Rosa Maria Egipcíaca: conheça em detalhes o enredo da Viradouro; sinopse e vídeo

Enredo da Viradouro 2023. Foto: Reprodução

Enredo da Viradouro 2023. Foto: Reprodução

A Viradouro apresentou aos compositores, nesta quinta-feira (30), a sinopse do enredo Rosa Maria Egipcíaca, tema que será levado para à Marquês de Sapucaí em 2023.

Como já vem ocorrendo, a participação no concurso para a escolha de samba é aberta a qualquer compositor, mesmo sem vínculo com a ala da agremiação de Niterói.

Rosa Maria Egipcíaca é apontada como a primeira afro-brasileira a escrever um livro no Brasil. Ela foi escravizada, prostituta, beata e feiticeira, e viveu no Rio de Janeiro e nas cidades históricas do estado de Minas Gerais (leia a sinopse e assista ao vídeo):

A Profecia das Águas

Presságio… Diante do espelho ondulante das águas, a menina courana 1 sentiu a vida passar diante de si. Uma gota se transformou em oceano, fazendo o real transbordar em vertigem. Em transe, percebeu-se tragada por um assombroso redemoinho em meio a um dilúvio brutal. Então defrontou-se com o reflexo de uma mulher misteriosa, de manto reluzente e coroa luminosa, como que a protegendo da própria sina. E, de súbito, viu-se emergir em uma arca resplandecente sobre a qual flutuaria plácida a cortar a fúria das ondas.

A menina chorou frente àquela revelação. Dali em diante, tudo se desfez em mar revolto, apagando as memórias dos seus primeiros anos. Foi rebatizada em águas cariocas, no outro lado do Atlântico. E desse bárbaro ritual de
esquecimento, brotou uma nova Rosa, preta e cálida: a Rosa mística do Brasil.

Auri Sacra Fames – A Fome de Ouro

Ainda jovem, seguiu em romaria vigiada, por léguas e léguas mata adentro. Vendida às Minas Gerais, foi obrigada a peregrinar com os cativos pela Serra da Mantiqueira, longo percurso que a assombrava com visões de paraísos e infernos. Entre bruma e poeira, cortava as alterosas cravejadas de sonho e temor.

Nas freguesias mineiras, a sociedade devota do ouro e dos diamantes era sustentada pela depravada escravização na colônia. Cortejos de penitentes saíam pelas vielas do arraial entoando ladainhas. Pediam perdão por muitos pecados, menos o de submeter outros seres humanos a condições degradantes em nome da adoração às pedras e aos metais preciosos. Pacto social que envolvia todo um sistema forjado no privilégio, na degeneração moral e violação da dignidade dos corpos pretos.

Mas havia as frestas sociais. Enquanto servia de oferenda àquela civilização de escândalos e perversões, Rosa acumulou um tanto de joias para se enfeitar e sedas para se cobrir. Os parcos ganhos eram ostentados nos batuques do Acotundá . Na magia da noite escura, encandeada de luar e fogueira, a preta girava saia, saudava as almas e soprava aos ares a fumaça do cachimbo, religando-se à ancestralidade que brotava no terreirão da Fazenda Cata Preta, onde era cativa.

Até que o corpo deu sinais de desgaste. E Rosa se desfez de tudo. Distribuiu aos seus o pouco que havia recolhido, como fez Maria do Egito, a santa meretriz que foi alçada ao altar celestial após doar aos desvalidos toda a riqueza de uma vida. Mais tarde, deixaria de ser a Courana para ser Rosa Egipcíaca, transitando entre a devoção e o misticismo.

Ventanias, Visões e Possessões

Feitiçaria ou teatro? A freguesia alvoroçada se dividia em opiniões ao testemunhar as possessões da mulher, ocorridas entre rezas e sessões de exorcismo comandadas pelo padre português Francisco Gonçalves Lopes, o
“Xota-Diabos”. Visagens chegavam a Rosa em ventanias ruidosas que apoquentavam sua mente dividida entre os solfejos dos anjos e os gritos dos malignos. Em êxtase espiritual, ela era saliva e fogo, arrepio e suor, lágrima e vulcão. Sentia, atordoada, a presença de sete demônios pairando sobre si em vertiginosas espirais, possuída tal qual Maria Madalena. Mas, assim como a personagem bíblica, a africana tinha também a alma
acalentada pelo amor Divino. E os ventos agora lhe sopravam de volta ao litoral.

A Flor do Rio

Vivendo a debulhar as contas do Rosário, retornou ao Rio de Janeiro por onde desfilava como dileta serva de Deus. Sob o pálio da devoção a Santana, avó Segundo Luiz Mott, “Tundá” ou dança de “Tundá”, de onde deriva “Acotundá”, eram termos recorrentes em cerimônias de matriz africana no Brasil colonial, sendo registrado em Minas Gerais, no povoado de Paracatu.

Rosa viveu entre 1733 e 1745 na Fazenda Cata Preta, no arraial do Inficcionado, vilarejo construído entre as montanhas de Minas Gerais. “Xota-Diabos” é corruptela de “Enxota-Diabos”, em alusão aos dons ligados
ao exorcismo. O Padre seguiu ao lado de Rosa como espécie de protetor espiritual de Cristo, a negra cruzava a fé dos brancos com os cultos ancestrais aos mais velhos, herança da sua origem na costa africana. Rosa impressionava o universo religioso da cidade com seus dons premonitórios, jejuns e flagelações, tornando-se foco de curiosidade e admiração. Um passo para ser cultuada como Santa.

Levada pelo dever de perpetuar os pensamentos devocionais, alfabetizou-se nas letras divinas e passou a escrever compulsivamente. Foi assim que colocou no papel aquele que é considerado o primeiro livro a ser escrito por uma mulher negra no Brasil. Desta forma, derramava pelas suas mãos o bendizer da palavra revelada nos pergaminhos mais sublimes.

Sentia na pele e no coração as dores das mulheres afastadas do convívio familiar. Assim, a visionária ergueu o Recolhimento, mosteiro com que ela havia sonhado como arca protetora a abrigar almas cujos corpos femininos
eram negados pela sociedade. O poder da vidência não cessava e Rosa sonhou com a imagem de cinco
corações radiosos e brilhantes. Cada vez mais santa no altar popular, foi se tornando mais mística, mais etérea e mais misteriosa. Elo entre Deus e a humanidade, a beata com dons paranormais seria desposada em um grandioso devaneio apocalíptico.

A Derradeira Profecia

Revelação. Rosa fechou os olhos e pressentiu um dilúvio de força descomunal que lavaria os pecados da humanidade. Estava novamente frente à imagem que tanto a impressionou na infância: a mesma mulher misteriosa de manto reluzente, protetora do seu destino. Debaixo do majestoso véu das virtudes, revelou-se a face verdadeira: era o próprio rosto de Rosa.

Águas em turbilhão sairiam como veios da terra. E daquele reino sobrenatural emergiria não uma, mas duas arcas, flutuando entre a história e o delírio. Em uma, estava ela, no esplendor do seu último desvario; na outra, o rei Dom Sebastião, desaparecido em épica batalha em nome de Cristo.

O enlace com o Rei dos Encantados consumaria a união mística para fundar o grande Império Brasileiro. Rosa, enfim, seria o rastro de salvação dos eleitos no triunfante evento do fim dos tempos, inundando as almas de esperança. Assim, cumpriu o enredo de uma vida e agora estava liberta para se tornar a própria Santa na qual se refletia.

Uma Santa Negra no Céu

E lá no firmamento, aonde as águas do dilúvio a arrebataram, um concerto de marimbas e candombes 11 a aclamou em sua saga de fé. Guardas da Santa Coroa, empunhando fitas e bandeiras, uniram-se em batuques para louvar à Santíssima africana que um dia viveu cercada de mistérios e virtudes em uma terra tão plena de vícios quanto de credos. Folguedos desfilaram em louvor à mulher que virou divindade, em sagrado cortejo de canonização popular. Nos jardins do Palácio Celeste, ela se enxergou em cada rosa que desafia a sorte, insiste em rachar o chão e brota da aridez. E no altar do Divino, todo enfeitado de flor, a mais bela Rosa orna a coroa do Senhor. Não é uma rosa qualquer. É a Rosa que o povo aclamou!

Autor do enredo e carnavalesco: Tarcísio Zanon
Inspirado no livro: “Rosa Egipcíaca: Uma Santa Africana no Brasil”, de Luiz Mott
Texto: João Gustavo Melo

Carnaval 2022

No Carnaval de 2022, a vermelha e branca cantou o enredo Não há tristeza que pode suportar tanta alegria e ficou com o terceiro lugar do Grupo Especial carioca.

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