Viradouro: vitória do profissionalismo, por Sidney Rezende

Antes mesmo de se saber o resultado oficial da Liesa deste ano os jurados do Prêmio SRzd Carnaval já haviam escolhido a Unidos do Viradouro como a melhor escola de 2020. O resultado veio só a corroborar com que havíamos assistido na passarela, e que antecipamos para nossos leitores.

A conquista da vermelho e branco de Niterói pode induzir o desavisado a achar que a voz da comunidade e força de vontade de vencer foram as únicas razões para levá-la ao pódio do Grupo Especial do Carnaval do Rio de Janeiro. Engano. Não foi só por isso.

Veja os erros das escolas que perderam e os acertos da campeã.

É fundamental considerar que o trabalho administrativo complexo de anos, principalmente nos últimos quatro, foi preponderante. A vontade de ganhar sempre faz a diferença: o oposto, o corpo mole e a falta de garra, conduzem ao resultado negativo. Sim, sem dúvida.

Mas no caso da Viradouro, a direção da escola se preparou com planejamento profissional e seguiu em frente. Politicamente, a diretoria que assumiu a escola não negou o legado do falecido presidente de honra, José Carlos Monassa, memória ainda viva na cabeça da velha guarda. Este gesto acalmou os mais tradicionais, muitos refratários a mudanças bruscas. Só que as transformações já estavam em andamento.

A família Calil foi astuta em não romper com o que existia antes da sua chegada ao comando. O segundo acerto, se cercar de pessoas testadas para ocupar cargos vitais. Isto foi feito na direção de Carnaval, controle de contas e gerência de suprimentos.

Para o cast, trazer para comandar a bateria Mestre Ciça é fácil não errar. Humilde, contido, vivido, já tendo acumulado vitórias e derrotas, ele sabe remar contra a maré. Ciça é muito querido por todos, principalmente por seus comandados. E neste 2020, gabaritou. E o que dizer do samba-enredo que deu liga na Avenida? Deu liga.

Apostar no intérprete em crescente domínio do seu ofício, o tenor popular Zé Paulo Sierra, foi outro gol de placa. Zé Paulo não só canta melhor a cada ano, como tem a capacidade de dar o ritmo de canto certo para uma bateria de qualidade. Ele joga para o time e por isso se destaca mais do que a média dos colegas de outras escolas. Ele entendeu o apelo midiático de um mundo em ebulição fruto da comunicação e da tecnologia. Já sonhou ser Michael Jackson e em breve se despedirá do rastafari. Zé Paulo se reinventa a cada ano, esta é a verdade.

Nem falarei nada da ala de passistas da escola, há muito os artistas se encontram no primeiro time com  samba no pé do Carnaval brasileiro. A Ala das Baianas foram brilhantes e ganharam também o Prêmio SRzd Carnaval 2020.

Contratar Paulo Barros para o Carnaval 2019 com todos os problemas normais de bastidores trouxe a possibilidade do título, que foi por pouco, ficou com a vice. Mas, a sua forma de trabalhar e seus cuidados com a engenharia dos carros – e seus cronogramas cumpridos – estava dentro do escopo de pensar, orçar e controlar antes de fazer. O legado agregou lições para a cultura da escola.

Mais acerto ainda apostar no potencial dos jovens carnavalescos Marcus Ferreira e Tarcísio Zanon. “Em 2017 eu ganhei o Carnaval (ele era do Império Serrano) e não pude estar no especial. Eu dedico este prêmio a minha mãe e a esta diretoria maravilhosa”, disse Marcus Ferreira, possuidor de uma estrela da sorte. A composição da diretoria do Carnaval com metas e regras e a presença constante do Marcelinho Calil, na presidência, e o Marcelão Calil nos movimentos típicos do topo foram exitosos.

Até a rainha Raissa Machado é experiente. Profissional. Ela emagreceu 8kg para se apresentar divinamente na avenida.

Nem mesmo a crítica que se faz por a Viradouro receber subvenção da prefeitura de Niterói pode ser colocada no passivo da escola. A história mostra que outras até com mais recursos ficaram no meio do caminho. Grande Rio, por Caxias; Viradouro, por Niterói; e Beija-Flor por Nilópolis só demonstraram que o poder público por perto pode ajudar a ter o Carnaval como alavancagem para melhorar a imagem das cidades. Todas, fora do Rio de Janeiro. Carnaval é marketing, Carnaval é pop, Carnaval é arte, mas Carnaval também é business, Carnaval bem administrado é aliado do turismo e cartão de visitas inteligente.

Nem sempre é necessário comprar uma página no The New York Times e inserir ali publicidade que o resultado será satisfatório. O nome disso é outra coisa: burrice casada com gastança desnecessária de dinheiro. Quando público, crime.

A Unidos da Viradouro é a escola que cumpre as regras de prevenção à incêndio no barracão. É a agremiação que controla com mão de ferro o almoxarife, que aposta na prata da casa e cobra resultados. Sem uma retaguarda administrativa que trabalha duro o ano inteiro, oculta para muitos, e de um componente que treina junto há anos, uma equipe, ela não teria chegado lá. Não tem erro.

A Viradouro não é a única, mas venceu porque é profissional. Veja sem lupa as que perderam feio e será fácil encontrar o desencontro. Quem fracassou se comportou de forma oposta a da escola líder: desorganização, escolhas erradas, trabalhos conduzidos por muitas mãos em sentido contrário umas das outras e desprezo pelo suado centavo que entrou no caixa para a realização do desfile.

Na gestão de qualquer coisa vale planejar e orçar antes, e comemorar os resultados depois. Vamos ver se receita da campeã seguirá firme para 2021 ou se a mosca azul picará cada componente desta agremiação admirável. A taxímetro da maturidade já está rodando.