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Rio: Uma era dourada termina no Carnaval de 2023, por Jaime Cezário

Imperatriz Leopoldinense no Desfile das Campeãs 2023. Foto: Leandro Milton/SRzd

Imperatriz Leopoldinense no Desfile das Campeãs 2023. Foto: Leandro Milton/SRzd

Amigos do samba e do Carnaval, estou de volta após esse intenso 2023 para conversarmos sobre os acontecimentos e os resultados da Série Ouro e Grupo Especial do Rio de Janeiro.

Devo fazer esses comentários em duas partes, já aviso!

Quem acompanhou minhas análises de enredos, alegorias e fantasias, deve ter notado que tentei ser o mais técnico possível, para não magoar diretorias, nem carnavalescos. Mas sempre passando uma realidade vista. Digo que acompanhar todas as escolas de samba, analisando os roteiros fornecidos, é algo intenso. É como ser jurado desses três quesitos nos quatro dias. E no sábado das Campeãs, onde seria o dia de festa e celebração, acabei sendo convidado pela Prefeitura de Niterói para julgar o quesito Enredo. Na sexta e no sábado, julgando os três grupos de desfiles das escolas de samba do Carnaval de lá. Então, só posso dizer a todos, que foi um Carnaval muito cansativo, mas não menos maravilhoso!

Agora, recuperado dessa maratona, queria saber se gostaram do resultado. Pergunta difícil, eu sei… Os que venceram estão felizes e aqueles que não obtiveram boa classificação estão, até agora, buscando os culpados e queimando suas bruxas. Quando vence; tapinha nas costas de todos, mas quando perdem, até um suspiro é responsável pela derrota!

Gostaria de dividir com todos a minha preocupação com os rumos dos nosso desfile das escolas de samba, especialmente o da menina dos olhos de todos; os do Grupo Especial.

Foi liberado o índice de audiência da transmissão pela TV que detém os direitos de transmissão e, pasmem amigos, chegou apenas a 9,1%. Esse índice é um dos piores na história no segmento.

Fui pesquisar e vi que, a partir do ano 2000, os índices começaram a cair gradativamente, ano após ano. Outro fato, ainda mais preocupante, veio com a informação da emissora de TV que, das cinco cotas de patrocínios oferecidas para o Carnaval do Rio, apenas uma foi vendida.

Será que os grandes patrocinadores estão perdendo o interesse pelo produto oferecido? Esse é meu questionamento. Se você é de São Paulo, e deu aquele risinho achando que vocês podem eclipsar o Carnaval do Rio, tenho a triste informação; vocês conseguiram ser piores! A sorte da Liesa e das Escolas de Samba é que o contrato com a emissora de TV vai até o ano de 2025. Por mais dois Carnavais, o dinheiro das cotas de TV está assegurado. Mas depois, já avisou que o formato dos desfiles atuais terão de ser revistos. Em São Paulo, que não teve a mesma sorte que o Rio, o contrato tinha acabado e eles tiveram que aceitar uma redução de 50% da cota. Amigos, isso é um fato!

Fico pensando o que está acontecendo com nossos desfiles para que, a cada ano, o interesse do público esteja caindo dessa forma, assim como, dos patrocinadores. A Liesa, pelo que percebo, já entendeu que as coisas estão mudando, e já faz na passarela, suas mudanças, muitas delas cercadas de críticas. Falo dos grandes Camarotes. Pelo que já ouvi de seus dirigentes, é algo que chegou para ficar. Pelo que percebo, o retorno financeiro é bom e ajuda a financiar as escolas de samba. Os puristas se arrepiam vendo aqueles espaços lotados de pessoas que vão para curtir as atrações oferecidas dentro do espaço e, nos intervalos, vão para as filas de bebidas e alimentação.

E você ai vai se perguntar: Mas no intervalo dos shows é exatamente quando as escolas desfilam! Isso mesmo, está correto, ouvi esse depoimento de um conhecido que foi a todos os dias em camarotes diferenciados…

Na hora dos desfiles, a exceção fica por conta dos artistas e personalidades, que vão para assistir e, claro, com o objetivo de serem fotografados pelas mídias e colunas sociais.

Amigos, o que está acontecendo, ou o que aconteceu com nossos desfiles para essa queda de interesse? Será a politização em demasia dos enredos, que a cada ano se repetem com roupagens diferentes, mas sempre abordando o mesmo assunto, seja ele o racismo, preconceito religioso contra as religiões de matriz africana, perseguição aos nossos indígenas, questões relacionadas a desconstrução dos nossos heróis oficiais, perseguições políticas, a criação de novos heróis não-oficiais, santificações de personagens até então desconhecidos de nossa história? Fora a abordagem de temas religiosos, onde os desfiles parecem procissões… Será esse um dos motivos?

Na minha coluna pós-Carnaval de 2022, comentei do exagero dos temas abordando a religião de matriz africana, onde entrava e saia escola, lá estavam os Orixás sendo mostrados, em alas e alegorias. Recebib críticas, onde diziam que esse momento é o da valorização das classes populares oprimidas pela sociedade branca e preconceituosa, que por 70 anos obrigou as Escolas de Samba a trazerem enredos exaltando monarquias, colonizadores, ditadores e tudo mais. Bom, realmente as escolas de samba trouxeram enredos que exaltavam tudo isso e um pouco mais.

No livro de Sérgio Cabral, o pai, “As escolas de samba do Rio de Janeiro”, ele conta que o desejo das comunidades mais humildes, formadoras das escolas de samba, era se vestir nos quatro dias de Carnaval com as fantasias chamadas de “Luiz XV” para os homens. Essa roupa lembrava a nobreza francesa, todos com peruca branca, casaca e chapéu tricórnio, sendo que as mulheres desejavam vir vestidas de rainhas de França.

Eles diziam que o Carnaval era o único momento em que podiam sonhar em serem reis e rainhas, pois no restante do ano, tinham que encarar, a duras penas, uma vida de dificuldades e descaso.

E dessa forma, os desfiles das escolas de samba cresceram de forma exponencial, atingindo seu ápice nas décadas de 70, 80 e 90. Sendo que, na década de 80, foi construído o Sambódromo, a casa definitiva dos desfiles das escolas de samba, nas imediações da antiga Praça XI. Temos que lembrar, é claro, a chegada da temática de valorização dos heróis negros, no início da década de 60, período que ficou conhecido como a Revolução Negra na temática dos desfiles, promovido pelo carnavalesco Fernando Pamplona, no Salgueiro. Segundo o próprio Pamplona declarou, ele teve muita dificuldade em convencer, na época, a comunidade do Morro do Salgueiro, a se vestir de escravo, pois eles queriam ser reis.

Voltamos agora aos dias de hoje! O mundo mudou, tudo está completamente diferente desse período comentado até aqui. Hoje todos estão muito mais conscientes de seus direitos e o respeito que precisam ter na sociedade. Todas as fobias, racismos e preconceitos, são abominados. Leis protegem qualquer pessoa e, o infrator, à prisão. Acredito que as escolas de samba, que reúnem comunidades carentes ao seu redor, têm uma missão muito importante; trazer esclarecimento e conscientização a todos, realizando reuniões e debates o ano todo em suas quadras, informando e esclarecendo os diretos como cidadãos respeitados e livres. Isso tem de ser uma obrigação de todas elas! Mas mesmo fazendo isso, elas não vão conseguir mudar a realidade e as dificuldades da grande maioria no seu dia a dia. Seria perfeito se isso fosse conquistado, mas é uma utopia, com base na realidade de nossas politicas públicas. A realidade é dura, o desemprego é grande, a violência só aumenta, a inflação corrói, a educação piora e a insegurança toma conta de todos, essa é a verdade!

E as Escolas de Samba? Elas também se modernizaram, resolveram abordar em seus temas enredos que retratam a nossa dura realidade. Segundo a opinião de uma linha de pensadores do samba, chega de passar panos quentes com enredos fantasiosos, contando histórias que foram lapidadas pelo poder oficial! O grande enredo é aquele que traz verdades, mesmo que duras e pesadas, essa é a hora!

Assim, vemos desfilar enredos em forma de protesto e manifesto. A ordem é conscientizar! Hoje, podemos exaltar uma personalidade que tem na sua história uma lista de crimes, estupros e assassinatos. Um “cabra” que foi tão ruim, que tiveram que cortar a sua cabeça e de todo seu bando, e fazer uma romaria de cidade em cidade, expondo-a, para acalmar as populações aterrorizadas. O “bicho”, segundo as histórias criadas, era tão ruim que não foi aceito nem no céu, nem no inferno, foi parar no folclore, virando uma espécie de lenda popular.

Gostaria de imaginar os mestres Fernando Pamplona, João 30, Arlindo Rodrigues, Fernando Pinto e Viriato Ferreira analisando o momento atual do nosso Carnaval.

Eles que nos encantaram com “Chica da Silva”, “Ratos e Urubus”, “Lamartine Babo”, “Ziriguidum” e “Das maravilhas do mar, fez-se o esplendor de uma noite”. O que eles nos diriam? Acredito que olhariam tudo com muita perplexidade e tristeza, sem muito a dizer!

No atual momento, esses “magos” seriam simplesmente descartados. Receberiam todos os agradecimentos e, com uma mensagem de whatsapp, a seguinte informação da diretoria: agradecemos seu serviço, mas o tempo de sua magia carnavalesca passou. Esses enredos feitos, que até os dias de hoje habitam nosso imaginário trazendo encantamento, passou. Hoje, o que queremos são enredos de manifesto e protesto, tendo espaço até para enredos satanistas. Saudosistas, não mais!

Se você acha isso impossível, é bom refletir, pois é dessa forma que já nos despedimos de Max Lopes, e estamos hoje, nos despedindo de Rosa Magalhães e Renato Lage! E eu só quis citar os carnavalescos campeões do Grupo Especial! Uma era dourada está se encerrando com o Carnaval 2023. Um fato!

Ah… e a audiência e os patrocinadores? Problema deles, essa turma não pode ficar de “mimimi”, eles que aceitem os novos tempos e se adequem! E assim a vida e a festa continuam… Será?

Jaime Cezário é arquiteto urbanista, carnavalesco, professor e pesquisador de Carnaval.

Começou sua carreira como carnavalesco no ano de 1993, no Engenho da Rainha. Atuou em diversas escolas de samba do Rio de Janeiro, entre elas, a Estação Primeira de Mangueira, São Clemente, Caprichosos de Pilares, Paraíso do Tuiuti, Acadêmicos do Cubango, Leão de Nova Iguaçu e Unidos do Porto da Pedra. Fora do Rio, foi carnavalesco da Rouxinóis, da cidade de Uruguaiana, e União da Ilha da Magia, de Florianópolis.

Em 2007 e 2008 elaborou o trabalho de pesquisa que permitiu a declaração das escolas de samba que desfilam na cidade do Rio de Janeiro como Patrimônio Cultural Carioca, junto da Prefeitura do Rio de Janeiro e do IRPH, o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade.

Em 2013, a fantasia da ala das baianas – criada por Jaime para o Carnaval de 2012 para a Acadêmicos do Cubango –, entrou para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Iowa, no EUA.

Essa fantasia está exposta no setor dedicado as festas folclóricas da América Latina e representa o Carnaval das escolas de samba do Brasil. Esse feito fez de Jaime o primeiro carnavalesco a ter uma obra exposta em acervo permanente num museu internacional.

Crédito das fotos: divulgação
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do portal SRzd

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