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Um carioca mudando o Carnaval de São Paulo, por Jaime Cezário

Cordão em SP. Foto: Acervo USP

Saudações amigos do samba e Carnaval!

Vamos viajar um pouco nas curiosidades históricas acontecidas no Carnaval de São Paulo, causadas por um carioca que queria ajudar, mas que acabou trazendo uma mudança radical aos desfiles das entidades carnavalescas. Vocês devem achar engraçado usar esse nome, mas no final vão entender tudo…

Voltamos agora ao ano de 1967, na capital paulista, onde o Prefeito da época era o carioca Faria Lima. Todos conhecem hoje a famosa rua da capital, mas nessa época, era ele quem mandava na cidade, e que vai, enfim, oficializar, apoiar e organizar o primeiro desfile das escolas de samba, no ano de 1968.

O samba em São Paulo e as entidades carnavalescas nunca tiveram a simpatia dos gestores públicos, até então, se apresentavam na base da raça e do amor.

Fora isso, o samba por lá tinha tido outras influências, a principal, ficou conhecida como “samba rural paulista”. Após a abolição da escravatura, houve um êxodo das famílias pretas libertas nas fazendas do interior do estado para a capital. Trouxeram com eles o samba rural, que tinha uma batida mais dura e cadenciada que o samba carioca, e o instrumento característico era o bumbo. As comunidades pretas acabaram se organizando e fundando os famosos “Cordões Carnavalescos”.

O primeiro Cordão Carnavalesco a ser fundado foi no ano de 1914, na Barra Funda, sendo preciso registrar que o Camisa Verde, hoje Camisa Verde e Branco e o poderoso Vai-Vai, nasceram como Cordões. Suas apresentações eram cadenciadas e tinham como ritmo musical aquele que ficou conhecido como “marcha-sambada”, uma mescla de elementos do samba rural paulista com a marcha, que dava aquele toque mais processional e num paralelo, lembravam os tradicionais ranchos carnavalescos cariocas.

A primeira escola de samba paulista nasceu em 1937: A Lavapés. As escolas de samba em São Paulo não encontraram forças para eclipsar o poder dos Cordões Carnavalescos e o intercâmbio entre Rio e São Paulo era pouco, com exceção para a escola de samba Nenê de Vila Matilde.

A Nenê foi uma das primeiras escolas desse gênero a ser fundada na cidade, e seu fundador tinha uma admiração ao modelo carioca, e sempre que podia, fazia um intercâmbio com a cidade maravilhosa, importando esse conhecimento. Implementou em sua bateria o jeito carioca de tocar, criando uma batida do surdo de marcação, denominada pelos ritmistas paulistas como: “culugundum”, registrado no depoimento do Betinho, filho do fundador da escola de samba: Seo Nenê.

Ele explicou que seu pai pegou a batida do tarol da Mangueira, com a batida do surdo e a marcação da Portela, cadenciou o samba e acabou dando identidade à bateria da Nenê.

A década de 60 chega, mas a desorganização impera entre as entidades carnavalescas (cordões e escolas de samba), para a organização de uma associação forte e respeitada.

Todas tentativas de apoio feitas a prefeitura para oficialização e subvenção da festa foram negadas. O destino deixou tudo nas mãos de um carioca, para resolver, enfim, esse problema de falta de apoio. Coube ao Prefeito Faria Lima, no ano de 1967, decidir apoiar os sambistas e dar, enfim, o devido valor ao Carnaval de São Paulo.

Faria Lima era simpatizante da festa, mas queria que tudo fosse muito organizado, e para isso, teria que ser confeccionado o primeiro regulamento oficial da Folia Paulistana para os desfiles de 1968.

Este regulamento foi criado pelo jornalista e sambista carioca de nome Jangada, convidado pela prefeitura para executar essa reformulação. Jangada vai se basear nos moldes dos festejos dos desfiles das escolas de samba cariocas para construção de tal documento. Uma verdadeira loucura, pois vai obrigar que todos os cordões carnavalescos se transformem, de um dia para o outro, em uma escola de samba.

Este processo encerra o romantismo dos cordões carnavalescos paulistanos (1968 -1972) e insere as escolas de samba em definitivo no cenário cultural da cidade. Sugestão para o leitor apaixonado pela história do Carnaval, como esse que vos escreve, e que queira se aprofundar mais no assunto, sugiro a leitura do livro da escritora Olga Rodrigo de Moraes Von Simson, cujo o título é: Carnaval em Branco e Negro – Carnaval Popular Paulistano 1914-1988. Uma ótima leitura para conhecer a um pouco mais da formação da festa popular na capital paulista!

Assim um carioca, acho melhor dizer dois, um prefeito e um jornalista, mudaram definitivamente os destinos dessa festa, que a partir de então, só cresce em grandiosidade. Hoje, os desfiles das escolas de sambas paulistanas contam com a infraestrutura de sua passarela do samba que é o Anhembi, e de sua Fábrica do Samba (cidade do samba) muito bem estruturadas. E dessa forma, acredito que o amigo leitor vai poder entender melhor as sutis diferenças nas apresentações, quando fazemos uma comparação com as escolas de samba cariocas.

Nunca podemos deixar de lembrar que no DNA do samba paulistano existem os registros do samba rural e dos tradicionais Cordões Carnavalescos. Hoje em dia o intercâmbio entre as duas cidades é enorme, fazendo tudo ainda ficar mais espetacular, basta lembrar que, em 2023, a grande campeã do carnaval do Grupo Especial, a Mocidade Alegre, e a vice-campeã, a Mancha Verde, tem em seus comandos artísticos dois carnavalescos cariocas, Jorge Silveira e André Machado. Profissionais que incorporaram totalmente o estilo paulistano de fazer Carnaval! Tudo isso mostrando que Rio e São Paulo estão sempre irmanados e de braços dados, trabalhando para o crescimento da Festa e celebrando a força da nossa cultura popular!

Salve o Rio de Janeiro! Salve São Paulo! Salve as Escolas de Samba! Viva o Carnaval!

Jaime Cezário é arquiteto urbanista, carnavalesco, professor e pesquisador de Carnaval.

Começou sua carreira como carnavalesco no ano de 1993, no Engenho da Rainha. Atuou em diversas escolas de samba do Rio de Janeiro, entre elas, a Estação Primeira de Mangueira, São Clemente, Caprichosos de Pilares, Paraíso do Tuiuti, Acadêmicos do Cubango, Leão de Nova Iguaçu e Unidos do Porto da Pedra. Fora do Rio, foi carnavalesco da Rouxinóis, da cidade de Uruguaiana, e União da Ilha da Magia, de Florianópolis.

Em 2007 e 2008 elaborou o trabalho de pesquisa que permitiu a declaração das escolas de samba que desfilam na cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Carioca, junto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IRPH, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Em 2013, a fantasia da ala das baianas – criada por Jaime para o Carnaval de 2012 para a Acadêmicos do Cubango –, entrou para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Iowa, no EUA.

Essa fantasia está exposta no setor dedicado as festas folclóricas da América Latina e representa o Carnaval das escolas de samba do Brasil. Esse feito fez de Jaime o primeiro carnavalesco a ter uma obra exposta em acervo permanente num museu internacional.

Crédito das fotos: divulgação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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