Carnaval/RJ

Notícias atualizadas sobre o Carnaval do Rio de Janeiro.

Big Bang, coisa igual a Sapucaí não viu! A mariposa da sorte e o primeiro título da Viradouro

Desfile da Viradouro de 1997. Foto: Reprodução

Passado mais um carnaval, não houve espaço para contestações com relação ao resultado da apuração dos desfiles das escolas do Grupo Especial. A Unidos do Viradouro venceu de forma merecida, premiando a qualidade de seu fabuloso enredo, que contava a história das Ganhadeiras de Itapuã; o talento de seus carnavalescos, Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira; Mestre Ciça e seu puxador, Zé Paulo Sierra, principalmente. Mesmo desfilando no domingo, um dia em que o público reage de maneira mais fria às apresentações das agremiações, sacudiu as arquibancadas com força do refrão do seu samba, que dizia: “Ó, mãe! Ensaboa, mãe! Ensaboa pra depois quarar”. Vitória justa da Viradouro, mas cabe fazer uma menção honrosa à Acadêmicos do Grande Rio e à sua dupla de jovens carnavalescos, Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Não fossem graves problemas de evolução durante o desfile, fatalmente, e merecidamente, a escola ganharia o título e, provavelmente, ninguém contestaria. Venceu a Viradouro, que fez um desfile extraordinário e não errou.

Relembre agora como foi o desfile que deu o primeiro campeonato à agremiação de Niterói, em 1997, com o enredo “Trevas, luz, a explosão do universo”, sob a regência de Joãozinho Trinta, Mestre Jorjão (e sua paradinha funk, que ele jurava que era Olodum) e Dominguinhos do Estácio:

Uma mariposa voava entre os componentes da Unidos do Viradouro, que se preparava para entrar na avenida, por volta das 20h53 min, quando resolveu pousar, escolhendo, dentre tantos, o ombro de Joãozinho Trinta. Alguns diretores, afoitos, correram para espantá-la de lá, sabe-se lá por que motivo, mas foram interrompidos pelo carnavalesco, que não permitiu que a tirassem de seu ombro: “Vai trazer sorte!”, disse, trazendo a lembrança do ano de 1976, quando um arco-íris surgiu no horizonte justo na hora do desfile da Beija-Flor, que acabaria campeã, com o enredo “Sonhar com rei dá leão”.

Joãozinho era querido pelo público, que reconhecia nele um gênio do carnaval carioca. Ídolo. Quando o locutor do Sambódromo anunciou a entrada da Viradouro na avenida, o público do Setor 1 reagiu gritando o nome do carnavalesco: “Ah! É Joãozinho! Ah! É Joãozinho!”. Andando com bastante dificuldade, com o braço direito imobilizado por conta da isquemia que sofrera em agosto do ano anterior, mesmo assim, foi até o alambrado do Setor 1 para agradecer o carinho do público. “O povo sempre foi muito carinhoso comigo. É o resultado de uma vida inteira de trabalho. Estou completamente novo e emocionado”, disse à repórter Lucila de Beaurepaire, do Jornal do Brasil.

Joãosinho 30. Foto: Reprodução

Além de Joãozinho Trinta, a Viradouro contava com outro belo trunfo para sacudir a avenida: a paradinha funk de Mestre Jorjão. O samba-enredo, em si, não era bonito, nem de longe era cotado entre os melhores do ano, mas parece que, pelas mãos de Jorjão, seu refrão foi criado especialmente para que se encaixasse com a paradinha funk. Um casamento perfeito. Aos primeiros acordes do samba-enredo, brilhantemente puxado por Dominguinhos do Estácio (auxiliado por Gilberto Gomes e Celino Dias), e a primeira paradinha funk, o público do Setor 1 começou a gritar “É campeã!”, “É campeã!” e “Uh, tererê!” (corruptela de “Whoomp (There it is)”, sucesso do grupo de rap norte-americano Tag Team, no ano de 1993 e nas arquibancadas dos estádios brasileiros. Como curiosidade, muita gente diz que o ex-presidente americano Barack Obama participou do clipe dessa música. Olhando, de fato, há muita semelhança entre um rapaz, de boné e óculos escuros, e Obama).

Quando o abre-alas aportou na pista, um espanto coletivo: ele era completamente negro. Dentro do enredo que falava da criação do universo segundo a teoria do Big Bang, disforme, simbolizava o nada, as trevas. Os recursos eram escassos, não havia dinheiro para investir em materiais caros, luxuosos. Sem problema, pelo menos para Joãozinho. Ninguém, até hoje, soube trabalhar melhor com materiais alternativos do que ele. Alguns dos melhores momentos da avenida, produzidos por ele e sua equipe, foram feitos com matérias reciclados, alternativos. Não foi diferente naquele ano. O carro do “nada”, por exemplo, como ficou conhecido, foi feito com isopor, plástico negro e papel água. Fantasias foram confeccionadas com sacos de lixo. Marquinhos Drummond, filho de Luizinho, patrono da Imperatriz, ao ver o belíssimo carnaval da agremiação de Niterói, com bastante uso de materiais alternativos, disse: “O desfile da Viradouro parece um Ratos e Urubus reciclado”.

É preciso destacar, mais uma vez, o trabalho de Wany Araújo, o braço do carnavalesco no barracão, literalmente. Foi ele quem executou todo o projeto criado, idealizado por Joãozinho, inclusive o abre-alas. A comissão de frente, formada por catorze componentes e mais a coreógrafa, Jussara Pádua, se chamava “O átomo vagueia pelas trevas”. Com fantasias em preto e prata, representava as trevas e a luz que deram origem ao universo. Vindo à frente, Jussara simbolizava o átomo único, primordial, o início da vida. A primeira parte do desfile era toda em negro. Como assinalou Joãozinho Trinta, no roteiro da apresentação da Viradouro, após as trevas, o prenúncio de luz: a luz do universo começava a ser percebida. Com a explosão, o átomo percorreu as trevas e deu início ao universo. A primeira ala que veio após as trevas era delas, a das baianas, com fantasias bem leves, feitas com plástico prateado e branco, representando os “seres de luz”, o que nos remete à origem das próprias escolas de samba.

Mestre Jorjão. Foto: Reprodução
Mestre Jorjão teve passagem histórica pela Viradouro. Foto: Reprodução

Após o primeiro setor, das trevas, viria um carro, da explosão da vida, mas este acabou ficando de fora, uma vez que só eram permitidas oito alegorias na avenida. Patrícia e Andrezinho, o casal de mestre-sala e porta-bandeira, simbolizavam a “Terra em embrião”. A ala das crianças veio toda de branco, representando o “desejo da paz na Terra”. A bateria, que veio fantasiada como “Terra em explosão”, deu um show na avenida, com várias paradinhas, levantando o público das arquibancadas. Mestre Jorjão, cria da Mocidade, discípulo de Mestre André, levou para a Viradouro cerca de trinta ritmistas, todos eles seus parentes. A paradinha funk foi exaustivamente ensaiada, durante meses e há tempos vinha pensando em introduzir algo novo na bateria da escola: “A gente ensaiou de agosto para cá para chegar ao ponto certo, misturando as duas batidas, sem interromper nenhuma delas. Tinha de ser uma coisa nova, mas sem agredir o samba”, explicou, em entrevista ao jornal O Globo da quarta-feira de cinzas.

No carro que representava o elemento “terra”, as estações do ano eram definidas por cores distintas; orixás relacionados à água, como Oxum, Nanã e Iemanjá, vieram representados a alegoria seguinte. Neste carro, não havia uma gota d’água. Nada. Segundo Joãozinho, seria óbvio demais. Caminhando pelo lado do misticismo, as salamandras, elementais do fogo, que reinam, segundo os místicos, detendo o poder de transformar e desencadear emoções, tinham um carro alegórico para simbolizá-los. As pombas brancas representavam o ar.

A última alegoria chamava-se “Explosão da alegria”, o ‘universo se expandindo na alegria do carnaval”. Joãozinho fez a alegria do pessoal da ala da força, gente que rala, que trabalha duro, de forma anônima no carnaval, fantasiando-os, pela primeira vez, para a folia. Todos eles vieram fantasiados. Um detalhe que faz diferença, como destacou o pedreiro Paulo Roberto do Carmo, na época com 36 anos, e que trabalhou como empurrador dos carros da Viradouro naquele carnaval: “A gente empurra com mais vontade e alegria. Antes a gente só vestia bermuda, camiseta e sapatilha. Agora estou até mais bonito”, disse a O Globo.

Dominguinhos. Foto: Divulgação
Dominguinhos do Estácio. Foto: Divulgação

Nunca é demais ressaltar o talento de Dominguinhos do Estácio, que estreava na escola naquele ano e, pé quente que é, contribuiu e muito para que a Viradouro estivesse em condições de conquistar o título. Ao jornal O Globo, deu a receita do sucesso da apresentação da Viradouro: “A diretoria da escola me deu todo o apoio para que eu pudesse me concentrar apenas no meu trabalho, para que eu pudesse cantar com alegria. Tudo o que vier em termos de resultado é consequência desta forma respeitosa de trabalhar. Não existe recompensa maior do que chegar ao fim do desfile e ouvir os aplausos sinceros das arquibancadas”, contou.

Vendo o tempo ficar apertado, a Viradouro resolveu apressar o passo, para não estourar o limite estabelecido. Ao fim da apresentação da escola, diretores, emocionados com a reação do público das arquibancadas, que aclamava a Viradouro como campeã daquele carnaval, choravam e se abraçavam. Joãozinho Trinta, que, acompanhado por sua amiga e assistente Dora Cortez, coordenou o desfile da escola na avenida, agradeceu o carinho do público e se mostrou satisfeito com o que viu na avenida: “A escola veio bem o tempo todo. Este ano foi uma maravilha. Perfeito. Isso acontece sempre que a gente trabalha com dedicação. Toda essa vibração mostra que fizemos um desfile especial para ganhar o carnaval”, contou ao jornal O Globo.

Os comentaristas da Rede Globo exaltaram o trabalho do mestre. Mário Monteiro (autor de enredos de elevada qualidade, carnavalesco respeitável, campeão de 1992 com a Estácio) afirmou: “Joãozinho Trinta, mesmo quando está muito ruim, ainda é melhor do que todos”. O produtor Albino Pinheiro lembrou da história de quando visitou o barracão da Viradouro, pouco antes do carnaval. Segundo ele, Joãozinho lhe falou: “As pessoas às vezes me perguntam: ‘E aí, Joãozinho, qual vai ser a novidade para esse ano?’ Ora, a novidade é a própria sobrexistência, a sobrevivência da escola de samba, uma criação coletiva, como se não fosse uma novidade corriqueira”, contou. Após flertar com o rebaixamento no ano anterior, quando terminou em 13.º lugar, a Viradouro, e Joãozinho Trinta, deram a volta por cima, com um desfile arrebatador, consagrado pelo público e crítica.

Comentários

 




    gl