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Clube do Balanço e a Casa Verde, o quilombo paulistano

Odirley Isidoro publica mais um texto em sua coluna no portal SRzd.

Natural de São Paulo, nasceu no bairro do Parque Peruche, na Zona Norte da cidade. Poeta, escritor, pesquisador e sambista. Ao longo de sua trajetória, foi ritmista das escolas de samba Unidos do Peruche e Morro da Casa Verde, além de ser um dos fundadores da Acadêmicos de São Paulo.

As publicações são semanais, sempre às terças-feiras, na página principal da editoria do Carnaval de São Paulo. Leia, comente e compartilhe!

Clube do Balanço e a Casa Verde, o quilombo paulistano

Muitos, ao ler, vão pensar como um grupo de samba-rock tem ligação com o Carnaval Paulistano?

Porém, cada integrante tem sua escola de samba de coração e um lugar especial cria o elo entre o samba-rock e o  universo cultural das escolas de samba: o Clube Cruz da Esperança!

Lugar sagrado da várzea, está localizado no Complexo Esportivo Campo de Marte, que faz costas com o pátio de alegorias, na dispersão do sambódromo do Anhembi.

Complexo composto de diversos campos de futebol, o local já foi utilizado também por agremiações da cidade, com a finalidade de deixarem suas alegorias no período de pós-Carnaval. Até eu que vos escrevo tive o prazer de jogar por lá na juventude.

Ponto de encontro de muitos sambistas é seu lado noturno que atrai. O samba-rock toma conta do Lugar.

Então, abram-alas que vamos falar com eles, que colocam o povo pra dançar! Bora papear com o Clube do Balanço e com o cantor e compositor Marcos Mattoli, de coração verde e branco, raiz da Barra Funda.

Ouvir as músicas do grupo nos remete à essência da música negra brasileira dos anos 80, vocês acreditam que defendem um legado?

Eu diria que remete também a sonoridade, ao estilo da música negra dos anos 60 e 70. Nós procuramos entender como a música desta época era feita, estruturada. Por isso nossos discos, nossos shows são tocados, musicais, o que fazemos ao vivo é muito próximo do que está nos discos. Isto parece óbvio, mas não é o que acontece com a maioria da música hoje em dia. Muito da musica hoje e construída em cima de loops, edições, trechos e colagens de coisas
que já existem. É cada vez mais raro na música popular o artista que toca, que é mestre do ofício num instrumento musical, que conhece a teoria de construção básica da música… Coisa que era normal e básica nesta época de ouro que estávamos falando. Culturalmente acho que além que defender, nos respeitamos, e tentamos dar continuidade ao legado da grande música negra produzida no Brasil (e no mundo) nestas épocas de ouro. Tenho a impressão que música negra brasileira (samba, samba-rock, funk e rap) , após um breve período de amor com a elite cultural e com a mídia brasileira  neste período de 2000 a 2016 (era Lula?) saiu da pauta e esteja recuando para os espaços originais e de pertencimento dela. Será coincidência que ideias de uma sociedade mais justa, de uma renda mais distribuída, com um interesse pelo social, tenha saído da pauta de interesses de quem manda? Tenho a impressão que a música negra, periférica voltou (de onde nunca saiu…) para as comunidades, a periferia, aos lugares onde ela nunca foi moda, onde ela apenas é, lugares onde ela é gerada, onde ela sempre foi expressão. Isso talvez tenha a ver com uma política cultural massacrante, onde o acesso a rádio e TV é proibido a 90% da produção musical do país. 90% das rádios e TVs do Brasil tocam 40, 50 músicas por mês, do mesmo estilo comercial. Isso é significante para a produção musical de um país musicalmente rico como o Brasil? 50 músicas? É um massacre cultural. É matar nossa diversidade cultural. É difícil defender  esse legado, se as novas gerações têm acesso somente ao sertanejo comercial e ao pancadão. Se o único lugar onde quem não tem acesso pode aprender a tocar um instrumento, é nas igrejas evangélicas, que abominam a raiz afro da nossa cultura, fazer música fora do grande circuito comercial, atualmente, é uma guerrilha.

O Clube do Balanço no álbum “Swing, Samba Rock”, de 2001, ganha a alcunha de “Obra auditiva enciclopédica”, pela crítica especializada. Como foi isso?

É uma honra. É uma sensação boa de ter contribuído um pouquinho para esta coisa imensa e maravilhosa que é a música brasileira e ter contribuído dignamente, respeitando a história e os artistas que a gente se inspirou. Sinceramente, demora pra cair a ficha, a gente apenas tocou algo que a gente ama, do melhor jeito possível. Dezoito anos depois (passa rápido!) a gente recebe um retorno que emociona, que a gente nem faz ideia da profundidade, bem louco na verdade (risos).

Clube do Balanço. Foto: Agência das Estrelas

Em longa escala vocês representam o melhor do ritmo swingado e do samba-rock brasileiro, onde está o segredo deste sucesso?

Musicalmente sempre buscar o melhor, fazer e refazer, buscar a excelência, sempre estar aberto a aprender, ouvir, pesquisar. Não tem caminho fácil. Música é arte e ofício. Não se faz um bom disco com uma banda de 8 pessoas sem muita discussão, tentativa, paciência, sem aprender a ouvir o outro. Estamos juntos, os mesmos caras, há 18 anos. E muito futebol. Enquanto artistas, tem que ter a consciência de que não é fácil, não tem grana fácil, que a gente toca um estilo que já foi considerado extinto, e que está a margem e na contramão daquilo que é comercial hoje, mas que tem um grande valor cultural, que é muito importante para todo um povo, uma cultura de uma grande cidade.

O lado multicultural de São Paulo é fonte de inspiração da banda. Observando o cenário musical, acredita que a cidade carece de espaços para o surgimento de  novos trabalhos?

São Paulo é incrível, um mar de possibilidades e misturas. Aqui sempre foi berço de inovação, mistura. Um lugar onde uma expressão regional ganha o Brasil, seja ela de qual lugar do for. Os movimentos recentes de pernambuco, o forró de Luiz Gonzaga, a Tropicália, a Jovem Guarda, o samba-rock, tem o maior  Carnaval de Rua do Brasil, tem um Carnaval de Avenida fortíssimo. Uma cidade como essa tem que ter um pensamento, uma gestão pública, cultural, afiada e sensível. O Sesc faz muito este papel em São paulo, mas os nossos governantes pecam e perdem dinheiro, possibilidades e futuro por não pensar nisto de maneira mais inteligente. A falta de espaços, a dificuldade daquele cara que quer ter e manter um espaço de cultura, é um dos grandes problemas da difusão e da política cultural de nosso país. Por cima, um cara que quer ter um bar, uma boate de música, um teatro, paga pelo equipamento o dobro e em dólar do que em qualquer país do mundo, e além de todas as dificuldades geradas pelo país para o pequeno empresário (impostos absurdos, burocracia burra e perversa, fiscalização corrupta) existe uma verdadeira perseguição se você quiser ter seu negócio num bairro em processo de gentrificação. Veja o que está acontecendo com a Vila Madalena, com o centro, por exemplo. O dono do lugar vai ter visitas incessantes de fiscais, procurando qualquer problema, pois não é interesse daqueles caras que constroem as torres para classe média alta, ter um bar, uma vida agitada em baixo da varanda gourmet dele. Quem mora ali manda e desmanda. Me pergunto se nesse plano de urbanização desumano é levado em conta que 16 milhões de pessoas precisam de diversão e cultura, precisam ir pra rua, precisam socializar? Em que espaço urbano isso vai acontecer? Mas isso é apenas uma parte da cadeia econômica da música. Tem as rádios e TVs, para as quais é negado acesso de grande parte da produção musical do Brasil, apesar de serem concessões públicas. Não existe um plano, uma estratégia de indústria cultural coerente. Cultura é considerada pelo Estado como algo supérfluo, dinheiro mal gasto. Tem que mudar essa visão. Cultura é estratégico, como agricultura, energia, transporte, segurança; ela gera PIB, gera riqueza, gera dinheiro pro país. Um país que tem uma cultura forte tem maiores chances de se posicionar estrategicamente no mundo. Menos de 1% do PIB é destinado à cultura. A cultura gera 3% do PIB do país. É injusto. A Inglaterra, por exemplo, considera cultura fundamental para a estratégia econômica do país e bota (se não engano) algo como 10% do PIB. Cultura não é luxo de rico. Não é viagem de maluco. É uma indústria séria, e fundamental para um país.

Como nasceu o sucesso “Dolores Gabriela” e a maravilhosa ideia sobre do clipe?

Nasce de um projeto muito bacana que o clube fez num campo de futebol de várzea na Zona Norte de São Paulo; o “Cruz da Esperança”. Lá, basicamente, é um espaço da comunidade negra, um quilombo de resistência esportiva e cultural. Tem rodas de samba e bailes desde a década de cinquenta. Tem mais 5 campos e se tornou moradia de diversos times de futebol de várzea. Neste processo de gentrificação, os governantes querem tirar os times de lá, e fazer um parque
para a classe média, querem tirar um espaço legítimo de cultura e lazer de pessoas que estão no bairro há décadas, em nome de uma nova classe média que está mudando para lá, com pista de cooper e quadra de tênis. Quer expulsar esta ocupação legítima da comunidade. Claro, sem consultar ninguém. Quando o fred (percussionista da clube, morador histórico da Casa Verde ) me levou pra conhecer, há uns anos atrás, me apaixonei pelo lugar e sugeri de fazermos um projeto mensal, levando o samba-rock de volta a um dos lugares onde ele foi gestado em sampa, a Casa Verde. Tocamos em roda, em respeito as rodas de samba que lá acontecem. Deu muito certo e se tornou um evento fortíssimo. Aí tínhamos esta música, Dolores Gabriela, que conta a história de um jogador da várzea que larga o sonho do futebol profissional por conta da paternidade, ele se torna pai. Uma luva filmar um clip no Cruz. O Rafael e a Josi (diretores do clipe) compraram a ideia e aí saiu essa homenagem. Acho interessante, pois tem centenas de músicas para o grande futebol, dos grandes times, das grandes estrelas, da seleção, mas acho que poucas (ou nenhuma?) para a várzea. E lá, na minha opinião, nasce o futebol arte do brasil. Sem a várzea, acho que esta ideia mais artística do futebol acaba!

Deixe uma mensagem aos nossos leitores e nos informe onde podemos apreciar o Clube do Balanço?

Família, obrigado pelo apoio, pelo prestígio, por curtir e estar nos nossos shows. Isso nos alimenta, é o que nos impulsiona. O bairro da Casa Verde é o nosso quilombo paulista: lugar que abriga grandes tradições da cultura negra de são Paulo, escolas de samba, blocos, terreiros, morada de inúmeras famílias negras e celeiro de várias gerações de bambas. E o Clube do Balanço convida para todo segundo domingo do mês conferirem a sua “Roda de Balanço” no Cruz e este mês tem Álbum novo saindo do forno e tem tudo para ser um sucesso aguardem!

*Siga Odirley Isidoro no Instagram: @isidoroofc

Redação SP

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