Sambistas negros apontam ‘racismo’ em pergunta feita a Martinho sobre milícia no samba
Martinho da Vila no ‘Roda Viva’. Foto: Reprodução/TV
Por Beatriz Chaves e João Carlos Martins
A pergunta da jornalista Vera Magalhães ao cantor Martinho da Vila sobre uma suposta participação da milícia em escolas de samba gerou polêmica desde a última segunda-feira (16), quando foi ao ar o programa ‘Roda Viva’, da TV Cultura. O SRzd conversou com sambistas negros, que não concordaram com a jornalista e apontaram “racismo” no questionamento feito.
O professor Mauro Cordeiro ressaltou que defende a liberdade de imprensa e que toda e qualquer pergunta pode e deve ser feita. O que assustou, segundo ele, foi o fato do tema milícia ter sido direcionado ao sambista Martinho da Vila, no alto dos seus 83 anos, enquanto entrevistados anteriores que tinham mais a ver com o assunto não foram indagados.
“Por que quando o entrevistado era um sambista, no caso, o Martinho da Vila – que não é dirigente de escola de samba, não é presidente de escola de samba, não é agente da segurança, então, não está dentro de uma estrutura de Estado com papel de coibir a relação com as milícias – ele é indagado disso? E quando outros que passaram pela bancada do ‘Roda Viva’, como ex-ministros da Justiça e o Governador do Estado do Rio, essa questão não apareceu de forma tão incisiva?”, questionou.
Vivian Pereira, do grupo Quilombo do Samba, afirmou que o negro e sua cultura sempre foram atrelados ao que há de pior. Para ela, a pergunta veio “carregada de racismo” e ignorou toda a história de um ícone da música popular brasileira ao fazer Martinho explicar sobre um assunto que não dizia respeito a ele.
O que a gente viu foi mais uma tentativa de desmoralização de um negro
“O que a gente viu naquela situação foi mais uma tentativa de desmoralização de um negro. Se a gente colocasse um sambista branco lá, o tom da pergunta seria completamente diferente. Ou até mesmo um administrador, gestor, presidente de escola de samba branco, possivelmente essa pergunta nem existiria, não faria parte do contexto da entrevista, porque acontece o ‘pacto da branquitude’. A jornalista não faria a pergunta para não tentar desmoralizá-lo”, disse.
João Vitor Silveira, integrante do grupo Carnavalize e ritmista da Vila Isabel, recordou o caso com o cantor Emicida. Quando esteve no ‘Roda Viva’, o rapper também foi questionado por Vera Magalhães sobre a ligação do ritmo com o tráfico.
“Essa associação necessariamente criminosa que eles fazem do Martinho ser responsável por responder sobre o bicho e a milícia no samba e do Emicida ser responsável por responder por que que o rap tem laços com o crime, vem no sentido de tentar constranger e criar uma culpa. A intenção é fazer as pessoas se sentirem culpadas de frequentarem uma escola de samba porque tem bicheiro ou miliciano, ou de frequentarem um rap, um funk, porque na favela tem bandido”, explicou.
A apresentadora se cala a respeito da relação da milícia com os políticos
Mauro Cordeiro ainda lembrou que a jornalista e apresentadora do ‘Roda Viva’ usou o Twitter para dizer que Martinho havia se esquivado da pergunta. Ela foi rebatida pelo filho do cantor, Tunico da Vila, que disse que o pai “não quis conversar porque realmente é um assunto desnecessário e desrespeitoso com ele”. Nesta quarta-feira (18), a Vila Isabel também se pronunciou sobre o caso, ao afirmar que Vera Magalhães foi “insensível” e a pergunta, “desatinada”.
“A relação das escolas de samba com a milícia precisa ser explicada, mas a apresentadora se cala a respeito da relação da milícia com os políticos, da presença da polícia na milícia, influenciando a vida social em várias esferas da atividade cotidiana. A grande questão é que essa pergunta não é colocada pra outros agentes, e a responsabilidade sobre a gestão dos territórios e a política de segurança pública não é dos sambistas, é dos agentes públicos que muitas das vezes a mesma jornalista e outros jornalistas silenciam quando tem oportunidade de questionar”, concluiu.
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