei injustiças e maus tratos, mas resisti como uma guerreira,
pois o sangue que corre em minhas veias, mostram minha origem verdadeira.
A África é meu berço e disso me orgulho e agradeço,
Lá eu aprendi o valor da fé e da religião
e a certeza que vim para cumprir uma missão,
manter acesa a chama dos nossos costumes e tradição.
Minha “njira” abriu caminhos para o candomblé ser cultuado,
girei pra cá, girei pra lá, girei pra tudo quanto é lado!
E na Bahia, quem diria, minha imagem para sempre ficou marcada,
por causa da minha pele negra, torço na cabeça e saia rodada.
Labutei muito, mostrei minhas habilidades,
me levaram de Salvador para trabalhar em outras localidades.
Virei parteira, cozinheira, arrumadeira, amamentei o filho do senhor,
devido minha vestimenta, sou chamada de baiana em qualquer lugar que eu for.
Minha memória às vezes falha, por causa do avanço da minha idade,
mas lembro perfeitamente de quando cheguei numa linda cidade,
digo com lágrimas nos olhos, que no Rio de Janeiro, conquistei a liberdade.
Mais do que isso, fortaleci a minha fé,
porque em terras cariocas abri terreiros de candomblé.
Eram tempos difíceis, onde a cultura negra era marginalizada,
dei guarida e minha casa por grandes artistas passou a ser frequentada.
Por isso, me apresento com a vaidade de quem ajudou muita gente bamba,
Sou Tia Ciata, a matriarca do samba!
Sou também a mãe de santo, a senhora dos terreiros,
escrevi meu nome na história, fiz amigos verdadeiros.
Convivi com Donga, Pixinguinha e outros sambistas imortais,
Mais foi Ismael Silva, que me tornou figura cativa em todos os carnavais.
“Deixa falar!”, a primeira escola me fez uma homenagem bem bacana
e desde então, não existe desfile sem uma boa ala de baiana.
Sou testemunha viva do crescimento dessa festa popular,
escolas surgiam em todos os cantos e isso fez a elite se incomodar.
Foi um começo difícil, sofremos com o preconceito,
o que para o negro era alegria, para o opressor era desrespeito.
Por algum tempo, homens na ala das baianas era algo comum de se ver,
eles escondiam uma navalha na barra da saia, caso precisassem nos defender.
A essa altura, eu já tinha um nome ligado ao carnaval,
não só na Bahia e Rio de Janeiro, mas em todo território nacional.
Falo agora de uma época em que fui muito feliz,
fiz parte do surgimento do samba na terra da garoa e lá virei raiz,
lembro bem, como se fosse agora,
quanta saudade dos encontros de batuqueiros na cidade de Pirapora.
Dancei a umbigada no interior e sambei na capital
e para mostrar que em São Paulo fui pioneira no carnaval,
fundei a primeira escola, isso é fato verdadeiro, não é crendice,
sou negra, sambista e presidente, eu sou Madrinha Eunice.
Para não deixar dúvidas que sou muito respeitada,
no pavilhão vermelho e branco do Lavapés, fui imortalizada.
Peço licença para falar de uma coisa que fico envaidecida,
por todo lugar que frequentei, nunca deixei faltar comida.
Uni a culinária africana, da corte portuguesa e também a brasileira,
dessa deliciosa mistura, fiz pratos de dar água na boca, sou a tia quituteira.
No comércio popular, rodas de samba e festas no terreiro,
lá estava eu, de vestido branco, colares no pescoço e na cabeça um tabuleiro.
Tem xinxim, tapioca, bobó e abará,
angú, mungunzá, caruru e vatapá,
tem doce de todo tipo, cuscuz e oguedé,
na Bahia não há quem nunca provou, meu famoso acarajé.
Faço tudo com amor e com um sabor bem brasileiro,
se você está duvidando, vem provar o meu tempero.
No meu caldeirão, preparo uma refeição que por todos é apreciada,
junto carne de porco com feijão preto e faço uma deliciosa feijoada
e para completar, sirvo paio, arroz, couve e uma boa farofinha,
tudo isso regado a muito samba e é claro, caipirinha.
posso falar seu moço, que vivo desde o começo a história do carnaval
e fico preocupada vendo a modernidade ocupando o espaço do tradicional.
Hoje a saia branca rendada e o torço que sempre usei, parece que perdeu o valor,
pois agora só desfilo com vestido pesado, chapéu gigantesco e um luxuoso esplendor.
Sei que minha ala não é quesito, mais acho isso esquisito, difícil de aceitar,
será que isso descaracteriza o que represento? Fica a pergunta no ar.
Mudo de assunto para falar de um momento sem igual,
como é lindo o batismo de uma escola, tenho orgulho de fazer parte desse ritual.
Esse é o mundo em que nasci, cresci e estou enraizada,
sou a mãe negra, a tia quituteira e minha história tem que ser respeitada.
Girei por todas as quadras , minha ginga é soberana na avenida,
pelo samba, posso afirmar que dediquei a minha vida.
Bato no peito e digo que minha trajetória foi escrita no terreiro de bamba,
Muito prazer, eu sou a mãe baiana de todas as escolas de samba!
E esse carnaval para mim será especial, digo isso sem medo,
agradeço a Combinados por me homenagear em seu enredo.
Vou vestir minha roupa tradicional e sinto que vou me emocionar,
porque só quem é baiana sabe o valor desse momento, que agora vou falar:
Quando a bateria toca, o portão se abre e eu começo a girar.
Moço gostei da conversa, mas chegou a hora dela se findar,
como uma boa mãe do samba, tenho uma comunidade para cuidar.
Mas antes, quero terminar essa prosa com uma frase que o povo de Sapopemba sabe de cor…
Feliz é quem preserva a cultura popular, pois isso torna sua entidade “cada dia melhor!”

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