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Conto de Carnaval: uma crônica bem atual para o momento brasileiro…

Odirley Isidoro publica mais um texto em sua coluna no portal SRzd.

Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista. Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.

As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

Conto de Carnaval: ‘O bordado do tempo’

O sol cinzento das fábricas da Rua Juventus anuncia um novo dia no velho cortiço.

Eu desço a ladeira com meu velho 752 e pego o Trólebus sentido Praça Clóvis, lotado como sempre e com o bom humor do motorneiro; já sinto no ar o aroma de uma terça-feira carregada.

Amanheço batucando na minha marmita e cantando mais um sucesso do Adoniram e rapidamente vejo na face e semblante de uma senhora, uma serenidade impagável. Época de Carnaval é assim; quem é do samba estampa na cara a alegria. Logo após seguir pela Rua dos Trilhos, o Nair sobe na condução e reconhece a senhora, ele a afaga e a chama de Dona Lurdinha.

Dona Lurdinha fora dentro de um terreiro de samba tudo o que se possa imaginar, começou na ala das crianças, foi porta-estandarte, cabrocha da batucada, deu força para grandes damas da cozinha de escola de samba e fazia a quentinha pros trabalhadores do barracão. Hoje é uma das representantes mais velhas da ala das baianas.

Quando jovem tinha uma beleza admirável e não perdeu o encanto com os anos e com a sabedoria de tantos Carnavais, ela recorda ao Nair sobre a importância de valorizarmos as “coisas nossas”. E eu que só tinha um velho Camel amassado no bolso, prestava atenção atentamente aos dizeres desta senhora de alta patente e elegância.

Ela recordou das batalhas de lança perfume e dos corsos, da luta para se fazer Carnaval e dos negros velhos correndo dos “milicos”, apenas por fazer festa para os de baixa renda e sem um vintém.

Enquanto os bacanas viviam dos cortejos da alta sociedade, os de altíssima relevância faziam acontecer com um chacoalho de molho de chaves e umas frigideiras na mão.

O trânsito sem fim para chegar aos confins do Parque Dom Pedro era um presente para viajarmos nas histórias da mulata e logo recordamos da elegância dos balizas apresentando sua arte na Avenida e dos cortejos divinais que os cordões faziam arrastando multidões para debaixo do viaduto Santa Efigênia.

Salão de festas dos batuqueiros do lugar, a praça dos correios virava palco de quem penhorava a roupa no alfaiate pra fazer sua fantasia e, depois do Carnaval, ainda dava o sapato de troco porque não tinha um vintém pra se vestir. Nos tempos de fraque e cartola só tinha elegância quem tinha grana.

E aquele cortejo negro seguia até a Praça da Bandeira numa alegria descomunal e o povo o recebia de braços abertos, enfim era Carnaval!

Só espero que o samba não desamarre os laços, que não perca as rendas, que não perca a essência dos nossos Cordões!

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